Ciclo de inversión y empresas extranjeras en Brasil (1974-2015)

de la industrialización por sustitución de importaciones a la desindustrialización de la economía brasileña

Resumen

Este artículo analiza, a través de la sistematización de las cien mayores empresas que operan en Brasil, la crisis del proceso de sustitución de importaciones entre las décadas de 1970 y 2010. Utilizando los datos producidos por el anuario Maiores e Melhores, de la Revista Exame, sistematizamos la información sobre el mayores empresas de Brasil, durante estas cuatro décadas, destacando su nacionalidad y su sector de actividad. Haciendo hincapié en el análisis de las empresas extranjeras, es posible verificar la dinámica de los ciclos de inversión industrial, identificando los mayores sectores instalados en el país en cada período histórico. El estudio cubre la fase final del gobierno militar brasileño, marcada por el último esfuerzo de desarrollo industrial en el país, atravesando las décadas de apertura comercial, caracterizadas por un proceso de desindustrialización. En la primera sección cronológica del artículo, entre 1974 y 1994, se puede constatar tanto el pico de participación del sector industrial en el PIB nacional como los primeros indicios de la crisis de industrialización por sustitución de importaciones. En el segundo tramo del estudio, entre 1994 y 2015, a su vez, se encuentra la diversificación de nacionalidad y sectores económicos entre las cien mayores empresas, con la reducción de la participación de sectores tradicionales de la industria, ilustrando la tendencia de desindustrialización que se produjo. en el país en las últimas décadas.

Palabras clave: Desindustrialización, Industrialización por sustitución de importaciones, Brasil

Abstract

This article discusses, through the systematization of the hundred largest companies operating in Brazil, the crisis of the import substitution process between the 1970s and 2010. Using the data produced by the Maiores e Melhores yearbook, from Exame Magazine, we systematized the information about the largest companies in Brazil, over these four decades, highlighting their nationality and their sector of activity. Emphasizing the analysis of foreign companies, it is possible to verify the dynamics of industrial investment cycles, identifying the largest sectors installed in the country in each historical period. The study covers the final phase of the Brazilian military government, marked by the last industrial development effort in the country, going through the decades of commercial opening, characterized by a process of deindustrialization. In the first chronological section of the article, between 1974 and 1994, it is possible to verify both the peak of the participation of the industrial sector in the national GDP and the first signs of the industrialization crisis due to import substitution. In the second section of the study, between 1994 and 2015, in turn, there is the diversification of nationality and economic sectors among the hundred largest companies, with the reduction of the participation of traditional sectors of industry, illustrating the trend of deindustrialization that occurred in the country in recent decades.

Keywords: Deindustrialization, industrialization by import substitution, Brazil

Neste artigo, apresentamos a trajetória, a partir de dados sobre faturamento, das cem maiores empresas atuantes no Brasil entre 1974 e 2015. O período de quarenta anos selecionados para o estudo foi marcado por uma profunda mudança na estrutura da economia brasileira que passando de uma fase de industrialização por substituição de importações (doravante denominada ISI), marcada por grande intervenção do governo e com forte presença das companhias estatais durante o regime militar, seguiu para uma nova tendência, ao longo dos anos 1990, de abertura econômica e privatizações. O trabalho busca analisar a evolução das maiores empresas atuantes no Brasil, com destaque para as estrangeiras, avaliando como as transformações da economia internacional, dos avanços tecnológicos e dos marcos institucionais do país acabaram influenciando o ciclo de investimentos empresariais na economia brasileira depois da crise do modelo de ISI.

Por meio das publicações anuais "Maiores e Melhores" da Revista Exame, fizemos um levantamento das cem maiores empresas registradas ao longo das décadas de 1970 e 2010.[1] Ao sistematizarmos as informações sobre quais eram essas maiores empresas, nos foi possível compreender a evolução dos principais setores da economia brasileira, da nacionalidade das empresas atuantes, assim como se eram empresas de sociedades anônimas, familiares ou estatais, entre outras informações. Acreditamos que uma análise que perpassa por períodos históricos tão distintos pode nos fornecer significativas indicações acerca dos desafios do setor empresarial tanto em sua relação com o Estado, como com os mercados nacional e internacional. Em se tratando de uma economia em desenvolvimento, é relevante compreendermos as variáveis que mais influenciaram o estabelecimento e a evolução das empresas estrangeiras no mercado brasileiro.

Visando alcançarmos nosso objetivo, dividimos o presente artigo em três seções. A primeira, traz a discussão sobre a capacidade de investimento da economia brasileira diante de um cenário marcado pela diminuição da participação do produto industrial no PIB brasileiro. Questões tais como os efeitos das políticas governamentais sobre o nível de investimento, as estratégias de internacionalização de algumas das maiores empresas, bem como os efeitos do movimento de abertura comercial e financeira ocorrido nos anos 1990, são em conjunto de suma importância para a avaliação sobre os ciclos de investimentos que se verificaram na economia brasileira entre 1974 e 2015. Já as duas seções seguintes examinam, de maneira mais pormenorizada, os dados relativos a diversos aspectos das maiores empresas estrangeiras atuantes no Brasil nos respectivos subperíodos, de 1974-1994 e 1994-2015. Ao final, discutimos, à guisa de conclusões, qual foi o papel dos investimentos estrangeiros ao longo dos períodos assinalados.

A Industrialização por Substituição de Importações no Brasil

A economia brasileira passou por uma profunda transformação ao longo do século XX. De uma estrutura econômica fundamentalmente agrário-exportadora no início do século, observou-se, a partir de 1930, um aumento expressivo da participação da indústria no produto total da economia. Tal mudança ficou marcada pela expressão de Celso Furtado, em Formação econômica do Brasil (Furtado 2007, cap.32), do deslocamento do centro dinâmico, isto é, quando o mercado interno e a indústria nacional passaram também a assumir um papel mais relevante na definição do nível de emprego e salários no país.[2]

Entre 1930 e 1945, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, tem-se o início da construção de um projeto nacional de desenvolvimento industrial.[3] No período, a síntese maior do projeto industrial do governo foi a concretização do projeto siderúrgico nacional, com apoio financeiro dos Estados Unidos para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, empresa controlada pelo Estado. Outros relevantes empreendimentos industriais foram efetivados no período, como a criação da Fábrica Nacional de Motores, mas, acima de tudo, com a expansão do mercado interno e da urbanização, observou-se um crescimento das indústrias de bens de consumo não duráveis, tanto pela consolidação e ampliação de empresas instaladas antes de 1930, como de outros negócios fomentados no período.[4]

Se materialmente foi possível observar importantes avanços, talvez outro importante legado do período foi que o pensamento industrialista fomentado, baseado no modelo de substituição de importações, encontraria amplo espaço dentro do Estado moderno então em construção. A marcante presença do economista e industrial Roberto Simonsen em órgãos do governo é simbólica nesse sentido.[5] Depois de 1945, com a reconstrução do mundo no pós Segunda Guerra Mundial e a disseminação da Teoria do Desenvolvimento Econômico, a defesa da industrialização alcança quase uma posição hegemônica no debate econômico nacional, tendo a CEPAL como instrumento decisivo na proposição de estudos e projetos (Bielschowsky 2000, cap.2).

Assim, ao longo das duas décadas seguintes ao final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil iniciaria uma deliberada política de ISI. A partir de 1948, uma política cambial passaria a ser usada como instrumento tanto de proteção do mercado nacional, como de importação de bens essenciais para a industrialização. Os governos investiram esforços no sentido de produzir estudos e planos para superar os gargalos de infraestrutura e permitir o desenvolvimento industrial, tais como o Plano Salte (1948), a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-53) e a síntese deste processo, o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956-61).[6] 

O Plano de Metas é tido como o primeiro plano de desenvolvimento do Brasil, como uma efetiva política de planejamento, destacando diretrizes e objetivos a serem alcançados (Lafer 1987, 29-30). Tendo como instrumento de promoção das políticas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), o governo realizou relevantes projetos nos setores de transporte e energia, enquanto que por meio de uma política de incentivo à instalação das indústrias estrangeiras no Brasil foi possível ampliar, de maneira significativa, o parque industrial do país.

Quando comparado com o perfil da política de desenvolvimento empreendida pelo governo antecessor, de Getúlio Vargas (1950-1954), o Plano de Metas incentivou uma maior participação do capital estrangeiro na economia brasileira. Por meio da Instrução da Superintendência da Moeda e do Crédito número 113, o governo estimulou a entrada de empresas estrangeiras com isenções de importação de bens de capital, aproveitando o ciclo de expansão das multinacionais[7] – especialmente dos Estados Unidos e, somente mais tarde, da Europa e Japão – para acelerar a constituição do parque industrial brasileiro.

Foi nesse período, por exemplo, que a indústria automobilística começou a ser instalada no país por meio dos investimentos das empresas multinacionais, abrindo também oportunidades para o empresariado nacional atuar no setor de autopeças. Essa seria a principal diferença da atuação das multinacionais na América Latina, quando comparado com o caso das plataformas de exportação instaladas na Ásia entre as décadas de 1950 e 1980. Conforme o argumento de Amsden (2009), enquanto na América Latina o objetivo das multinacionais era conquistar o mercado consumidor, fugindo de políticas protecionistas, na Ásia, o investimento direito estrangeiro buscou reduzir o custo de produção ao se valer dos baixos níveis salariais dos trabalhadores asiáticos, quando comparados com aqueles praticados nos países onde se localizam as matrizes das companhias.[8]

Essa primeira fase do ciclo da ISI acabou encontrando um cenário de crise ao final do Plano de Metas, produzindo um ambiente de instabilidade econômica e política, culminando com o golpe militar de 1964.[9] O projeto de expansão industrial seria mantido durante o governo militar brasileiro, mas em novas bases. Isto é, apesar de manter uma política intensiva de industrialização do país, com a manutenção das empresas multinacionais na economia brasileira, agora o governo empreendia políticas de arrocho salarial para estimular os investimentos, produzindo elevados custos sociais e a ampliação da desigualdade econômica.[10]

Como continuidade ao projeto iniciado na década de 1950, a industrialização brasileira prosseguiria dependendo de três pilares: o capital estrangeiro, com a entrada no mercado brasileiro das multinacionais, instalava a estrutura industrial pesada e mais intensiva em tecnologia; o Estado, por sua vez, se voltava à infraestrutura como, por exemplo, por meio do salto da oferta de energia via Eletrobrás e Petrobrás; e o capital nacional assumia os setores subsidiários, como as empresas de autopeças para as indústrias automobilísticas estrangeiras (Evans 1980).

Ao longo de aproximadamente 50 anos, portanto, entre as décadas de 1930 e 1980, através do processo de ISI – fosse ainda como resultado da grande depressão de 1930, ou de uma política deliberada de desenvolvimento nos governos democráticos, entre 1945 e 1964, ou das políticas industriais e de financiamento da infraestrutura dos governos militares, entre 1964 e 1985 – o Brasil foi uma das economias que mais cresceu no mundo. A participação do Brasil no PIB mundial cresceu de aproximadamente 1,5% para quase 4,5% (Gráfico 1).

Gráfico 1. Participação do PIB brasileiro no PIB mundial: 1822-2022

Fonte: Alves (2015).

De maneira mais ampla também, a renda per capita do conjunto de países da América Latina cresceu cerca de 3,0% ao ano entre as décadas de 1960 e 1980. A esse respeito, Chang (2004, 219-219, Tabela 4.2) observa que tratou-se de um desempenho superior ao obtido pelos "países atualmente desenvolvidos", durante o "século de desenvolvimento" desses países, de 1820 a 1913, no qual a média de crescimento ficou entre 1,0 e 1,5% ao ano.

Quando cruzamos os dados de crescimento do PIB per capita latino-americano do período caracterizado como o auge da ISI com o período subsequente, que no Brasil ficou marcado pelo retorno à democracia e pelas reformas neoliberais dos anos 1990, vemos uma diferença significativa: dos 3,0% acima assinalados, para o período 1960-1980, a taxa média de crescimento do produto per capita recuou para apenas 0,6%, entre 1980 e 1999 (Chang 2004, 221, Tabela 4.3). Prado e Leopoldi, ao comparar esses dois períodos, reiteram as diferenças dos resultados econômicos à luz da política da ISI como o traço característico do período desenvolvimentista no Brasil:

No longo ciclo do desenvolvimentismo – particularmente no período compreendido entre 1950 e 1980, a diferença entre a renda dos brasileiros e a dos países industriais avançados diminuiu – um processo que os historiadores econômicos chamam de cacthing-up, isto é, convergência para os níveis de renda dos países industrializados avançados. Portanto, esse foi um período de inegável sucesso das políticas econômicas de longo prazo no Brasil. Por outro lado, se usarmos o mesmo critério para avaliar o desempenho da economia brasileira depois dessa década, ao longo do período da Nova República, particularmente entre 1980-2005, vemos o processo inverso de afastamento progressivo do grupo de países mais dinâmicos do mundo – o que os historiadores econômicos chamam de falling-behind. Ou seja, esse é um período de relativo insucesso das políticas econômicas de longo prazo no país. (Prado e Leopoldi 2018, 74).

Em suma, e de acordo com as ponderações dos autores acima, se o desempenho da economia brasileira durante o auge da ISI assinala um "movimento de convergência" da renda com o nível dos "países atualmente desenvolvidos", a partir dos anos 1980 tal trajetória se inverte e passa a se caracterizar por um "movimento de divergência" entre a renda per capita dos países em desenvolvimento, como o Brasil, em relação ao nível de renda dos países de industrialização mais avançada. Aliado a isso, e segundo os teóricos da CEPAL defensores do modelo substitutivo, em especial Prebisch (1972), a ISI permitiria também equacionar tanto o problema do desemprego estrutural, absorvendo a população excedente do setor agrícola, como o problema da dependência externa ligada à relação desigual no comércio internacional, reduzindo o coeficiente de importação e diversificando a pauta de exportações. Ressaltamos, ainda, que tal processo, não podendo surgir espontaneamente, deveria apoiar-se em forte intervenção do Estado por meio do planejamento e da política econômica, de maneira a delimitar com precisão o espaço econômico nacional.

Sabemos, contudo, que o processo de substituição de importações que, como temos visto, orientou a industrialização dos países latino-americanos e constituiu a base do processo de desenvolvimento de Brasil e Argentina, os dois países mais avançados da região, já começara a mostrar sinais de enfraquecimento a partir das décadas de 1950-60. À medida que esse modelo de substituição avançava, os progressos econômicos adicionais se mostravam cada vez menos significativos, já que eles não se pautavam pela produção de bens de maior complexidade tecnológica, com maiores exigências relativas de capital e com o escopo mínimo necessário às plantas industriais. Dessa forma, as taxas de crescimento não foram acompanhadas pelo aumento da produtividade e pela transferência tecnológica correspondente, mas ao longo dos governos militares, os investimentos estatais, somados às políticas de arrocho salarial, garantiram o aprofundamento da industrialização por mais um ciclo.

A década de 1980 foi um período de transição econômica e política no mundo todo. O impacto das tensões geradas na década anterior, como resultado do fim do Acordo de Bretton Woods e das duas crises internacionais do petróleo, provocou uma sucessão de choques que alterou profundamente o cenário da geopolítica internacional. Após o Segundo Choque do Petróleo em 1979, a alternativa vislumbrada pelo governo brasileiro de buscar diminuir a absorção interna e estimular as exportações por meio de um ajuste na relação entre câmbio e salários não surtiu um efeito positivo imediato de curto prazo. Pode-se considerar que a política de maxidesvalorização cambial, então implementada pelo ministro Delfim Netto, até tivera um relativo sucesso no que diz respeito ao ajustamento externo, mas certamente comprometeu ainda mais o cenário doméstico no Brasil ao se mostrar um propagador do aumento dos preços internos da economia. Como consequência das maxidesvalorizações de 30% do câmbio, adotadas em duas ocasiões sendo a primeira em dezembro de 1979, a inflação anual a partir de 1980 alcançou a casa dos três dígitos. O alívio do ponto de vista do desempenho da economia, no entanto, só viria um pouco mais tarde, em 1984, quando se observa uma melhora significativa do resultado da balança comercial associada à recuperação da economia norte-americana e à reativação das exportações brasileiras para esse país.

A transição, portanto, para a década de 1980 abriria uma fase de desmonte das políticas desenvolvimentistas de substituição de importações, tanto pelo crescente endividamento do Estado brasileiro, mas também pelo novo contexto mundial de abertura econômica e redefinição da estrutura produtiva mundial. O resultado seria o de uma transformação do perfil das empresas estrangeiras no Brasil, como veremos adiante, refletindo tanto o novo ciclo de investimentos vinculado ao setor de serviços como o processo de desindustrialização do país.

Capacidade de investimento, desindustrialização e relativa abertura econômica

Os anos de 1970 representaram para a estrutura industrial brasileira uma fase de concretização de um ciclo de investimento de quase duas décadas de elevado crescimento, que teria capacitado o país a atingir significativos resultados de reprodução das tecnologias internacionais. Com a introdução da indústria pesada, o parque industrial brasileiro era complexo e, em determinados momentos, bastante robusto inclusive no que diz respeito à competição no mercado internacional. Mas a segunda metade da década colocaria ao governo um impasse relevante, sobre a necessidade de dar prosseguimento aos elevados investimentos no setor industrial, ou retomar uma política de ajustamento, tendo em vista o cenário de crise que se desenhava.  

Assim, a estratégia de ajustamento macroeconômico, de viés estrutural, adotado pelo governo brasileiro durante a gestão do general Ernesto Geisel (1974-1979) buscou enfrentar o choque externo causado pelo aumento internacional do preço do petróleo através da intensificação do processo de substituição de importações. Para Fonseca e Monteiro (2007), a ideia do governo à época era dar um novo alento ao desenvolvimento brasileiro através da execução do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND, cujo enfoque se voltava para o aumento da capacidade energética e a produção de insumos industriais e bens de capital.

O Plano incidiu primordialmente sobre a produção de insumos básicos, metais não-ferrosos, mineração, petroquímica, fertilizantes, papel e celulose. No setor energético e de infraestrutura, o objetivo foi o de ampliar a prospecção de petróleo, fomentar a produção de energia nuclear, ampliar a capacidade do setor hidroelétrico e substituir a utilização dos derivados de petróleo por energia elétrica e da gasolina pelo álcool. Quanto ao setor de bens de capital, optou-se pelo fornecimento de garantias de demanda, incentivos fiscais – como créditos do imposto sobre produtos industrializados – IPI, depreciação do câmbio acelerada, isenção do imposto de importação etc –, incentivos de crédito, reservas de mercado e garantias de política de preços para o setor privado. Muitas dessas medidas denotavam uma mudança de prioridades da política industrial do governo brasileiro.

A partir dessa estratégia em torno do II PND, o governo via na ampla liquidez internacional a possibilidade de seguir com a economia crescendo sem a necessidade de ter que gerar de imediato o excedente para realizar a transferência de gastos imposta pela alta do petróleo. Imaginava-se, por um lado, que o financiamento externo seria suficiente para fechar o balanço de pagamentos no curto prazo e, por outro, os investimentos nos setores carentes da matriz industrial brasileira, além do provável aumento na capacidade de exportação da economia, geraria uma poupança para o pagamento da dívida aos credores externos no futuro. O fato é que o modelo de financiamento dos megaprojetos industriais, particularmente os das empresas estatais com base no endividamento externo, se mostrou insustentável à medida que o cenário internacional foi se deteriorando ao final da década de 1970, em especial após o segundo choque internacional do petróleo.

Em 1979, os juros da dívida externa representaram 28% do valor das exportações brasileiras, ao passo que as transações correntes apresentaram um déficit da ordem de US$ 11 bilhões, acarretando a perda de reservas na casa de US$ 2 bilhões e marcando, assim, o início da crise cambial que se arrastaria durante toda a década de 80. No âmbito doméstico, tornava-se evidente a deterioração da situação fiscal do Estado em função da redução da carga tributária bruta, do aumento no volume das transferências (em especial para pagamento de juros sobre a dívida interna), do enorme passivo financeiro representado pela situação deficitária da maioria das empresas estatais e do comprometimento do orçamento público que foi grandemente afetado pelas operações de crédito realizadas pelo governo durante a execução do II PND.

Assim, frente ao expressivo excesso da demanda interna, aliado à intensificação do sistema de indexação de preços e salários, a dívida externa, a inflação e os preços relativos dos investimentos aumentaram contínua e significativamente. Em contrapartida, os dados relativos à produtividade do capital apontavam para um declínio entre 1974 e 1984, pois, segundo Bacha e Bonelli (2005, 166), a economia brasileira nesse período experimentou uma "regressão tecnológica" ao invés de um movimento marcado pelo progresso técnico, o que, sem dúvida alguma, teria sido mais benéfico à economia do ponto de vista estrutural. A evidência a esse respeito utilizada pelos autores é a associação positiva entre a queda da taxa de crescimento do PIB, verificada a partir dos anos 80, e o colapso da acumulação de capital medida pela taxa de variação do estoque de capital. Esta taxa se expressa da seguinte maneira: K = s(1/p)uv – δ, onde:

s = taxa de poupança agregada (taxa de poupança interna mais externa);

p = preço relativo do investimento (razão entre o deflator implícito da formação bruta de capital fixo e o deflator implícito do PIB);

u = grau de utilização do estoque de capital;

v = razão entre o PIB e o estoque de capital em utilização;

δ = taxa anual de depreciação do estoque de capital.

A taxa de crescimento do estoque de capital corresponde ao investimento fixo líquido, expresso enquanto proporção do estoque de capital preexistente. O lado direito da equação reúne as fontes de financiamento dos investimentos. No entanto, mais importante do que a própria taxa de poupança é, como sustentam os autores, o poder de compra sobre bens de capital, que consiste no determinante do nível real de investimento da economia. Ademais, a multiplicação do grau de utilização do estoque de capital (u) pela relação entre o PIB e o estoque de capital em uso(v)representa a relação produto-capital que, por sua vez, configura uma medida de investimento bruto. Por fim, ao se deduzir a taxa de depreciação (δ), tem-se o investimento líquido como proporção do estoque de capital ou, simplesmente, a taxa de variação do estoque de capital (Bacha e Bonelli, 2005, 169).

Ainda de acordo com esses mesmos autores, a principal fonte de dinamismo do estoque de capital no período 1974-1984 foi a taxa de poupança e seu reflexo sobre o significativo aumento do déficit externo. Já a acintosa retração da taxa de crescimento do estoque de capital, que se verifica mais evidentemente a partir de 1983, explica-se pelo comportamento adverso do preço relativo do investimento, acompanhado também das quedas do nível de emprego e da relação produto-capital em uso. Em suma, a razão para a retração da acumulação de capital nas últimas três décadas no Brasil "parece ter sido o aumento no preço relativo do investimento, que reduziu fortemente o poder de compra da poupança" (Bacha e Bonelli 2005, 181).

Mas, nesse contexto, qual foi o papel exercido pelos investimentos estrangeiros ao longo do período de abertura da economia brasileira a partir da década de 1990? Como devemos avaliar os gastos com capital provenientes de grupos empresariais internacionais? Em virtude da dificuldade caracterizada acima, qual seja, a da insuficiência do poder de compra da poupança interna no Brasil, a demanda por investimento acaba tendo que ser suprida pelo excedente poupado em outros países e, por isso, inúmeros economistas defendem a abertura dos mercados e a livre movimentação de capital. Argumenta-se que a abertura da economia não se restringe a resolver tão somente esse gap de poupança entre as nações, mas há outros benefícios que incidem sobre a eficiência da economia, além dos efeitos diretos resultantes de uma melhor alocação do capital e de retorno mais elevados sobre os investimentos, tais como a indução (portanto, um efeito indireto da abertura) das "melhores práticas" nos campos da política governamental e da governança corporativa.

Para Franco (1998, 129), a mudança na estrutura de mercado decorrente da emergência de uma nova dinâmica competitiva acarretada pelo processo de abertura induz condutas virtuosas por parte da atuação das empresas que produzem maior eficiência. Em um contexto onde se percebe a presença de competidores estrangeiros que buscam disputar por maiores fatias de mercado, investimentos em tecnologia, dentre outros fatores que incrementam a produtividade, se tornam uma necessidade premente, embora Chang pontue algo fundamental a respeito dos fluxos de capital estrangeiro:

Foreign capital flows into developing countries consist of three main elements – grants, debts and investments. Grants are money given away (but often with strings attached) by another country and are called foreign aid or official development assistance (ODA). Debts consist of bank loans and bonds (government bonds and corporate bonds). Investments are made up of 'portfolio equity investment', which is equity (share) ownership seeking financial returns rather than managerial influence, and foreign direct investment (FDI), which involves the purchase of equity with a view to influence the management of the firm on a regular basis. (Chang 2008, 86).  

Tal caracterização proposta por Chang é importante para o presente trabalho, pois serve de subsídio para esclarecermos que nossa intenção é investigar a participação do capital estrangeiro exclusivamente por meio do investimento direto estrangeiro (IDE) realizado no Brasil, que usualmente é feito por empresas multinacionais. 

Gráfico 2. Nacionalidade e tipo de controle acionário das cem maiores empresas brasileiras, 1974-1990 (% do capital)

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1974-1990).

De qualquer forma, e com base na imagem acima, observamos o predomínio das empresas controladas pelo Estado brasileiro entre 1974 e 1990, embora de 1979 em diante o controle acionário por parte de grupos privados nacionais tenha aumentado continuamente. Se, em 1974, cerca de trinta das cem maiores empresas estavam nas mãos do Estado e, em 1984, tal índice se eleva a 44,8%, em 1990 é possível notar um recuo do controle estatal das maiores empresas atuantes no país, dado que tal participação estacionou em aproximadamente 36%.

É evidente a perda de importância do Brasil no cenário global do investimento internacional ao longo da década de 80, haja vista a queda do país da sexta para a décima terceira posição do ranking dos países receptores de investimento direto. Sua participação nos fluxos internacionais de investimento direto se reduziu de cerca de 5,2%, em média entre 1976 e 1980, para menos de 1%, em 1991-92 (Bielschowsky e Stumpo 1996, 10). Não obstante, as entradas de capital no Brasil apontam para uma recuperação somente em 1994, quando o país passa a apresentar déficits em conta corrente, embora em níveis bem abaixo dos observados durante os anos 70 (Franco 1998, 141).

Embora o biênio 1985-86 tenha registrado significativas taxas de crescimento da produção industrial, 8,3% e 11,7% respectivamente, o nível de investimento na indústria de transformação não foi suficiente para manter, e muito menos para aumentar, sua participação no PIB brasileiro. Ao final do ano de 1990, a economia brasileira registrou um recuo de 4,3% do PIB, com a indústria de transformação reduzindo seu produto em 9,5% (Sallum Jr. 2018, 172).

Em outro recorte temporal (Gráfico 3), o controle acionário das maiores empresas atuantes no Brasil se altera significativamente do quadro apresentado anteriormente para o período 1974-90, a despeito da permanência do caráter relativamente fechado da economia brasileira entre 1994 e 2015. Os controles estatal e privado nacional praticamente se igualam ao final desse período, em aproximadamente 30%, ao passo que a terceira posição, ocupada pelo capital de origem norte-americana, ficou em cerca de 7% apenas.

Gráfico 3. Nacionalidade e tipo de controle acionário das cem maiores empresas brasileiras, 1994-2015 (% do capital) 

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1994-2015).

De acordo com Suzigan e Furtado (2006, 172-73), o resultado mais evidente da Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE), implementada durante o governo Collor de Mello (1990-92), foi a liberalização do comércio com os países estrangeiros que veio acompanhada, em momentos posteriores, pelo estabelecimento de acordos multilaterais no âmbito da OMC e pela sobrevalorização do Real. Em resposta à intensificação do movimento de abertura ao investimento direto estrangeiro, o setor industrial buscou se ajustar com as empresas enxugando suas estruturas operacionais visando melhorar a qualidade de seus produtos e aumentar a produtividade com o objetivo de se inserirem nos mercados de exportação. Como consequência, cadeias produtivas foram desarticuladas – especialmente as de eletrônica, bens de capital e química/farmacêutica – e os segmentos de alta tecnologia desativados.

Em suma, a participação da indústria de transformação no PIB despencou, evidenciando um claro movimento de desindustrialização da economia brasileira.[11] Como resultado, uma nova estrutura produtiva emergiu, marcada pela atuação do Estado como agente regulador, pelo domínio do capital estrangeiro em algumas indústrias estratégicas do ponto de vista da inovação tecnológica e pela reestruturação de grupos privados nacionais que passaram a apresentar limitada capacidade financeira e reduzidas sinergias produtivas, sobretudo em novas tecnologias.

Ainda segundo esses autores, uma das prováveis explicações para a retração da atividade industrial entre 1983 e 2004, além do que já mencionamos – elevação do preço relativo do investimento e queda da relação produto-capital em uso –, é a total ausência de uma política industrial efetiva e claramente especificada pelo Estado brasileiro, em particular ao longo de toda a década de 1990. Tudo isso considerado, o resultado é o que se observa no gráfico a seguir.

Gráfico 4. Brasil: PIB real da indústria de transformação e grau de industrialização, 1948-2018

Fonte: Morceiro e Guilhoto 2019, p. 6.

Nota-se que nas décadas de 1980-90, o PIB industrial real no Brasil ficou praticamente estagnado até 2002, quando, a partir daí ele experimentaria um aumento ao saltar de 17,4% para 22,3%, em 2008. Deste ano em diante, o comportamento desse indicador oscilou bastante até 2018, ao atingir seu nível máximo em 2013 (22,7%) e o seu pior resultado em 2016 (18,9%), uma média de 21% entre 2008-18. Morceiro e Guilhoto veem características distintas entre os setores manufatureiros em relação ao movimento mais geral ocorrido na economia brasileira:

Vestuário, couros e calçados e o setor têxtil começaram a perder participação desde início da década de 1970; máquinas e equipamentos desde meados da década de 1970; metalurgia e produtos de metal, e minerais não-metálicos desde início da década de 1980; química e petroquímica desde meados dos anos 1980; alimentos, bebidas e fumo desde meados de 2005. Ademais, pouquíssimos setores manufatureiros como material elétrico, informática e eletrônica, e papel, celulose e gráfica não apresentam uma tendência clara de desindustrialização. Dessa maneira, a desindustrialização brasileira não teve início em todos os setores no mesmo período. (Morceiro e Guilhoto 2019, 13)

Para os autores, o processo brasileiro de desindustrialização tem se mostrado, à luz da experiência histórica, mais intenso nos setores de alta tecnologia (indústrias de equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos, farmacêutica e aviação) e média-alta tecnologia (automobilística, química, equipamentos e materiais elétricos e outros equipamentos de transporte) ao passo que nos demais setores tecnológicos o que se observa é uma tendência mais estável de participação setorial no PIB. Em suma, a desindustrialização no Brasil tem ocorrido de modo mais evidente nas indústrias intensivas em capital, portanto, de maior conteúdo tecnológico, e em outros dois segmentos industriais de baixa e média-baixa intensidade tecnológica, como são os casos das indústrias de borracha e plástico (Morceiro e Guilhoto 2019, 15).

Em suma, os setores de alta e média-alta tecnologia participaram, em 2016, com 33,3% da produção industrial brasileira e com 70,8% das importações de insumos e bens comercializáveis internacionalmente. Essa considerável dependência das importações denota que tais setores têm demonstrado um protagonismo menor na estrutura produtiva do país em comparação aos de baixa e média-baixa tecnologia que, portanto, são majoritários e apresentam um grau de adensamento produtivo[12] maior do que as empresas e atividades voltadas à geração de inovação tecnológica (Carta IEDI, 929).

Diante do exposto, nossa intenção é, nas próximas seções deste estudo, verificar quais eram as maiores e principais empresas estrangeiras atuantes no Brasil e em quais setores da atividade econômica elas atuavam, além de investigar suas principais características por meio de um conjunto variado de indicadores.

Investimento direto estrangeiro no Brasil, 1974-1994

As duas décadas entre 1974 e 1994 podem ser caracterizadas na história econômica do Brasil como uma fase de transição do perfil da estrutura industrial e de um novo modelo de inserção internacional do país. A economia brasileira viveria seus anos finais do regime militar com uma estrutura industrial ainda sustentando elevados investimentos estatais, assim como generoso espaço para a presença das empresas nacionais no mercado nacional. Os elevados investimentos do governo por meio do II PND, associado ao ambiente de crise da dívida e fechamento da economia brasileira nos anos 1980, acabou por reduzir o espaço para a atuação das empresas estrangeiras entre os maiores grupos em atuação no país. Se em 1974 eram 61 as empresas estatais e nacionais entre as cem maiores, número que oscilou pouco entre 1979 e 1984, 59 e 63 respectivamente, nos anos 1990 a presença nacional alcançou sua maior participação, com 70 empresas em 1990 e 69 em 1994.

Vale lembrar que, por outro lado, o conturbado cenário econômico brasileiro dos anos de 1980, com os dilemas da dívida externa e o crescimento da inflação, acabava afugentando o capital estrangeiro do país. Em suma, os esperados efeitos da abertura econômica nacional ao mercado internacional, ocorrido no Brasil entre os governos Collor de Mello (1990-1992) e Cardoso (1994-2002), com resultados efetivos no processo de privatização, somente seriam sentidos entre os dados dos maiores grupos registrados no país nos anos 2000. Foi assim que, ao longo do século XXI, essa participação das empresas nacionais e estatais sofreria uma gradativa tendência de queda, caindo para 52 empresas e chegando na sua menor participação em 2015, com 47 empresas. 

No que diz respeito à nacionalidade das empresas, durante a década de 1970 somente estiveram presentes entre as cem maiores empresas acompanhadas pelo estudo, companhias estrangeiras dos Estados Unidos, Canadá, Argentina e da Europa. A presença de empresas norte-americanas e europeias expressava a chegada das grandes empresas multinacionais nos mercados periféricos detentores de grandes mercados consumidores, como o Brasil, diferentemente da tendência de instalação das multinacionais em países asiáticos que se tornaram plataformas de exportação (Amsden 2009).

Os Estados Unidos foram os pioneiros nesse processo, especialmente num ambiente de crescente protecionismo do pós-Segunda Guerra Mundial e da disseminação de políticas de substituição de importações (Eichengreen 2000).[13] Maior potência econômica mundial, os Estados Unidos foram também dominantes na presença internacional: em meados dos anos 1970, das 391 maiores multinacionais existentes no mundo, 180 eram americanas, outras 135 eram da Europa, 61 do Japão e apenas 15 tinham suas sedes em outras regiões (Veron 1980, 41).

A estratégia de instalação das empresas multinacionais não somente acelerava a instalação de indústrias modernas nos países periféricos, respondendo ao ambiente geopolítico de disseminação do capitalismo (Gilpin 1975), como também se tornava um meio de superar alguns gargalos mais imediatos identificados pela política industrial, como a falta de poupança interna ou os limites do balanço de pagamentos.

Naturalmente, a presença americana, maior economia mundial naquele momento, foi dominante entre as maiores empresas estrangeiras atuantes no Brasil no período. Entre 1974 e 1984, sua presença foi de quinze a dezessete empresas entre as cem maiores, representando algo em torno de 15 a 20% do capital das cem maiores empresas no país, e figurando somente atrás da participação de empresas nacionais e estatais. Cinco dessas empresas permaneceram durante praticamente todo o período entre as vinte e cinco maiores empresas, representando, em suma, significativa liderança no mercado nacional.

Tabela 1. Posição das maiores empresas norte-americanas atuantes no Brasil, 1974-1994

Empresas

1974

1979

1984

1990

1994

General Motors do Brasil S.A.

4

9

9

4

4

Ford Brasil S.A.

5

10

13

9

*

Esso Brasileira de Petróleo S.A.

6

6

5

10

15

Cia. Atlantic de Petróleo

13

11

12

25

 

Texaco Brasil S.A.

14

12

11

23

16

Anderson Clayton S.A.

25

 

 

 

 

Goodyear

 

32

 

 

 

IBM

 

 

32

28

21

Xerox

 

 

 

 

35

Cargill

 

 

 

 

47

 

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1974-1994).

* Entre 1987 e 1996, a Ford e Volkswagen se uniram numa joint-venture chamada de Autolatina, que passou a funcionar contabilmente somente a partir dos anos 1990. Em 1994 a empresa se encontrou na segunda posição entre as maiores empresas do país, apenas atrás da Petrobrás.

Essas maiores empresas norte-americanas atuantes no Brasil operavam basicamente em dois setores: automotivo, com a General Motors e a Ford, e de distribuição de petróleo, com a Esso, a Texaco e a Atlantic. Podemos dizer que tais empresas representavam a materialização do modelo de industrialização brasileiro iniciado ainda nos anos 1950, pois por meio do Plano de Metas, durante o governo de Juscelino Kubistchek, o país iniciaria sua trajetória de consolidação do processo de industrialização, dando especial espaço para a presença do capital estrangeiro, através de instrumentos como a Instrução 113 da Sumoc, que favorecia a entrada de bens de capital para companhias internacionais.[14] A indústria automobilística se instalava com significativo êxito naquela oportunidade, por meio dos maiores grupos internacionais, abrindo oportunidades para as empresas nacionais assumirem todo um rol de atividades acessórias, como as indústrias de autopeças.

Esse padrão de investimento no setor automotivo também foi dominante no caso das empresas alemãs. Salta aos olhos a presença das empresas Volkswagen e Mercedes Bens. A primeira empresa como símbolo da produção de automóveis no Brasil durante o governo Kubitschek, e a segunda como a empresa central na produção de caminhões. Contudo, apesar da relevância do setor automotivo, se comparado ao caso americano, a presença alemã esteve concentrada em poucos grupos entre 1974 e 1994, variando entre quatro e seis empresas entre as cem maiores atuantes no país.

Tabela 2. Posição das maiores empresas alemãs atuantes no Brasil, 1974-1994

 Empresas

1974

1979

1984

1990

1994

Volkswagen do Brasil S.A.

2

5

6

3

 

Mercedez-Benz do Brasil S.A.

10

13

36

19

19

Cia. Siderúrgica Mannesmann

58

44

91

93

 

Bayer do Brasil S.A. Inds. Químicas

83

79

75

94

89

Krupp Metalúrgica C. Limpo S.A.

90

 

 

 

 

Robert Bosch Ltda.

 

73

 

 

50

Siemens

 

79

 

 

 

Hoechst

 

 

99

63

51

 

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1974-1994).

As outras empresas tradicionais da indústria alemã que estiveram com relevante presença no país foram a Basf, a Bayer e a Hoechst, no setor químico, a Siemens no setor elétrico, a Bosch em produção de máquinas e equipamentos automotivos e a Mannesmann no setor siderúrgico e metalúrgico. Em certo sentido, eram todas empresas tradicionais de setores em que a Alemanha conquistou posição tecnológica pioneira, desde a segunda Revolução Industrial, mantendo destaque no mercado mundial no pós-Segunda Guerra Mundial (Landes 1994). Especialmente a presença das indústrias químicas reforçava um dos grandes objetivos do governo militar no Brasil de implementar a indústria pesada no país, promovendo a atração das empresas líderes do setor químico e farmacêutico.

A Companhia Siderúrgica Mannesmann, fundada em 1952, manteve durante quase todo o período presença expressiva no mercado nacional, atendendo, por exemplo, o fornecimento de tubos para a Petrobras. A empresa que era importante do setor siderúrgico e metalúrgico, mas também mantinha atividades de mineração, acabou se desfazendo de parte de seus negócios em 1992, voltando-se ao core das atividades de produção de tubos, mas reduzindo seu faturamento e deixando de figurar entre as cem maiores empresas a partir de então.[15]

Vale destacar a diferença do perfil das maiores empresas americanas e alemãs e aquelas de outros países europeus entre os anos de 1974 e 1994. Se as empresas líderes dos Estados Unidos e Alemanha estavam concentradas nos setores automobilístico e de distribuição de petróleo, as empresas francesas, inglesas, italianas e holandesas acabavam tendo um perfil setorial mais diversificado. Entre esses dois setores somente figuraram a Holanda, com a Shell – posteriormente passando para o controle acionário para a Inglaterra –, e a Itália, com a Fiat. No mais, é possível verificar empresas em setores de bens de consumo não duráveis, como a Nestlé, Gessy Lever, Souza Cruz, assim como de setores que tiveram importante crescimento durante o governo militar, como o químico e petroquímico, com a Rhodia, Ciba Gessy, Eletro Cloro, e o eletrônico, com a Ericsson, Philips e Olivetti.

As empresas japonesas entram na lista das cem maiores somente em 1984, com a presença da Honda na posição 100, sem aparecer novamente entre os anos de 1990 e 1994. O retorno definitivo dos investimentos japoneses com representativa participação ocorreria apenas no segundo período deste estudo, a partir dos anos 2000. Por um lado, os investimentos japoneses apareceram com a Usiminas, primeira empresa brasileira privatizada nos anos 1990 e responsável pela aquisição da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) em 1993, mas passou para as mãos dos japoneses somente nos anos 2000; outra importante empresa que se destacaria entre os investimentos japoneses seria a NEC, empresa do setor de telecomunicações; e, por fim, a partir de 2004, as montadoras de veículos entram definitivamente na lista, com a Honda e a Toyota.

Em suma, a estrutura industrial desse primeiro período de análise ilustra a centralidade do setor petrolífero no desenvolvimento econômico nacional dos anos 1970 e 1980. Em 1984, os setores de distribuição de petróleo e químico e petroquímico somavam cerca de 40% do faturamento do ano, sendo a Petrobrás a responsável pela metade dessa participação. O setor de alimentos, bebida e fumo, por outro lado, oscilando pouco ao longo de todo o período, ficou nas duas décadas em torno de 10%, enquanto o setor automotivo sofreria maiores oscilações, sendo afetado diretamente pelo impacto da crise dos anos 1980, decaindo de 15%, em 1974, para aproximadamente 8%, em 1984.

Investimento direto estrangeiro no Brasil, 1994-2015

A dinâmica da economia brasileira seria significativamente alterada ao longo dos anos 1990. A nova inserção do país na economia internacional, resultante do processo de globalização e das transformações tecnológicas, de um lado, e da forma de assimilação desse processo com a abertura do mercado nacional, por outro lado, acabou por influenciar na transformação de alguns aspectos da estrutura industrial brasileira. A chegada de novas empresas internacionais, a diversificação da nacionalidade dos países atuantes no mercado nacional entre as empresas líderes, a disseminação de novos negócios e atividades, são apenas alguns aspectos do conjunto de alterações que ocorreriam ao longo dos quase vinte anos que abarcam essa segunda fase do estudo.

O discurso que pautou as reformas econômicas brasileiras no início dos anos 1990 era de que o país teria sustentado uma indústria com baixa produtividade e tecnologicamente atrasada, tanto por conta de uma agressiva política de substituição de importações até os anos 1970, como pelo fechamento da economia brasileira com a crise da dívida externa dos anos 1980. Em suma, o cenário de proteção da indústria nacional oferecia para a população produtos mais custosos do que a concorrência internacional poderia ofertar.

A abertura econômica, para além de uma estratégia decisiva combinada com políticas de combate à inflação, permitiria ao Brasil acompanhar o padrão de consumo oferecido pelas inovações de setores como os das telecomunicações e da informática. A privatização de empresas estatais se apresentava como instrumento tanto para viabilizar recursos a novos investimentos industriais por meio da poupança externa, como também, conforme o discurso hegemônico, para superar o atraso tecnológico e a baixa produtividade das empresas estatais.  

Se, até o início dos anos 1990, as maiores empresas estrangeiras atuantes no Brasil eram dos Estados Unidos, do Canadá, de seis países da Europa e da Argentina, somando nove nacionalidades diferentes, no ano de 2010 já seriam 18 nacionalidades diferentes. Entre os novos países presentes com investimentos representativos no Brasil encontramos companhias asiáticas do Japão e Coreia – em 2015 também uma empresa chinesa do setor agropecuário –; investimentos indianos em siderurgia e metalurgia; empresas de países da Europa que não figuravam na lista das cem maiores, como Portugal e Espanha no setor de telecomunicações; e, por fim, as empresas mexicanas dos setores de telecomunicações e automotivo.

Nas últimas décadas, entretanto, a nacionalidade dos investimentos tem se tornado cada vez mais fluida e variável. Com a crescente integração dos mercados financeiros internacionais, a composição acionária majoritária das empresas tem se tornado mais sujeita a rápidas alterações, tais como a da Ambev, que de capital nacional com a Brahma em 18ª posição entre as maiores empresas em 2000, passou a figurar em 2004 como a quinta maior empresa atuante no Brasil, mas agora com capital belga.[16] 

Mas relevantes aspectos de continuidade também merecem ser enfatizados. Como já apontamos acima, a participação das empresas nacionais e estatais entre as cem maiores foi paulatinamente reduzida. Contudo, entre as maiores empresas atuantes no país a Petrobrás manteve a primeira posição no quesito faturamento das cem maiores empresas em todo o período. O setor petrolífero como um todo continuou como o mais lucrativo entre as maiores empresas, mas ao longo dos anos 2000 mudanças importantes ocorreriam entre as empresas líderes.

Gráfico 5. Principais setores entre as 100 maiores empresas no Brasil, 1994-2015

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1994-2015).

As empresas americanas, Texaco e Esso, que durante décadas estiveram entre as vinte maiores empresas do mercado brasileiro, deixariam de operar com suas razões sociais: a Texaco Brasil se transformou em 2005 na Chevron Brasil, por conta da fusão da Texaco com a Chevron, criando a segunda maior empresa de energia com sede nos Estados Unidos. Adicionalmente, em 2008, a Chevron Brasil foi desmembrada com a criação da Chevron Brasil Lubrificantes, que dividiria suas atividades de distribuição de combustíveis e de lubrificantes. Possivelmente, essa divisão dos negócios acabou por promover o desaparecimento da empresa entre as cem maiores em faturamento nos anos de 2010 e 2015. No caso da Esso, sua aquisição pela empresa nacional Cosan em 2008 e com sua posterior fusão com a anglo-holandesa Shell em 2011, criando a empresa Raízen, acabou por retirar o grupo americano do mercado brasileiro. Essa alteração no setor de distribuição de petróleo acabou resultando numa significativa queda da presença das empresas americanas entre as maiores empresas no Brasil, com a participação decrescendo a metade, de 15 para 7%.[17]           

Outra importante mudança no perfil dos investimentos americanos em solo brasileiro foi sua tendência de diversificação setorial. Em 2000, o número de empresas americanas entre as cem maiores empresas no Brasil alcançou a maior presença entre as estrangeiras, com dezoito empresas, mas sendo sete delas nas posições entre 80 e 100. Ao longo da década seguinte, a presença caiu continuamente alcançando apenas onze empresas em 2010 e nove em 2015.[18] Se o perfil das primeiras posições foi bastante alterado com a saída das empresas de distribuição de petróleo, no que diz respeito ao setor automobilístico, Ford e General Motors continuariam marcando presença, mesmo com o crescimento da competição com a entrada de novas marcas no mercado, especialmente de montadoras asiáticas.[19]

Tabela 3. Posição das empresas americanas entre as 80 maiores no Brasil, 1994-2015

Empresas

1994

2000

2004

2010

2015

General Motors do Brasil S.A.

4

7

9

13

31

Ford Brasil S.A.

 

 

40

21

58

Esso Brasileira de Petróleo S.A.

15

17

16

 

 

Motorola

 

63

 

 

 

Texaco Brasil S.A.

16

16

17

 

 

Alcoa

 

67

80

 

 

Intel

 

77

 

 

 

IBM

21

 

54

80

 

Xerox

35

61

 

 

 

Cargill

47

35

19

22

11

Kraft Foods

 

 

74

79

 

Multibrás

 

 

77

 

 

Elektro

 

 

79

 

 

Walmart

 

 

 

18

23

Whirlpool

 

 

 

54

72

ADM

 

 

 

63

35

HP

 

 

 

78

 

Amil

 

 

 

 

29

General Electric

 

 

 

 

77

 

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1994-2015).

Como a Tabela 3 demonstra, entretanto, a marcante característica da participação das maiores empresas americanas no período entre 1994 e 2015 foi sua diversificação em setores e a dispersão entre companhias. Alguns dos importantes grupos americanos refletiram a dinâmica da economia brasileira nos anos 2000. De um lado, com o significativo crescimento do mercado interno, empresas do comércio varejista, como o Walmart, e de serviços, como a Amil, aproveitaram a ampliação da renda e do consumo nacional para se estabelecer no topo das empresas mais lucrativas do país, especialmente a partir de 2005. Por outro lado, o setor agrário-exportador foi outro que recebeu grande impulso, se valendo do momento do boom das commodities pela demanda chinesa que impulsionou empresas que atendiam atividades agrícolas como a Cargill e a ADM – Archer Daniels Midland Company.  

No caso das empresas alemãs, sua presença parece ter se mantido mais estável. Não somente os grupos tradicionais, tanto do setor automobilístico (Volkswagen e Mercedes) como de setores tidos como tradicionais da indústria alemã, empresas como Bayer, Basf, Bosch e Simens, se mantiveram na lista das cem maiores com alguma regularidade.

Tabela 4. Posição das empresas alemãs entre as 100 maiores no Brasil, 1994-2015

Empresas

1994

2000

2004

2010

20015

Volkswagen do Brasil S.A.

 

3

7

3

14

Mercedez-Benz do Brasil S.A.

19

25

 

33

45

Bayer do Brasil S.A. Inds. Químicas

89

 

 

96

55

ThyssenKrupp CSA

 

 

 

 

97

Robert Bosch Ltda.

50

 

70

83

 

Siemens

 

39

58

 

 

Hoechst

51

 

 

 

 

Basf

 

47

49

67

56

Daimlerchrysler

 

 

36

 

 

MAN Latin America

 

 

 

 

73

 

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1994-2015).

A presença das empresas francesas no mercado nacional nos anos 2000 também reforça a relevância do mercado interno nacional. Ao longo do período de 1994 a 2015, o setor varejista manteve sua participação entre 5 e 7%, mas diferentemente da dispersão nacional dos negócios, houve nas duas últimas décadas significativo controle do setor pelo capital francês. Este esteve presente no mercado em 2015 com o controle acionário do grupo Pão de Açúcar e da empresa Cnova – atuando no e-commerce de empresas como Casas Bahia –, e do tradicional grupo Carrefour, além de dois grupos do setor atacadista, o Assaí Atacadista e o Atacadão.

O setor de telecomunicações foi, por outro lado, um dos que mais se transformou durante essa segunda fase de análise do artigo. Até 1994 ainda existiam os grandes grupos estatais de telefonia, como a Telesp em vigésima posição, a Embratel em vigésima terceira, a Telerj em quadragésima terceira e a Telemig em septuagésima terceira. A privatização desses grupos deu oportunidade para a entrada das empresas estrangeiras Vivo e Telefônica. A conjuntura de inflexão tecnológica com a introdução da telefonia móvel exigiu investimentos de grande monta desses novos grupos, ampliando significativamente o número de consumidores e elevando a participação do faturamento do setor entre as cem maiores empresas até quase 12% em 2010.

Gráfico 6. Setores "secundários" entre as 100 maiores empresas no Brasil, 1994-2015

Fonte: "Maiores e Melhores", Revista Exame (1994-2015).

Em suma, o segundo período de análise do artigo, entre 1994 e 2015, foi marcado pela tendência de transformação da estrutura da economia brasileira, com a materialização do processo de desindustrialização. O setor industrial, que alcançou o auge de sua participação no PIB brasileiro em meados dos anos 1980, representando cerca de 32%, em 2015 não chegava aos 12%; o setor de serviços, por outro lado, ampliou sua participação de 45% para mais de 70% durante essas três décadas.[20] O resultado deste processo, no que diz respeito ao perfil das maiores empresas atuantes no Brasil, produziu uma maior diversificação dos setores e da nacionalidade das empresas entre as cem maiores. Ainda que setores tradicionais tenham permanecido com significativa participação, como o de distribuição de petróleo e petroquímico – com a presença da Petrobrás, a maior empresa do país –, a entrada de empresas entre as cem maiores em negócios como aqueles relacionados aos setores de construção, telecomunicações e varejo, ilustram a tendência de redução da relevância do setor industrial na economia brasileira.

Considerações finais

Analisamos neste artigo o desempenho em termos de faturamento das maiores empresas estrangeiras no mercado brasileiro nos últimos quarenta anos. O período que vai de meados da década de 1970 a 2015 foi marcado por profundas transformações econômicas, tanto de caráter tecnológico, como também do perfil dos grupos empresariais. Uma fase de crise do processo de ISI e avanço das reformas liberais na região, as quais produziram uma tendência de desindustrialização da economia brasileira.

No que diz respeito às inovações tecnológicos, a economia mundial viveria um novo ciclo de investimento com o desenvolvimento do setor de telecomunicações e informática, setores que abririam não somente um novo padrão de consumo, com a disseminação de produtos como computadores e celulares para a população, mas também promoveriam mudanças nas formas de produzir com a modernização de maquinário, processos produtivos e de comercialização. Por outro lado, o cenário de maior abertura econômica, construído mundialmente a partir dos anos 1980, ampliou a circulação de bens e capital entre países, cujo resultado mais evidente foi a diversificação da nacionalidade de empresas entre as mais lucrativas presentes na economia brasileira.

Contudo, contrariando as perspectivas de grandes alterações no perfil das empresas atuantes no Brasil, algumas continuidades são efetivamente marcantes. Por exemplo, no que diz respeito à lista das vinte maiores empresas em faturamento, tanto estrangeiras como nacionais, durante os quarenta anos os setores químico e petroquímico, de distribuição de petróleo e automotivo se perpetuaram nas primeiras posições. Mesmo que tenhamos observado a variação de algumas empresas na listagem das cem maiores, com a saída das empresas americanas do setor de distribuição de petróleo, e a ascensão de empresa automobilísticas de outras nacionalidades acirrando a competição no mercado interno, os setores continuaram como os mais lucrativos e dinâmicos da economia brasileira.

Os poucos setores que despontaram com posições mais representativas no rol das maiores empresas, mas não o suficiente para superar a liderança dos setores de petróleo e automóveis, foram os setores de telecomunicações e o de eletrônica. Juntos, esses setores passariam a representar a participação de 10 a 15% do faturamento das grandes empresas atuantes no Brasil entre 1994 e 2015. Seriam dois setores que abririam as portas para novos grupos, com novas nacionalidades, no mercado interno: é o caso das companhias de telefonia de Portugal, Espanha e México, e das empresas asiáticas de produtos eletrônicos.   

Mas o que o estudo fundamentalmente revela é que o modelo brasileiro de industrialização constituído desde meados do século XX já tinha previsto uma certa divisão de tarefas entre as empresas multinacionais, as estatais e as nacionais. Em certo sentido, essa divisão se manteve ao longo de todo a segunda metade do século XX: os investimentos estatais se concentraram nos setores de infraestrutura, mineração, siderurgia e petróleo (tendo a Petrobrás como a principal empresa em faturamento durante todo o período do estudo); os investimentos estrangeiros se fizeram presentes nas indústrias de bens de consumo duráveis e não duráveis, como a indústria automobilística, farmacêutica, de alimentos, etc.; e o capital nacional em setores de menor desenvolvimento tecnológico, como o comércio varejista e atacadista, a construção civil, a indústria de alimentos, entre outros.

Finalmente, a mudança no direcionamento da política industrial brasileira do final dos anos 1970 para as décadas seguintes acabou por enfatizar a instalação de uma indústria no Brasil voltada ao atendimento do seu mercado interno sem a preocupação de constituir uma indústria competitiva internacionalmente, como também sem a preocupação de promover verdadeiros investimentos em inovação e tecnologia. Em suma, se é possível notarmos algumas tendências, mesmo que suaves, dos ciclos de investimento e de inovações tecnológicas no perfil das cem maiores empresas estabelecidas no mercado brasileiro entre 1974 e 2015, foi possível perceber também ao longo do artigo as evidentes continuidades da estrutura industrial brasileira que parecem insistir ao imperativo do tempo.

[1] A Revista Exame, originalmente publicada pela Editora Abril, é uma revista especializada em temas de economia, negócios, política e tecnologia. Criada em 1967, por meio das revistas Transporte Moderno, Máquinas e Metais e Química e Derivados, a partir de 1974 lançou o anuário Maiores e Melhores, número inspirado na revista Fortune, que trazia as quinhentas maiores empresas atuantes no Brasil. O anuário apresenta a lista das maiores empresas do setor industrial e comercial, excluindo o setor financeiro, indicando a nacionalidade, o tipo de controle acionário, o valor realizado, o capital da empresa, entre outras informações.

[2] Maria da Conceição Tavares usa a expressão de um modelo de desenvolvimento voltado para dentro, enquanto Lessa já se apropria da ideia de uma industrialização por substituição de importações não conduzida pelo Estado, mas em decorrência do contexto de crise internacional, resultado de uma política anticíclica do governo Vargas e de uma depressão da moeda nacional.

[3] Não é nosso objetivo retomar uma discussão sobre a origem do desenvolvimentismo no Brasil. Para o tema, conferir Fonseca e Salomão (2017).

[4] Sobre a atuação do Estado, durante o governo Vargas, no processo de industrialização, indicamos Ianni (1971) e Draibe (1985).

[5] Para a discussão sobre o projeto de industrialização do Brasil no período, ver Bastos e Fonseca (2012).

[6] Vide Sola (1988) e Lessa (1981).

[7] Sobre a expansão das multinacionais no período, consultar Wilkins (1974) e Gilpin (1975).

[8] A Coreia do Sul, por exemplo, promoveu entre as décadas de 1960 e 1980 alguns novos setores industriais selecionados pelo governo, com o consentimento do setor privado, por meio da conjunção entre proteção tarifária, subsídios e outras formas de auxílio governamental, como serviços de informação prestados pela agência estatal de exportação. Além disso, o governo coreano se encarregou de um amplo programa de concessão de crédito a custo baixo e de grandes projetos de investimento via empresas estatais como, por exemplo, no setor de siderurgia (Chang, 2008, 14).

[9] Na literatura brasileira a crise da ISI abriria um relevante debate em torno da tese da estagnação econômica propugnada por Celso Furtado pela primeira vez em 1966. A tese receberia uma das principais revisões com o trabalho de Maria da Conceição Tavares e José Serra. A respeito, ver Furtado (1974), Tavares (1962) e Tavares e Serra (1972).

[10] Para o tema consultar Hoffmann e Duarte (1972), Mata e Bacha (1973), Malan e Wells (1973), Wells (1974), Bacha and Taylor (1980) e Colistete (2007).

[11] Há uma bibliografia extensa sobre o conceito de desindustrialização. Para um aprofundamento a esse respeito, indicamos Almeida (2009), Bonelli e Pessôa (2010), Bacha e Bolle (2013), Cano (2012), Morceiro (2012), Morceiro (2018) e Maia (2020). De modo geral, como observa Rodrik (2016), as participações do valor adicionado da manufatura no PIB e do emprego industrial sobre o emprego total são as formas mais recorrentemente presentes na literatura para se investigar o caráter das transformações estruturais da economia e, assim, avaliar a ocorrência ou não do fenômeno da desindustrialização.

[12] O adensamento produtivo da indústria se mede pelo coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (CIICC), de modo que quanto maior ele for, menor será o grau de adensamento produtivo de determinada indústria ou setor, e vice-versa (Carta IEDI, 929).

[13] Como Mira Wilkins apresenta em seu clássico trabalho, o processo de internacionalização das empresas norte-americanas pode ser recuperado no século XIX, contudo, foi no pós-guerra que a presença se mostrou dominante (Wilkins 1974).

[14] Para o Plano de Metas há uma vasta literatura. O mérito da obra de Lessa (1981) é apresentar, de maneira bastante sistematizada, as metas e realizações do Plano.

[16] Além do caso da Ambev, pode-se ilustrar essas mudanças de sedes das empresas em casos como o do Pão-de-açúcar, comprado por um grupo francês; o da Vivo, da Portugal Telecom, adquirido pela espanhola Telefônica; ou mesmo o da Raízen combustíveis, resultante da compra da Esso pela Cosan e posterior fusão da Cosan com a Shell.

[17] Em contrapartida, entre as cinco maiores empresas de 2015, três eram distribuidoras de petróleo, BR Distribuidora, Ipiranga e Raízen Combustíveis, e a Petrobrás manteve a liderança como empresa do setor químico e petroquímico.

[18] Os Estados Unidos, mesmo com menor quantidade de empresas atuantes em 2015 continuou sendo o país com maior presença de empresas na lista das cem maiores no Brasil; Alemanha e França viriam em segundo lugar, com seis empresas de cada país.

[19] Para além das relevantes companhias automotivas, a italiana Fiat e a alemã Volkswagen, que estiveram entre as vinte e cinco primeiras posições nos anos 2000, outras empresas passariam a disputar espaço no mercado, como as francesas Renault e Peugeot, e as japonesas Toyota e Honda.

[20] Mesmo durante os governos do Partido dos Trabalhadores, em que uma retórica desenvolvimentista fora resgatada, pouco se produziu em termos de geração de emprego e de políticas industriais no sentido de ampliar a participação das indústrias na economia brasileira. Para uma discussão sobre a retórica do governo, conferir Saes e Rego (2021). Para uma análise do perfil do emprego dos trabalhadores no período, conferir Rugitsky (2016).

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