Índice
Presentación 11
Dossier
Nacionalismo, petróleo y estado en América Latina
Coordinado por Claudio Castro y Milagros Rodríguez
Nacionalismo, petróleo y estado en América Latina
Claudio Castro, Milagros Rodríguez 15
Acumulación de capital y particularidades en el nacionalismo petrolero argentino
Fernando Germán Dachevsky 23
A Petrobras e o nacionalismo econômico no Brasil
Giorgio Romano Schutte 55
“En defensa de lo que nos pertenece”: Estado e industria petrolífera en Chile
Carlos Donoso Rojas 99
La relación entre PDVSA, Estado y nacionalismo económico en Venezuela (1976-2003) desde el institucionalismo
Rita Giacalone 137
Parte abierta
Aristas de la cuestión social: La Miseria en la República Argentina (1900) y La Fatiga (1922) de Alfredo L. Palacios
José César Villarruel 177
Reseña
Un diablo en Pilcaniyeu: cómo se logró la producción de uranio enriquecido en Argentina
Facundo Deluchi 215
Nota crítica de eventos académicos
Nota crítica sobre las III Jornadas de Investigadores
en Formación del CEEED-IIEP
Agostina López, Emma Álvarez y
Darío Machuca 223
Directrices para autores/as 229
A Petrobras e o nacionalismo econômico no Brasil
Giorgio Romano Schutte1
Resumo
O presente artigo pretende analisar a evolução histórica do debate e das políticas implementadas para a exploração do óleo no Brasil desde sua origem com ênfase na constituição e a trajetória da Petrobras.
São apresentados a visões e argumentos nos diversos períodos a respeito do papel do governo, da estatal, das multinacionais e das empresas privadas nacionais no setor de petróleo. Esse reflete as várias concepções de desenvolvimento que disputaram a hegemonia ao longo do período em análise. São identificadas três abordagens presentes a partir de Bielschowsky (2011): o pensamento nacionalista-estatatista, o nacionalista-privatista e o liberal. As políticas implementadas refletem a força política das articulações em torno dessas abordagens. O artigo aborda dessa forma o surgimento e a consolidação do nacional-desenvolvimentismo entre a década de 1950 e 1980, seguida de um período (neo) liberal até a presidência do Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) que coincidiu com a descoberto de grandes reservas no alto-mar (pré-sal) e que origem a uma volta a uma abordagem desenvolvimentista.
Palavras-chave:
Nacionalismo do petróleo; Brasil; Petrobras; Pre-Sal; liberalismo econômico
Petrobras and economic nationalism in Brasil
Abstract
The article analyses the historical evolution of the debate and the policies implemented for the oil exploitation in Brazil since its origins with emphasis on the constitution and trajectory of Petrobras. Different visions and arguments during the period will be presented around the main topics: the role of the government, the state company, the multinationals, and the private national oil companies. This reflects the various development concepts that disputed political hegemony during the period analysed. Basically, the article structures the debate around Bielschowsky´s (2011) classification: state-nationalism, private-nationalism and liberalism. The policies that were implemented reflected the political force to articulate concrete interests around these approaches. In this way the article the article presents the surge and consolidation of national-developmentalism during the 1950tees till the 1980tees, followed by a (neo)liberal period until the elections of Luiz Inacio Lula da Silva (2003-2010) which coincided with the discovery of expressive deep sea oil reserve (pre-salt). In this period there was a swing back to a developmentalist approach.
Keywords:
Petrol nationalism; Brazil, Petrobras; Pre-Salt; economic liberalism
Introducción
A Petrobras é, junto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o maior legado do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Fruto de anos de mobilizações e discussões, ela saiu do papel em 3 de outubro de 1953. Menos de um ano depois, as pressões e instabilidade política levaram o presidente a cometer suicídio. Em sua carta-testamento ele explicita: “Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma.” (Vargas, 1954). Desde então, o papel e a própria razão de ser continuaram a ter um papel central no debate sobre os rumos da política econômica.
Marcos regulatórios para a exploração e a produção de petróleo raramente são fruto de considerações puramente técnicas, mas costumam ser objeto de debates que mobilizam visões e paixões políticas por trás das quais se articula a disputa pela renda petrolífera. Neste cenário, a presença de interesses internacionais é particularmente sentida em países em desenvolvimento. O Brasil não é exceção, mas tem algumas características que tornam sua experiência sui generis. O país demorou décadas para encontrar petróleo e mais outras, depois, até ter uma produção relevante, na década de 1980. Os esforços visavam a conquista de certa autossuficiência, sem jamais cogitar vir a ser um grande exportador. Foi justamente essa possibilidade que se abriu com as grandes descobertas em alto mar, a cerca de 200 km da costa e a 7 mil metros de profundidade, na região que se tornaria conhecida como província petrolífera do pré-sal2. Esta nova realidade reacendeu o debate sobre o marco regulatório. O presente artigo pretende analisar a trajetória do debate e das políticas implementadas para a exploração do óleo na região, desde sua origem até a derrubada do governo Dilma Rousseff, em 2016, e o governo Michel Temer (2016-2018).
São identificadas três abordagens presentes a partir de Bielschowsky (1996): o pensamento nacional-desenvolvimentista, o desenvolvimentismo do setor privado e o liberal. Na primeira seção serão apresentados os conceitos básicos relacionados a cada uma.
As seções seguintes do artigo seguem a trajetória histórica. Na segunda seção, a fase a pré-história da empresa até sua constituição como empresa mista controlada pelo Estado. Na terceira, o período do monopólio estatal até a abertura, na década de 1990. Na quarta, o período da gestão liberal, de 1990 até as eleições de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Na quinta, o período dos governos de centro-esquerda, até a derrubada da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. E, na sexta, a volta do liberalismo no governo Michel Temer, seguido das considerações finais.
O pensamento econômico e o petróleo
Bielschowsky (1996), ao analisar o pensamento econômico no período 1930-1964, identificou cinco vertentes que caracterizou como “setores”, das quais três variantes do desenvolvimentismo: o privado, o púbico não nacionalista e o público nacionalista. Os outros dois são o neoliberal e o socialista. Embora o escopo temporal desse artigo seja mais amplo, abrangendo os primórdios das discussões do final do século 19 até o governo de Michel Temer (2016-2018), essa classificação pode ajudar a identificar as referências ideológicas usadas ao longo do tempo para justificar as políticas ou as orientações do debate em torno do papel da Petrobras para o desenvolvimento brasileiro.
Para o objetivo desse artigo, reagrupamos os cinco em três: pensamento nacional-desenvolvimentista, o desenvolvimentismo do setor privado e o liberal, sendo que a crítica socialista confundiu-se com uma versão radical do nacionalismo-estatal. As duas questões-chaves para analisar o pensamento sobre a exploração de petróleo e o papel da Petrobras dizem respeito ao grau de presença da estatal e à abertura para o capital externo.
Para o setor público nacionalista não havia dúvida a respeito do caráter estratégico do petróleo, o que justificava o deslocamento do capital estrangeiro ou o impedimento da sua entrada. Bielschowsky (1996, 103) identificou uma desconfiança em relação à possibilidade de contribuição positiva do capital estrangeiro ao projeto de desenvolvimento do Brasil, por haver interesses antagônicos. A Petrobras aparece, portanto, como parte essencial da soberania nacional e da tentativa de superar a condição periférica e de submissão do país. Foi nesses termos que Horta Barbosa defendia, já na década de 1930 e durante os debates na década de 1950, que o petróleo é uma riqueza que se confunde com a soberania nacional, a ser abordada na segunda seção. A referência central é Celso Furtado. Furtado nunca se opôs à presença do capital estrangeiro em setores não estratégicos, mas estava preocupado com a internalização dos centros de decisões estratégicos (Schutte e Furno, 2018). Foi essa visão que inspirou a campanha conhecida como “O Petróleo é Nosso”, a qual resultou na criação da Petrobras e se manteve presente ao longo da história da empresa e também orientou, embora de forma mais moderada, a política dos governos do PT no período 2003-2016, conforme será discutido na quinta seção. O que mudou é que, com exceção de setores mais radicais, não há mais uma defesa do monopólio estatal e do impedimento do capital externo no setor de petróleo. Mas este continua sendo visto como estratégico, inclusive objetivando um processo de transformação da Petrobras em uma empresa de energia com papel importante na transição energética. Outro elemento que voltou intensamente nos governos Lula e Dilma foi a noção daquilo que era conhecido como “pontos de germinação” no debate da década de 1950, ou seja, investimentos com capacidade de estimular outros colaterais pelos efeitos de encadeamento para a frente e para atrás. Ao não controlar esse processo por meio de políticas de conteúdo local e da cadeia por parte da Petrobras, haveria um risco de vazamento, provocando um desenvolvimento desequilibrado da exploração de petróleo, com a importação dos equipamentos e serviços. Na quinta seção será apresentado de que forma a descoberta do Pré-sal fez essa questão ganhar muito peso, inclusive no que diz respeito ao refino, para evitar uma situação de se tornar exportador de petróleo cru e importador de derivados. Algo que acabou se confirmando depois de 2016, com as interrupções da política estatal de expansão do refino como será evidenciado na sexta seção.
No caso do setor nacional-desenvolvimentista privado, havia um entendimento favorável ao apoio estatal, com posições variadas sobre o grau dessa participação e também do capital externo. Uma referência central na década de 1930 até sua morte em 1948, foi Roberto Simonsen. Em 1946, criou o Departamento Econômico na Confederação Nacional da Indústria (CNI), que se tornou um dos fóruns de discussão e difusão de ideias econômicas, com Rômulo Almeida na coordenação. Rômulo se tornou, em 1951, chefe da Assessoria Econômica do presidente Getúlio Vargas. Como veremos, coube a essa Assessoria a elaboração de uma proposta para o setor de petróleo, que resultou na criação da Petrobras (segunda seção). O principal argumento para defender uma solução estatal foi a “insuficiência na iniciativa privada” (Bielschovsky 1996, 86). Para esse setor, a intervenção estatal era aceita quando necessária, caso contrário, deveria prevalecer a inciativa privada. Nesse debate surge a diferenciação entre indústrias-chaves estratégicas e as demais. A ação estatal era justificada, no primeiro caso, e o petróleo nessa época era incontestavelmente identificado como um setor estratégico. Além da incapacidade privada, havia também o argumento de segurança nacional, o que impediria optar pela solução do capital externo (idem, 94). Como será explicado na quarta seção, um dos argumentos dos liberais na década de 1990 era justamente a alegação que o petróleo teria perdido seu caráter estratégico e, portanto, se o monopólio estatal fora justificável no passado, esse argumento teria perdido sua validade. A partir da década de 1970, essa corrente nacional-desenvolvimentista privado perdeu terreno e começou a integrar-se cada vez mais com uma versão moderada do neoliberalismo. Pode-se identificar a sobrevivência desse setor em duas frentes. Primeiro, juntar-se à resistência vencedora contra a inclusão da Petrobras no processo de desestatização, projeto dos neoliberais mais radicais já na década de 1990. E, segundo, nos fornecedores nacionais que, diante da abertura do setor, articularam, no final da década de 1990, uma moderada política de conteúdo local. O vigor com o qual essa política foi turbinada nos governos de Lula e Dilma reforçou os fornecedores nacionais e, quando veio a política de desmonte, houve alguma resistência, sobretudo por parte do Sindicato da Indústria Naval (Sinaval) e da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
No caso do setor público não nacionalista, encontramos posições que vão se confundir com a liberal. O capital estrangeiro seria preferível ao estatal e havia de ter, portanto, uma política de atração e não de constrangimento aos investimentos externos. No caso da Petrobras, havia uma defesa do fim do monopólio e da associação com o capital estrangeiro em diferentes empreendimentos. Um argumento colateral era o da insuficiência da riqueza do mineral, outro que voltaria ao debate na década de 1990, mas sairia definitivamente de cena diante das descobertas do Pré-sal, conforme será visto na quita seção. Bielschowsky ainda menciona, como parte dos argumentos desse pensamento, a indevida politização, que tornaria as decisões de investimento estatal, por definição, ineficientes. Esse argumento continua muito presente e ganhou mais força com as descobertas dos esquemas de corrupção na Petrobras, em meados da década de 2010, para alimentar a campanha contra o marco regulatório para a exploração do Pré-sal implementado no final do segundo governo Lula.
Por fim, o setor neoliberal, para o qual a eficiência econômica somente é garantida pelo mercado. Bielschowsky (1996, 37) apresenta o neoliberalismo, em contraste com o liberalismo de antes da crise de 1929, como sendo um pensamento que reconhece a necessidade de alguma intervenção estatal diante das imperfeições do mercado, em particular nas economias subdesenvolvidas. Mas os pontos centrais são a defesa da redução da intervenção estatal e um posicionamento contrário a qualquer política industrial. A presença do Estado na economia deve ser limitada ao máximo para garantir a eficiência alocativa. E a atração de capital externo é essencial para a formação de capital e melhoria da produtividade. Justamente a insuficiência de capital e tecnologia tornaria imprescindível que os países em desenvolvimento estimulassem e garantissem o investimento externo direto, ainda mais em setores que exigem grandes investimentos (Bielschowsky 1996, 293). Além do mais, a intervenção estatal sempre geraria uma intromissão indevida da política na administração das empresas, porque gera grandes desperdícios. O expoente principal dessa corrente foi Eugênio Gudin. Os desenvolvimentistas são acusados de um “nacionalismo xenófobo” ao defender restrições ou mesmo regulação ao capital externo. Talvez esse seja o setor que menos evoluiu no seu posicionamento. Ganhou força e aderência, em particular de setores que anteriormente se identificaram com o nacional-desenvolvimentismo do setor privado e do setor público não nacionalista. Ao argumentar que o petróleo não é mais estratégico, há uma abertura para reconhecer que não é preciso condenar as políticas do passado para defender uma ampla liberalização a partir da década de 1990. De outro lado, o argumento da insuficiência de capacidade tecnológica perdeu muito sua força diante da trajetória da Petrobras, que se tornou uma empresa líder na exploração de petróleo offshore, área na qual o petróleo brasileiro se concentra. Na linha de reconhecimento da existência de falhas de mercado, não há um ataque frontal à política de conteúdo local, mas este foi reduzido ao mínimo necessário, sob o argumento de incentivar o interesse do capital externo como será visto na sexta seção. Observa-se ainda que a resistência a privatização da Petrobras fez essa corrente optar, a partir da década de 1990, por um outro caminho: obrigar a empresa de operar como se fosse privada e ao mesmo tempo vender o máximo possível de suas subsidiárias e ações. Essa política foi radicalizada a partir de 2016. Um argumento novo que entrou no debate, já no final da década de 2000, para desqualificar as propostas para o novo marco regulatório do pré-sal do governo Lula, e depois para justificar seu desmonte a partir de 2016, foi que o mundo estaria rapidamente saindo do petróleo. Era necessário, portanto, acelerar a exploração, e, para isso seria preciso incentivar ao máximo a participação do capital externo. Curiosamente, no mesmo período em que começou a exploração do pré-sal, os EUA passaram por uma “revolução energética”, que nada mais era do que enormes investimentos em petróleo e gás não convencional no contexto de uma política de independência energética. E o uso de petróleo e gás como armas pelo governo russo, em 2022, também demonstrou o caráter ideológico dessa afirmação.
Nas seguintes seções serão apresentados os debates e políticas implementadas, seguindo uma ordem cronológica, divididas, a partir da terceiro seção, por períodos conforme a prevalência de um setor ou outro. Fica evidenciado que o pensamento econômico, ou ideologia, foi um fator predominante que orientou as políticas nas diferentes fases. Em outras palavras: a história da Petrobras tem mais a ver com embates ideológicos do que com fatores objetivos.
Habemus ou não habemus petróleo?
O primeiro pedido para pesquisa de petróleo no Brasil foi registrado em 1865, somente seis anos após a primeira descoberta nos EUA. Quatro anos depois, decretou-se norma concedendo permissão ao inglês Eduardo Pellew Wilson para explorar petróleo em Maraú, na Bahia (Vaitsman 2001, 36). Na década de 1920, ainda sem que se tivesse encontrado uma gota de petróleo em solo brasileiro, surgiu um debate sobre a oportunidade de introduzir o princípio da socialização dessas riquezas. Em 1927, na reforma constitucional, foi apresentado, pela primeira vez, um projeto de lei específico em defesa da nacionalização de eventuais jazidas petrolíferas, com pouco efeito prático (Bercovici 2011, 88/89). Ao final acrescentou-se ao artigo citado que “As minas e jazidas minerais necessárias à segurança e defesa nacionais e as terras onde existirem não podem ser transferidas a estrangeiros”. Vaitsman (2001, p. 47) alega que esta norma foi “ruidosamente desrespeitada em vários Estados”.
A Revolução de 1930, sob liderança de Getúlio Vargas, mudou o contexto político e transformou profundamente o modelo econômico brasileiro e a organização do Estado nacional. Embora, como afirma Corsi (2000), não houvesse clareza sobre os rumos a tomar, existia um forte sentimento nacionalista. Parte desse novo élan vinha do inconformismo com a crença, então generalizada, de que não haveria petróleo no subsolo pátrio. Ainda mais diante do fato de que muitos dos vizinhos sul-americanos já tinham reservas comprovadas sob seus domínios: por que só o Brasil não teria?
Este era o quadro quando a Constituição de 1934 introduziu, por meio de seu Artigo 118, o princípio da propriedade coletiva das riquezas no subsolo, vigente até hoje no Brasil. Na ausência de reservas de carvão em grande escala no país e em busca de um projeto nacional independente, o governo, sobretudo a ala militar, dedicou grande interesse à questão do petróleo. O discurso nacionalista pressuponha que o Brasil teria grandes reservas exploráveis, o que era ainda uma hipótese. Já a imprensa divulgava numerosas teses afirmando não haver petróleo no Brasil (Vaitsman 2001, 169/170).
Havia, portanto, um conflito curioso entre, de um lado, uma convicção pouco fundamentada e, de outro, um ceticismo dos liberais que parecia alimentar interesses outros que os do país. O que deveria ser uma avaliação técnica a respeito das probabilidades geológicas de se encontrar petróleo em abundância e em condições comerciais se tornou um embate ideológico.
Ainda na década de 1930, Monteiro Lobato radicalizou e popularizou a disputa (Lobato, 1972). Jornalista, romancista e escritor talentoso de contos infantis, encampou a tese da existência das jazidas. O argumento dele, que ganhou força entre os nacionalistas, era o de que as empresas internacionais não teriam interesse de fato em que o Brasil produzisse petróleo, pois enxergariam as supostas riquezas como reservas para o futuro. E, enquanto isso, manteriam o Brasil refém das importações3. Lobato se manifestou de forma polêmica desde a publicação de seu livro “O escândalo do petróleo e ferro”, em 1936, no qual relatou que a Standard Oil New Jersey estaria mapeando todas as áreas potencialmente petrolíferas do Brasil com a conivência dos órgãos oficiais do governo brasileiro, até as famosas cartas ao presidente da República e ao chefe do Estado-Maior do Exército afirmando a
displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, aos interesses do truste Standard-Royal Dutch4.
Observe-se que Lobato nunca defendeu o monopólio estatal na exploração do petróleo. Usando a tipificação de Bielschowsky, ele era um expoente da corrente desenvolvimentista do setor privado5. Ele próprio montara, em 1931, a empresa Companhia Petróleos do Brasil, que nunca encontrou petróleo.
De outro lado, os liberais defendiam abertura para os oligopólios internacionais. O Brasil não teria a tecnologia nem os recursos financeiros necessários. As soluções nacionalistas estariam fadadas a desperdiçar dinheiro público, gerar oportunidades para corrupção e impedir o acesso ao petróleo. Se houvesse petróleo no Brasil, só os oligopólios teriam condições de encontrar e explorar, eventualmente em parceria com empresas nacionais.
Em 1937, Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo centralizando o poder e aumentando seu caráter autoritário. Um dos objetivos era a industrialização da nação, o que aumentava a pressão por acesso a petróleo. Isso levou o governo de Getúlio a criar o Conselho Nacional de Petróleo (CNP) como parte de uma nova legislação específica para o setor, publicada simbolicamente em 1º de maio de 1938. O decreto-lei declarou de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. O órgão, ligado diretamente à Presidência e com autonomia financeira, ganhou uma série de atribuições na elaboração e na execução da política exploratória.
Há de se lembrar a influência da experiência Argentina, onde, no governo de Hipolito Yrigoyen, se criou a estatal Yacimientos Petroliferos Fiscales (YPF), e a histórica nacionalização do petróleo pelo governo de Lázaro Cárdenas, em 18 de março de 1938, com a fundação da estatal Petróleos Mexicanos (Pemex). Bercovici (2011, 130) relata, ao mesmo tempo, as evidências de pressões constantes, nesse período, por parte do governo norte-americano sobre os governos latino-americanos para que não se nacionalizasse a exploração do petróleo em defesa da livre atuação das companhias multinacionais.
Foi somente em janeiro de 1939 que se encontrou finalmente petróleo. A ironia da história fez com que tenha sido em uma área do Recôncavo Baiano, cujo nome era, por coincidência, Lobato. O primeiro poço se demonstrou, porém, inviável para produção6.
Entre 1940 e 1941 houve uma insistente tentativa da Standard Oil of New Jersey, em parceria com a Royal Dutch Shell, de criar a Standard Oil Company of Brazil, como uma companhia mista, constituída de capitais estrangeiros e nacionais, o que foi negado pelo governo a partir do parecer do general Horta Barbosa, ainda na chefia do CNP. Horta Barbosa defendeu uma posição nacionalista firme contra a pressão das referidas companhias, fazendo referência à “uniformidade de orientação política do petróleo nos países da América do Sul” e lembrando o fato de ser “universalmente reconhecida o significação do petróleo para a economia e segurança da Nação”. Assim, reafirma que:
A orientação que adotamos tende a concentrar no Conselho Nacional de Petróleo todas as atividades que se relacionam com os hidrocarburetos e a criar a indústria estatal de refinação, sob a forma de monopólio, assim como a intensificar metódica e continuamente os serviços geológicos e geofísicos, para determinação de novos horizontes petrolíferos (Brasil, 1956, p. 316)
Mas, ainda no governo Vargas, após a saída de Horta da presidência do CNP, volta a se fortalecer a ala liberal, que advogava a participação do capital estrangeiro em detrimento da atuação do Estado. No final do Estado Novo, o Coronel João Carlos Barreto, à frente do CNP, propôs uma revisão da política nacional de petróleo com o argumento de que o Brasil carecia de grandes capitais e mão de obra especializada, necessários para a exploração de petróleo (Bercovici 2011).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e subsequente final da ditadura varguista, o general Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente nas eleições de 1945. Ele viria a optar por uma guinada de rumo na política petrolífera para o país, privilegiando a abordagem liberal, em fina sintonia com os interesses estadunidenses (Marinho Jr 1989). Ainda na transição entre Vargas e Dutra, em outubro de 1945, foi regulamentada a autorização para a instalação de refinarias por grupos privados: Soares Sampaio (vinculado a Gulf) e o Grupo DaultErnany-Eliezer Magalhães (vinculado ao Standard Oil de California), que iriam se materializar respectivamente nas refinarias União (Capuava) e Manguinhos (Rio).
Em 1948, Dutra encaminhou um anteprojeto de Lei, a Mensagem 61, visando a um novo estatuto de petróleo, propondo a abertura para o capital internacional. Em mensagem ao Congresso Nacional, o governo argumentou que “princípios exageradamente contrários ao capital estrangeiro têm sido o grande obstáculo a antepor-se ao desenvolvimento da indústria de refinados no Brasil”. Chama a atenção o fato de que o argumento é idêntico ao que passou a ser utilizado em 2016, então para justificar a venda de ativos da Petrobras ao capital estrangeiro.
Observe que o general Juarez Távora acabou defendendo essa mudança com justificativa de que a solução ideal (o monopólio do Estado) não teria condições objetivas para garantir a exploração petrolífera no ritmo que o Brasil precisava (Távora, 1955, p. 146). Essa era também a visão dos empresários reunidos na famosa Conferência de Classes Produtoras, em Teresópolis, em 1948, que manifestou a defesa de cooperação com o capital estrangeiro, e, portanto, em defesa da alteração da legisla, nção. Contra o monopólio estatal, defenderam uma associação do capital nacional com as companhias internacionais (Morais 2013, 47).
De outro lado, o general Barbosa manteve sua posição com o argumento de que havia uma contraposição entre o interesse nacional e os interesses dos oligopólios internacionais. O monopólio nacional seria a alternativa ao monopólio internacional. Considerando o volume de capital e tecnologia necessária, o monopólio nacional seria nada mais que uma alternativa ao monopólio internacional (Bercovici 2011).
No Congresso, a proposta encontrou resistência e alternativas foram apresentadas. Mais importante ainda é que um conjunto de entidades da sociedade civil começou uma campanha conhecida como “O Petróleo é Nosso”, que entre 1948 e 1953 não só ajudou a enterrar a proposta de Dutra, mas influenciou decisivamente na tramitação da proposta de Vargas7, em seguida. O que a campanha pelo petróleo conseguiu identificar foi a questão do petróleo como estratégica para o desenvolvimento e uma afirmação da soberania econômica nacional.
A polarização não se dava mais em torno da dúvida sobre a existência de reservas petrolíferas, nem sobre a importância estratégica de o país possuir sua própria capacidade de refino para atender a demanda interna. O argumento para a defesa da abertura para o capital estrangeiro era, sobretudo, a ausência de capital e tecnologia, o atraso que isso provocaria e o alto risco dos investimentos estatais. Vaitsman (2001, 171) resumiu assim o argumento principal contra o monopólio estatal: “o capital estrangeiro seria a única solução para todos os problemas”. Exatamente os argumentos depois utilizados para justificar a abertura e o fim do monopólio da Petrobras em 1996 e para defender uma maior abertura para o capital estrangeiro na exploração do pré-sal, a partir de 2015, como veremos a seguir. Bercovici (2011, 147) aponta outra semelhança importante:
A situação dos principais meios de comunicação na cobertura sobre a Campanha do Petróleo foi marcada pela hostilidade às teses do monopólio estatal, posição esta, aliás, recorrente na história da grande imprensa brasileira.
O tema esteve presente na campanha eleitoral de 1950, de onde sairia vencedor o próprio Getúlio Vargas, comprometido com uma solução nacionalista. À época, o consumo de petróleo tinha aumentado no Brasil de 49 mil barris por dia, em 1946, para 96.560 barris em 1950 (Cohn, 1968, p. 130), aumentando a pressão sobre a balança comercial.
Vargas eleito montou um governo para pacificar os ânimos e convidou Horácio Lafer, expoente da burguesia liberal paulistana, para ser ministro da Fazenda. Ao mesmo tempo montou uma Assessoria Econômica na Presidência, com pessoas fortemente identificadas com o pensamento nacional-desenvolvimentista, chefiada por Rômulo de Almeida (Fonseca, 2009). E foi para essa assessoria que Vargas pediu a elaboração de uma proposta para o setor de petróleo, que resultou no Projeto de Lei 1516, encaminhado ao Congresso em dezembro de 1951, propondo a criação de uma Sociedade por Ações do Petróleo Brasileiro, garantindo o controle acionário para o Estado.
Na mensagem presidencial consta a necessidade de integração da política de petróleo ao esforço de industrialização do país (Vargas, 1964), claramente alinhada com o nacional desenvolvimentismo8. Integração essa que só estaria garantida com o controle nacional sobre os recursos petrolíferos. Observe que esse argumento voltou a ser central na mudança do marco regulatório de 2010: o aumento do controle estatal, considerado essencial para garantir que a exploração e produção pudesse ter o máximo de encadeamento, para trás e para frente. A mensagem presidencial repete os argumentos do General Horta sobre a incompatibilidade de interesses nacionais e dos oligopólios internacionais:
É, fora de dúvida, como demonstra a experiência internacional, que, em matéria de petróleo, o controle nacional é imprescindível... O governo e o povo brasileiros desejam a cooperação da iniciativa estrangeira no desenvolvimento do País, mas preferem reservar à iniciativa nacional o campo do petróleo, sabido que a tendência monopolista internacional desta indústria é de molde a criar focos de atrito entre povos e entre governos...O real perigo a evitar seria o de que, através da participação do capital privado, agissem grupos monopolistas de fonte estrangeira ou mesmo nacional (Câmara dos Deputados, 2013).
Curiosamente, com uma ambivalência proposital típica da forma de governar de Getúlio, o PL não afirmava o monopólio e abria brechas à entrada do capital estrangeiro. Coube ao deputado Euzébio Rocha, eleito por São Paulo, pelo Partido Trabalhista (PTB), apresentar e negociar o substitutivo referendando o monopólio estatal9. Em mensagem ao povo brasileiro, o presidente Vargas destacou a importância da medida: “Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras (...) constitui novo marco da nossa independência econômica” (Ribeiro, 2003). Em 1º de maio de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia alusiva à extração do primeiro barril de óleo na camada pré-sal do Campo de Tupi - Rio de Janeiro deu continuidade a este raciocínio e com referências a Tiradentes, Monteiro Lobato e Getúlio falou em “segunda independência”. (Silva 2009).
Bercovici (2011, 158) anota, a respeito da tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, que, afinal, as discussões mais complexas “...não envolveram posições ideológicas sobre o papel do Estado na economia, mas a repartição de recursos entre União, Estados e Municípios”. Desse debate surgiu o sistema de royalties. E esta dinâmica iria se repetir na tramitação sobre o marco regulatório em 2010, quando a única medida que o governo Lula não conseguiu aprovar foi justamente a respeito da divisão dos royalties entre os entes federativos.
Em sua declaração de voto isolado contrário à proposta da Emenda Constitucional 6 de 1995, o deputado Almino Affonso (PSDB/SP) sintetizou o debate em torno da criação da Petrobras:
Estou convencido de que, não fora o amplo apoio popular que a cercou, ela jamais teria sido implantada e, menos ainda, consolidada. Contra a indústria nacional do petróleo sempre se levantaram ventos e marés. Primeiro era a descrença: por obra e graça de técnicos estrangeiros, incutiu-se em nosso povo a ideia de que não tínhamos petróleo. Como haveríamos de explorar o que não tínhamos? Mas, sobretudo, a resistência se dava através de duas teses, à primeira vista incontestáveis: não dispúnhamos de recursos financeiros para empreendimento de tão grande porte, nem dominávamos a tecnologia necessária (AFFONSO, 1995).
Como concessão à oposição liberal no Senado, o monopólio não iria ter consequências para as refinarias privadas existentes, embora estas não pudessem fazer investimentos para aumentar sua capacidade de refino. Outra concessão aos interesses das companhias internacionais foi deixar a distribuição fora do monopólio. Assim, por meio da Lei nº 2004 de 3 de outubro de 1953 a Petróleo Brasileiro (Petrobras) foi criada como Sociedade Anônima.
O reino da Petrobras
A Petrobras nasceu em um momento em que a produção de petróleo no país ainda era irrisória10. Não se tratou de uma nacionalização de instalações existentes de oligopólios internacionais, porque estes não existiam11. Pelo contrário, herdou um patrimônio pouco significante da CNP. Isso colocava um desafio ainda maior para a empresa. A justificativa da sua existência e do próprio monopólio era a provável presença de reservas expressivas a serem exploradas, mas ainda não comprovadas. Ou seja, a campanha O Petróleo é Nosso defendia o monopólio sobre um óleo imaginário, algo sui generis em comparação com outros movimentos nacionalistas em torno do recurso natural.
Assim, a pressão sobre a companhia foi enorme desde o início da sua operação, em um contexto de grande instabilidade política, compondo, inclusive, as circunstâncias que levariam ao suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. Em sua carta-testamento, falou explicitamente da Petrobras: “Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás. Mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma”. Havia o sério risco de a empresa já ser abortada logo na largada, mas a mobilização espontânea de milhões de pessoas após o suicídio presidencial restou por ser contundente defesa de seu legado, no qual se destacava a Petrobras.
Contreras (1994) observa que a Petrobras nasceu com uma autonomia razoável e menciona os dispositivos legais que garantiam recursos financeiros para a execução (benefícios fiscais e tributação específica, em particular o Imposto Único sobre Combustíveis Líquidos)12. Com isso pretendia-se não só viabilizar a empresa, mas protegê-la da instável correlação de forças políticas.
Ao contrário de outras petrolíferas nacionais, que começaram com a apropriação de jazidas descobertas pelas companhias internacionais, a Petrobras, desde o seu início teve de investir pesadamente e de forma contínua em prospecção e desenvolvimento tecnológico, até para justificar sua razão de ser. Paradoxalmente essa desvantagem iria se transformar ao longo das décadas seguintes em um triunfo. O primeiro passo importante foi a criação, em 1955, do Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisa de Petróleo (Cenap) voltado para capacitação e apropriação das tecnologias desenvolvidas internacionalmente.
Até a década de 1960, duas pequenas bacias costeiras terrestres, a do Recôncavo Baiano e da Sergipe-Alagoas (a partir de 1963), foram responsáveis pela produção nacional, longe de atender a crescente demanda. A meta de tornar o Brasil autossuficiente em petróleo foi trocada por uma estratégia focada na autossuficiência em refino, substituindo, no mais curto espaço possível, a importação de derivados. Esse objetivo constava já no Plano de Metas (1956) do presidente Juscelino Kubitscheck (JK), identificando Duque de Caixas como a área de expansão da capacidade de refino. Essa estratégia visava atenuar o problema no balanço de pagamento. Mas, mais do que isso, desde JK havia um entendimento claro sobre a contribuição para a industrialização da construção das refinarias, projetos gigantescos com potencial de mobilizar toda uma cadeia envolvendo a indústria de bens de capital. E ainda, para a Petrobras, detentora do quase monopólio no refino, era uma forma de fazer caixa com as vendas de derivados para poder arcar com os custos da procura por petróleo13. João Goulart, inclusive, iria estender o monopólio da Petrobras para as importações de petróleo e derivados. Estava em tramitação também uma proposta de expropriar de vez as refinarias privadas pré-existentes à Petrobras e a implementação do monopólio na distribuição (Bercovici 2011). Estas últimas propostas bateriam de frente com os interesses das companhias internacionais envolvidas, e o golpe de 1964 as enterrou. Enquanto se buscavam novas jazidas, pesquisas realizadas na segunda quinzena da década de 1950 sob coordenação de Walter Link, geólogo estadunidense contratado pela Petrobras, identificaram que não existiam grandes acumulações de petróleo no Brasil. Link publicou suas conclusões em 1960 e 1961, em cartas que ficaram conhecidas como “Relatório Link” (Morais 2013). A notícia reascendeu os ânimos.
O Brasil estava passando por uma conjuntura política conflitiva e essa afirmação categórica era considerada pelos nacionalistas uma afronta e prova da infiltração de interesses das companhias internacionais. Link foi acusado de estar a serviço de seu ex-patrão, a Standard Oil. (Vaitsman 2001; Bercovici 2011). No mínimo deveria ser considerada uma profecia maliciosa e mal-intencionada em apoio àqueles que continuavam fazendo oposição à existência da Petrobras dotada de monopólio na exploração, produção e refino. De fato o Relatório Link era música nos ouvidos de quem insistia de que a Petrobras fosse uma megalomania baseada na fantasia da existência de grandes reservas. O sonho da instalação de uma cadeia de petróleo seria nesse caso uma tarefa irreal para o Brasil. O pulo do gato estava, porém, em recomendação do relatório que passou despercebida na época: se é verdade que não há petróleo em terra, talvez exista no mar.
Independentemente da motivação do Link, a sua conclusão iria se demonstrar certa. Acontece que naquela época o Brasil não tinha tecnologia para fazer exploração offshore do petróleo e os baixos preços não justificariam um esforço como este. Portanto, parecia, aos olhos dos nacionalistas, uma recomendação que jogaria o Brasil de novo na dependência das companhias internacionais. Link renunciou a seu cargo na Petrobras e deixou o Brasil sob fortes críticas, mas, alguns anos depois, em 1967, a Petrobras iniciou a busca no offshore e encontrou petróleo no mar raso, a 80 metros, na área de Guaricema (Sergipe). A Plataforma P1 foi montada pela Companhia Comércio e Navegação no Estaleiro Mauá, em Niterói, com tecnologia norte-americana.
A partir daí, a empresa iniciou uma curva de aprendizagem e desenvolvimento de uma capacidade tecnológica endógena que levaria em seguida à descoberta de grandes reservatórios na Bacia de Campos (RJ) e, mais tarde, das mega-reservas na província do Pré-Sal.
De 1969 até 1974, o general Ernesto Geisel ocupou a presidência da companhia14. No seu discurso de posse colocou como meta transformá-la em uma grande empresa de porte internacional, capaz de interagir com os oligopólios internacionais (Contreras, 1994, p. 86). Ou seja, diferentemente das experiências argentina e chilena, a ditadura militar da época se aproximou da corrente nacional-desenvolvimentista.
Em um primeiro momento, Geisel reduziu o peso dos investimentos em exploração, considerando-os de alto risco e baixo retorno, e ampliou os investimentos em refino, abrindo o capítulo petroquímico, por meio de nova subsidiária, a Petroquisa, criada em 1967. Quando, em 1973, os preços de petróleo explodiram, o Brasil dependia de importações em 80% da sua demanda, o que gerou déficit expressivo imediato na balança comercial15.
No ano seguinte, o governo Geisel optou pela estratégia chamada por Castro e Souza (1985) de “Brasil em marcha forçada”, com o II Plano Nacional de Desenvolvimento. Parte central dessa estratégia foi uma mobilização de esforços para diminuir a dependência energética, diversificando as fontes (aumento da hidroelétrica, entrada na nuclear, reativação do etanol) e investindo pesadamente na exploração de petróleo no mar.
Após disso, entre 1974 e 1983, foram perfurados 345 poços e descobertos 22 campos em águas rasas, garantindo inclusive uma produção, em 1985, superior à meta: 546.300 b/d (Morais, 2013, p. 25). Com isso, os investimentos se redirecionaram claramente para a Exploração e Produção, que aumentou sua participação no total dos investimentos da empresa de 45%, no período 1975-1979, para 84%, na década de 198016 . Assim, houve uma diminuição expressiva da dependência de importação, como pode ser observado na tabela 1. Depois do sucesso exploratório nas águas rasas, houve a descoberta dos grandes campos em águas profundas, Albacora, em 1984, e Marlim, em 1985.
Com isso, a Petrobras atingiu a meta estabelecida de aumentar a produção nacional de petróleo de 160.800 b/d (1977) para mais de 500.000 b/d em 1985, com grandes descobertas na Bacia de Campos no Rio de Janeiro (Morais, 2013, p. 25), diminuindo, mas não resolvendo, a dependência das importações (tabela 1).
Tabela 1 - Evolução da produção interna e consumo doméstico de petróleo no Brasil entre 1978 e 1986.
1978 |
1986 |
|
Produção interna |
166.00 b/d |
591.000 b/d |
Consumo |
1.127.000 b/d |
1.400.000 b/d |
Produção interna/consumo |
15% |
42% |
Fonte: BP Statistical Review of World Energy, 2021. Elaboração própria.
A explicação do sucesso da Petrobras era a curva de aprendizagem tecnológica endógena17. Em 1966, o Cenap tinha sido substituído pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes)18 , voltado exclusivamente para pesquisa19. Em seguida, o Cenpes começou um trabalho intenso de parceria com universidades e institutos de pesquisa, inicialmente concentrado nas universidades federais de RJ e Bahia (Morais, 2013, p. 76-79).
Contreras (1994) lembra que, na década de 1970, o offshore, embora existente há mais tempo, ainda não era muito presente e desenvolvido em nível mundial. Ou seja, não havia tecnologia pronta para comprar. Oliveira (2012, p. 531) comenta na mesma linha: “...the Campos Bacin became a gigantic innovation laboratory for offshore oil production”. Off-shore era e continuou sendo a fronteira tecnológica da exploração e produção de petróleo e requer altos dispêndios em pesquisa, desenvolvimento e inovação. As descobertas das reservas em mar profundo na década de 1980 significaram um salto tecnológico enorme, baseado em learning-by-doing, para o qual a empresa foi reconhecida internacionalmente em 1992 ao ganhar pela primeira vez o Off-Shore Tecnology (OTC) DistinguishedAchievement Awards. Essas premiações demonstram que a área de offshore tornar-se-ia uma das poucas nas quais o Brasil está reconhecidamente na linha de frente no ranking internacional. A Petrobras consolidou-se não só como a maior empresa brasileira, mas também líder em investimentos em P&D e registros de patentes no Brasil (Fapesp, 2018).
Essas conquistas ajudaram a Petrobras a sair duplamente vitoriosa na década de 1980. Primeiro ela conseguiu resistir às políticas iniciadas no início da década pelo ministro Delfim Netto. Enquanto a estratégia para superar o impacto do choque de petróleo de 1973/1974, com o II PND, tinha sido colocar as estatais na liderança do processo de redirecionamento da economia, diante da crise da dívida e o segundo choque de petróleo, a partir de 1979/1980, a orientação do governo foi o oposto. Às estatais caberiam os maiores sacrifícios: congelamento dos preços dos serviços para contribuir com a luta contra a inflação. Houve uma queda dos investimentos e desvio dos lucros líquidos para contribuir com a cobertura do déficit público (BAER, 2009). Para implementar essa política, o governo Figueiredo tinha criado a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST).
Há de se considerar também os interesses privados domésticos desejosos de enfraquecer a Petrobras: os grandes consumidores de derivados e os atores cuja fronteira de expansão se chocava com as posições ocupadas pela companhia. Mas, em primeiro lugar, as descobertas dos megacampos justamente em meados da década de 1980 esvaziaram o argumento da ineficiência tecnológica e financeira atribuída às estatais20 . E, com relação aos preços administrados, por exemplo, no caso de petróleo, o estrago foi menor que nos demais setores (como Eletrobrás, Embratel ou Siderbras), porque o governo manteve o entendimento da importância de aumentar a produção interna da produção de cru e a necessidade da Petrobras dispor de caixa para isso. Assim, não obstante o clima geral político e econômico hostil para as estatais, a Petrobras conseguiu reagir de forma “defensivo-dinâmica” (Contreras, 1994, p. 146) 21.
A outra vitória deu-se na Assembleia Constituinte, realizada entre primeiro de fevereiro de 1987 e cinco de outubro de 1988, na qual a visão nacionalista estatal ganhou o debate. A reafirmação do monopólio estatal na Constituinte não era surpreendente porque as forças progressistas e nacionalistas estavam hegemônicas. Bercovici (2011, 224) sustenta que o argumento decisivo foi igual ao que norteou o debate em 1953: a quebra de monopólio estatal implicaria automaticamente abertura para os oligopólios internacionais. Contreras (1994, 196) atribuiu a capacidade da Petrobras de se manter, além da “força revivida do nacionalismo”, à forte identidade política e ao fato de ter um projeto estratégico próprio. Sinal dos tempos foi a votação proibindo os contratos de risco: 441 x 7 e 6 abstenções. Houve ainda a tentativa de retomar a proposta do João Goulart de estender o monopólio para a distribuição, mas este não resistiu à votação final.
Contudo, no contexto do agravamento da situação econômica geral, a Petrobras chegou ao final da década de 1980 com uma queda do seu nível de faturamento e lucro líquido, devido a um conjunto de fatores, entre os quais as diferenças de preços praticados no mercado interno e dos derivados importados, a taxa de câmbio desvalorizada, perdas com a comercialização do álcool e atrasos no pagamento para a empresa por parte do governo. Isso levou à instalação da primeira Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) “encarregada de investigar a atual crise financeira na Petrobras, assim como possíveis irregularidades administrativas”. O Relatório do Senador Fogaça (Senado Federal 1990, 6) relata ocorrência de suspensão de contratos de serviço, materiais e equipamentos destinados a investimentos; atraso no pagamento a fornecedores; condicionamento de pagamento de royalties a estado e municípios à disponibilidade de caixa; e redução ao mínimo dos níveis de estoque de petróleo. No seu depoimento, o ex-presidente da Petrobras, Carlos Santana, atribuiu os problemas pelos quais a empresa estava passando à defasagem dos preços em relação aos custos. No requerimento que resultou na abertura da comissão havia a sugestão de apurar a suposta existência de um cartel de empresas atuando para combinar preços e divisão de contratos na exploração de campos no Pará e no Amazonas. O relatório final se limitou a reclamar da falta de transparência na divulgação de dados, mas a CPI não deixou de ser desgastante para a imagem da empresa.
O avanço do liberalismo
Com a eleição de Fernando Collor em 1989, a situação alterou-se completamente. Viscidi (2016) defendeu a tese de que as ondas de privatizações e nacionalizações responderiam às flutuações nos preços internacionais. Mas o que alterou o quadro na década de 1990 no Brasil foi a vitória de projetos políticos de cunho (neo)liberal que tinham como objetivo explícito a superação da herança nacional-desenvolvimentista. Na era da globalização, o Estado-Nação teria perdido sua importância.
Da mesma forma que na década de 1930, havia naquele momento uma influência dos acontecimentos nos países vizinhos, só que agora no sentido contrário. O governo Menem havia iniciado o desmonte da estatal YPF em 1989, levando ao controle pela espanhola Repsol. No caso da Petrobras, não havia acúmulo político para avançar com uma privatização tout court.
O que aconteceu foi uma gradual, mas decisiva diminuição do seu peso político e controle econômico. Houve nos governos Collor e Itamar a privatização de algumas subsidiárias, em particular a Petroquisa22 e a Fosfértil. Em seguida, já no Plano Real, a liberalização da importação de derivados, embora ficasse sem efeito prático. Depois a Emenda Constitucional nº 9, de 1995, que abriu o setor para outras empresas23 . A Petrobras deveria perder a posição que conquistara, não só de executora da política nacional de petróleo, mas de formuladora. A Lei 9.478/1997, conhecida como a Lei do Petróleo, determinou no seu artigo 26 que a concessionária seria dona do petróleo extraído: “...em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos”. Parte do modelo de abertura da exploração petrolífera ao capital estrangeiro foi a criação, na mesma lei, de uma entre reguladora, a Agência Nacional do Petróleo24. Cabe à ANP organizar as licitações nas quais as empresas interessadas concorrem pelos blocos disponíveis25.
Outra parte da política de abertura foi a venda das ações. A partir daí, os direitos dos acionistas minoritários e as regras das bolsas de valores de São Paulo, sobretudo de Nova York, seriam um novo constrangimento para a atuação da Petrobras. Em agosto de 2000, a Petrobras passou a ter American Depositary Shares (ADS) representativas de ações ordinárias negociadas na Bolsa de Valores de Nova York, com registro na Securities and Exchange Commission (SEC). Na mesma data, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi realizada a venda de ações ordinárias de emissão da Petrobras, de propriedade da União Federal, sendo cerca 60% no mercado norte-americano26. Com a conclusão da operação de venda dessas ações ordinárias, a União Federal reduziu a sua participação acionária para 32,53% do capital social (total) e 55,71% do capital votante, se mantendo assim como acionista controlador.
Essa operação não representou o ingresso de recursos na Petrobras, mas proporcionou, na época, o aumento na sua base acionária em 22.707 novos acionistas, incluindo fundos de investimentos que reuniam 337.314 investidores no Brasil e 10 mil no exterior27. Lessa (2009) calcula que na década de 2000, os dividendos a proprietários residentes no exterior eram superiores tanto aos salários quanto aos juros pagos pela companhia e defendeu usar as reservas internacionais para recomprar essas ações, algo fora da realidade política colocada para o governo Lula. Oliveira (2012) observou que a venda das ações, em particular nas bolsas de valores em Nova York, obrigou a empresa a ter maior transparência e introduzir como missão maximizar os lucros. Isso fazia parte da política de abrir o setor para atrair investimentos dos oligopólios internacionais (IOCs – International Oil Companies). De outro lado, o governo concordou com o pleito da Petrobras de se livrar das restrições da lei de licitação e contratos da administração pública para poder competir liberou também os preços dos derivados.
As condições favoráveis para as empresas internacionais28 eram justificadas pela tendência de baixa do preço do petróleo, a ausência de perspectiva de grandes descobertas, os custos de produção relativamente altos e, mais no geral, a confiança a ser reconquistada pelo país, depois da crise da dívida e da hiperinflação. A política teve êxito ao atrair os grandes players internacionais. O governo FHC realizou quatro leilões. Em 80% dos blocos ofertados, venceram operadoras estrangeiras (ANP, 2019), forte indício de que o governo orientou a Petrobras a moderar nos lances. Mais importante é observar que as operadoras internacionais preferiram montar consórcios com a Petrobras, ao final a detentora do conhecimento geológico e da tecnologia para explorar as áreas.
Nos debates sobre a abertura promovida pelo governo FHC, voltou o argumento da carência de recursos para continuar na necessária expansão das reservas. O preço do barril tendia a queda e os custos de produção no Brasil eram relativamente altos. Assim, a principal justificativa da abertura liberal era que a atividade envolvia grandes riscos de exploração e era dispendiosa. Requereria, portanto, investimentos privados para assumir o risco, ou seja, o regime de concessão à empresa privada viabilizaria o financiamento da produção e da exploração, diante do risco exploratório.
Sugiram também dois argumentos novos. Um deles, em sintonia com o clima anti-estatal liberal que tinha ganhado força com o colapso do nacional-desenvolvimentismo diante da crise da dívida externa e seus desdobramentos, era a necessidade de submeter a Petrobras à competição. Empresas estatais seriam por definição ineficientes, ainda mais se detentoras de monopólio. Inclusive conquistas posteriores por parte da empresa seriam atribuídas a esta exposição à concorrência e à maior abertura do seu capital. Outro argumento novo era a noção de que o petróleo não seria mais um bem estratégico e, portanto, não seria mais justificável uma atuação direta do Estado (Zylbersztajn e Agel, 2013). Naquela conjuntura, o petróleo só seria estratégico para os grandes produtores do Golfo Pérsico. Bercovici (2011, p. 251/252) cita especificamente a contribuição a este debate do Deputado Lima Neto pelo Partido da Frente Liberal (PFL) do Rio de Janeiro de acordo com o qual a tendência de queda do preço confirmaria que o petróleo tinha se tornado uma commodity qualquer. Não sendo estratégico, não seria justificável uma atuação direta do Estado. O autor contesta essa visão e lembra a forte reação do Congresso e do governo dos EUA quando a petroleira chinesa CNOOC tentou comprar, em 2005, os ativos da norte-americana Unocal. Havia um entendimento claro de que o que estava em jogo era a segurança nacional29 . Na década de 1950, havia no Brasil um entendimento quase generalizado de que se tratava de um ativo estratégico para o desenvolvimento, mas os opositores da instalação do monopólio argumentaram que o Brasil não tinha capacidade financeira e tecnológica para explorá-lo. A discussão sobre o caráter estratégico ou não seria também importante no debate sobre o marco regulatório para o pré-sal.
Nisso tudo, o fomento da indústria nacional perdeu prioridade. A Lei do Petróleo não tratou da política industrial para o setor, mas introduziu mecanismos brandos para a defesa da indústria nacional, muito sob pressão do empresariado atingido, em particular da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Evitou-se, porém, qualquer sugestão de medidas compulsórias ou de reserva de mercado (Fernández y Fernández, 2013). O resultado foi uma política de Conteúdo Local (CL) tímida, com índices gerais baixos e sem muita fiscalização. Passou-se ainda à adoção de política de terceirização, na tendência das grandes empresas privadas, que alcançou até mesmo atividades de inovação e de engenharia (Furtado et al. 2003).
Em paralelo, o governo lançou, em 1999, o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação para o Setor (Repetro), que permitiria a importação de equipamentos específicos sem tributos federais. Ao mesmo tempo, houve o impacto negativo da sobrevalorização do real, resultante da política monetária. O impacto negativo de tudo isso na estrutura de fornecedores locais seria o gancho para a reorganização dos setores nacional-desenvolvimentistas.
Vale lembrar que o presidente FHC foi obrigado a assumir o compromisso de não incluir a Petrobras no programa de desestatização para conseguir a aprovação da PEC, o que de certa forma mostra a força que a visão nacionalista manteve.
Moderada reestatização
Foi a eleição de Lula da Silva, em 2002, que reacendeu o debate sobre o papel da Petrobras. Primeiro timidamente e, a partir de 2007, com as descobertas do pré-sal, com mais destaque. A tendência de aumento dos preços internacionais que iria caracterizar a década de 2000, sem dúvida, facilitou a nova política, mas muito mais importante foi a visão sobre o papel do Estado para o desenvolvimento econômico.
Para os desenvolvimentistas, o papel da Petrobras para o desenvolvimento nacional vai muito além da garantia de suprimento dos derivados. Desde a década de 1950, havia um entendimento sobre o potencial de encadeamento para trás e para frente. Ou seja, a Petrobras como um grande indutor do desenvolvimento de indústria e serviços ligados à cadeia produtiva de petróleo e gás. Na era nacional-desenvolvimentista, a política de compras foi fundamental para o desenvolvimento de um parque nacional de produção de equipamentos e serviços. Essa política de aproveitamento da capacidade de fomentar a indústria nacional deixou de ser prioridade com a opção por uma abordagem mais liberal, na década de 1990. A Petrobras diminuiu o índice de nacionalização de suas compras no contexto da liberalização comercial e, ligada a isso, a deliberada sobrevalorização do real, resultante da política da âncora cambial. Além do mais, foi adotada uma política de terceirização, seguindo a tendência nas grandes empresas privadas, inclusive de atividades de inovação e de engenharia. Quem se beneficiou desses contratos foram as empresas para-petroleiras internacionais que tinham suas estruturas de fornecedoras (global sourcing). A terceirização dessas atividades prejudicou a estrutura de fornecedores locais. Furtado et al. (2003) concluíram:
Houve uma desnacionalização do mercado de serviços de engenharia em função da falta de empresas locais com capacidade organizacional e fôlego financeiro suficiente para assumir essa nova modalidade de contratos.
Como consequência, houve falências e incorporação de outras por empresas multinacionais. Ou seja, coerente com uma visão liberal, a equipe econômica forçou a Petrobras a se comportar como se fosse uma empresa privada, ainda mais depois da abertura de capital, com remuneração para os acionistas privados30. No caso da petroquímica, chegou-se ao extremo de afastar a Petrobras, contrariando a lógica da estrutura do setor e deixando uma ambiguidade em torno do papel da empresa, desconsiderando o seu acúmulo. As propostas para a petroquímica brasileira formuladas por parte da tecnoburocracia da estatal eram vistas pela equipe econômica como uma estratégia para retardar o programa de privatização e manter a petroquímica em unidades dentro das refinarias (Schutte 2004). Foi somente em abril 2004 que o governo Lula reorientou essa política31.
Ainda durante a campanha eleitora, em 2002, Lula transformou as licitações da Petrobras em tema da disputa para mostrar a diferença das suas propostas com as políticas adotadas na década de 1990, comprometendo-se a, eleito, promover a nacionalização das compras da companhia. Conforme observado na seção anterior, em uma visão liberal, a Petrobras deveria operar como se fosse empresa privada, maximizando lucros em benefício dos acionistas. Os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016) tinham outro entendimento: a Petrobras era também um instrumento valioso de política industrial.
Não havia condições nem vontade política de revogar a Lei do Petróleo, ainda mais porque Lula se comprometera na campanha a respeitar os contratos vingentes. Optou-se por uma moderada reestatização, inicialmente focada no estímulo da política de Conteúdo Local. Além disso, o governo orientou a Petrobras para que fosse mais agressiva nas rodadas de licitação. A tabela 2 mostra o aumento expressivo dos índices a partir da 5ª Rodada.
Tabela 2- Médias de Conteúdo Local (CL) nas rodadas de licitações para Exploração e Desenvolvimento32 de Petróleo e Gás Natural entre 1999 e 2015.
Rodada |
Ano |
Media CL na fase de exploração |
Média CL na fase de desenvolvimento |
1ª |
1999 |
25 |
27 |
2ª |
2000 |
42 |
48 |
3ª |
2001 |
28 |
40 |
4ª |
2002 |
39 |
54 |
5ª |
2003 |
79 |
86 |
6ª |
2004 |
86 |
89 |
7ª |
2005 |
74 |
81 |
Fonte: ANP (2019)
Com o pré-sal, vieram outras perspectivas. Uma opção poderia ter sido, diante do imenso desafio tecnológico, operacional e financeiro, ampliar a participação dos oligopólios internacionais. Mas, a orientação do governo foi o contrário, já que Lula fora reeleito em 2006 com uma pauta desenvolvimentista. E, internacionalmente, os preços estavam elevados e com tendência de alta, estimulados pela demanda chinesa.
Junto com o anúncio oficial das riquezas na província do pré-sal, em novembro de 2007, o governo interrompeu as licitações previstas naquela área 33. Após dois anos de discussão, um conjunto de propostas foi aprovado e sancionado em 22 de dezembro de 2010, na Lei 12.351 (Lei do Pré-Sal, também conhecida como Lei da Partilha). As alterações se limitaram à exploração e a produção no pré-sal e similares, deixando o marco regulatório de concessão intacto nas demais áreas.
A essência das propostas eram: 1) garantir o controle estatal e 2) aumentar a captura da renda. O controle estatal sobre exploração e produção visava principalmente garantir a operação da Petrobras como braço da política industrial-tecnológica do governo. Além disso, servia como forma de enfrentar e explorar os aspectos geopolíticos (Sauer e Rodrigues 2016).
Concretamente, a Lei 12.351/2010 estabeleceu que a Petrobras teria no mínimo 30% de participação e sempre seria a operadora, empresa que toma as decisões sobre os investimentos. Esse controle permitiria o condicionamento do ritmo à capacidade de oferta de bens e serviços por parte da cadeia nacional de fornecedores (Schutte 2021). Assim, diminuiu o risco de vazamento da demanda (aumento das importações) e da exploração predatória, registradas na literatura efeitos negativos do controle por parte dos oligopólios internacionais.
Para fortalecer a Petrobras, o governo organizou, em meados de 2010, uma megacapitalização, disponibilizando recursos para investimentos sem aumentar substancialmente sua alavancagem. Parte dessa operação era a Cessão Onerosa (CO) de uma área do pré-sal equivalente a 5 bilhões de barris de petróleo e gás equivalente, pagos ao Estado de forma indireta com ações da empresa (Schutte 2012, 31-32).
No que diz respeito ao aumento da captura da renda pelo Estado, era essa a essência da partilha. O ente público passou a receber uma parte do óleo extraido em percentagem a ser determinada em cada leilão por meio do contrato de partilha. Esse contrato estabelece o percentual do excedente em óleo que o consórcio deve entregar para o Estado. E a oferta desse percentual é inclusive o critério de seleção no processo licitatório.
Isso significa que a União, além das entradas financeiras (bônus de assinatura, royalties, dividendos e tributos sobre lucro), recebe, no caso da produção no pré-sal, óleo em espécie. Isso traz não somente um elemento de captura da renda, mas também um controle inédito da política de comercialização —leia-se, exportação— para o Estado. Para a operacionalização dessa política foi criada a nova estatal, a Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, inclusive para supervisionar a própria Petrobras. O objetivo era evitar o risco de formação de um “Estado dentro do Estado” e reduzir a assimetria de informação entre o governo, principal, e a Petrobras, agente (Oliveira, 2012). Na prática a PPSA deveria fiscalizar a captura do excedente em óleo por parte do Estado na execução dos contratos de partilha de produção. Ao mesmo tempo sendo responsável pela comercialização do petróleo que cabe ao Estado, o que lhe daria grande poder de negociação, com potencial de lançar mão de parecerias em médio prazo.
A única questão que o presidente Lula não resolveu antes de terminar o mandato foi a de distribuição de royalties entre os entes federativos (Trojbicz 2019).
Ao enorme desafio colocado para a Petrobras na exploração e produção do pré-sal, juntou-se outro, na área de abastecimento. Fruto do crescimento econômico com distribuição de renda, o Brasil passou entre 2006 e 2014 por um crescimento da demanda interna por derivados de petróleo, em volume, de 56% (ANP, 2015). As margens para a Petrobras aumentar a produção das refinarias existentes eram pequenas, e optou-se pela construção de nada menos que quatro novas refinarias.
A tabela 3 mostra o aumento expressivo dos investimentos programados da Petrobras a partir de meados da década de 2000.
Tabela 3 - Evolução dos investimentos programados da Petrobras 2006-2015.
Comparação período Plano de Negócios da Petrobras |
Valores previstos para investimentos nos período em US$ |
Variação dos investimentos previstos em % |
2006-2010 2007-2011 |
US$ 56,4 bi US$ 87,1 bi |
+ 54% |
2008-2012 |
US$ 112,4 bi |
+ 29% |
2009-2013 |
US$ 174,4 bi |
+ 55% |
2010-2014 |
US$ 224 bi |
+ 28% |
Fonte: Plano de Negócios da Petrobras de 2006 a 2011. Elaboração própria
Resumindo, o governo colocou para a Petrobras o desafio de duplicar simultaneamente a produção, as reservas, a capacidade de refino e a capacidade de P&D. Na mesma linha, Ghirardi, ex-assessor da Petrobras durante os governos Lula e Dilma, avaliou, em retrospectiva, que “metas excessivamente ambiciosas foram além do limite da capacidade tanto da Petrobras quanto dos fornecedores e desvirtuaram aquela que seria, conceitualmente, uma política virtuosa de estímulo à economia brasileira” (Ghirardi 2015).
Até 2011, a principal fonte de financiamento dos investimentos era a geração operacional de caixa. Em 2012-2013 modificou-se este equilíbrio. Para manter o plano de investimento, a empresa teve de aumentar seu endividamento, como consta na tabela 4. Não é coincidência que justamente nos anos em que o governo congelou os preços dos derivados no âmbito da sua política anti-inflacionária, a alavancagem da Petrobras saltou de 24% para 48%, o que fez surgir uma crescente desconfiança dos investidores, embora a empresa continuasse acessando sem problema os capitais internacionais.
Tabela 4 - Trajetória de endividamento e alavancagem da Petrobras 2006-2015.
Endividamento em R$ em bilhões |
Endividamento em US$ em bilhões |
Alavancagem34 |
|
2007 |
R$ 26,7 bi |
US $ 22,4 bi |
19% |
2008 |
R$ 48,8 bi |
US $ 27,9 bi |
26% |
2009 |
R$ 73,4 bi |
US $ 57,6 bi |
21% |
2010 |
R$ 62 bi |
US $ 37,2 bi |
17%84 |
2011 |
R$ 103 bi |
US $ 54,9 bi |
24% |
2012 |
R$ 147,8 bi |
US $ 72,3 bi |
31% |
2013 |
R$ 221,6 bi |
US $ 94,6 bi |
39% |
2014 |
R$ 282 bi |
US $ 106,2 |
48% |
2015 |
R$ 392 bi |
US$ 100,4 bi |
60% |
Fonte: Petrobras. Relatórios de Administração 2006-2016. Elaboração própria
Em meados de 2014, ainda era possível ser otimista com o crescimento da produção e a perspectiva de menor dependência de importações de derivados. Àquela altura, a mão-de-obra direta na indústria naval tinha ido de 1900 trabalhadores no início da década de 2000, para 82,5 mil trabalhadores, com 52 estaleiros, dos quais dez em construção. Esta indústria era responsável pela construção dos petroleiros, plataformas de petróleo, navios-sondas e embarcações de apoio. O governo resistiu às pressões para flexibilizar sua política.
Mas, a partir do terceiro trimestre de 2014, a Petrobras entrou em uma profunda crise devido a uma tempestade perfeita (Schutte 2016, 60) provocada por fatores exógenos e endógenos: a Operação Lava Jato, que paralizou o setor; a queda acentuada do preço do petróleo; a expressiva desvalorização do real35; o crescente problema de endividamento no contexto de perda do grau de investimento; a desaceleração da economia, que se transformou em recessão em grande parte devido aos problemas com a Petrobras, e uma crise política que se alimentou dos problemas econômicos. Os impactos desta tempestade foram desastrosos não só para a Petrobras, mas para o próprio governo. Sua queda, em 2016, levou a uma volta das políticas liberalizantes, conforme será apresentado na próxima seção.
Ao final de dezembro de 2014, dois fatos tiveram pouquíssimo destaque. O primeiro é que o Brasil tinha alcançado pela primeira vez uma produção de petróleo e gás superior a três milhões de barris, graças ao pré-sal. O segundo é que, após 35 anos, entrara em operação parte de uma nova refinaria em Abreu e Lima, a Refinaria do Nordeste (RNEST). Para alguns, fruto das políticas aplicadas, para outros, apesar delas.
Crise e volta do liberalismo
Conforme apontado na seção anterior, a crítica ao marco regulatório do pré-sal e à gestão da Petrobras faziam parte do processo mais amplo de desmoralizar o governo Dilma. Chegou-se a questionar a viabilidade do pré-sal, sugerindo ser uma megalomania de Lula à qual Dilma dava continuidade36.
A partir de 2015, ainda no governo petista, houve forte ajuste no programa de investimento da Petrobras. O Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2014-2018 previa investimentos de US$ 206,8 bilhões. Já o PNG 2015-2019 foi inicialmente anunciado com US$ 130,3 bilhões e sem seguida revisado para US$ 98,4 bilhões (Petrobras, 2016). Iniciou-se um programa de desinvestimento de setores considerados não estratégicos. Houve também certa flexibilização na política de Conteúdo Local.
A prioridade era enfrentar o endividamento. Havia, porém, outras opções, caso se considerasse que o problema não era somente da Petrobras, mas também da nação. O Estado poderia, por exemplo, ter usado suas reservas internacionais para renegociar dívidas em dólar da empresa, estender prazos, reduzir juros e/ou investir diretamente, como sócio nos consórcios (Lima e Lima 2017).
Só que não havia o menor clima político para enfrentar essa discussão. Azevedo, ex-presidente da Petrobras, não tinha dúvida sobre o caráter político da crise: “Os opositores são os mesmos que foram contrários à existência da Petrobras. O viés político que se vê em alta no ataque à companhia é infinitamente mais perverso para o futuro do país se comparado aos atos ilícitos até aqui descobertos” (Azevedo 2015, 1).
Contudo, um dos argumentos mais utilizados, sobretudo a partir do terceiro quadrimestre de 2014, para defender maior abertura do pré-sal foi o custo de extração: a queda do preço do barril no mercado internacional teria tornado a exploração da área simplesmente inviável. Outros argumentavam que, diante de uma suposta tendência de queda dos preços era preciso acelerar, não diminuir a exploração. A Petrobras não tinha mais condições de estar à frente disso, daí a necessidade de alterar as regras (Pires 2016). Diante da crescente pressão, o governo Dilma acabou cedendo a uma alteração da Lei do pré-sal, suprimindo a obrigatoriedade de a Petrobras ser operadora única37. Logo em seguida, a presidenta caiu e entrou seu vice, Michel Temer.
Enquanto os atos do governo Dilma poderiam ainda ser entendidos como recuos, mas mantendo a visão estratégica desenvolvimentista, isso se perdeu com a implementação de política bem distinta pelo governo Temer (2016-2018), firme em seu objetivo de desmontar as ações dos governos anteriores.
Havia uma pauta bem definida e articulada com os vários setores interessados, que foi implementada em um curto espaço de tempo. O senso de urgência tinha, além de interesses econômicos, também um componente político: haveria sempre o temor da volta de um governo de orientação desenvolvimentista nas eleições de outubro 2018.
Primeiro, houve drástica redução e flexibilização do Conteúdo Local. Com a Resolução 07 do CNPE, de abril 2017, os índices de CL baixaram de 46% para 18% na fase de exploração e de 60% para 25% na fase de desenvolvimento, inclusive aditando contratos existentes38.
Segundo, houve um aprofundamento dos cortes de investimentos, que resultou em uma queda efetiva na Petrobras de US$ 85,83 bilhões no biênio 2013-2014 para US$ 30,86 no biênio 2016-2017 (Petrobras 2020).
Terceiro, ampliou-se a meta de venda de ativos para US$ 19,5 bilhões em 2017-2018. Em um primeiro momento, conseguiu-se agilizar o processo, inclusive com a controvertida venda para a Statoil39 de 66% da participação da Petrobras no campo de Carcará no pré-sal por US$ 2,5 bilhões, preço considerado baixo inclusive pelo próprio mercado40. Depois, o processo de desinvestimento acabou enfrentando atrasos por intervenção da Justiça, acionada por sindicatos petroleiros.
Quarto, a imposição de cortes drásticos em gastos operacionais, em particular com mão de obra. No final de 2016, a Petrobras eliminou cerca de 200 mil postos de trabalho entre funcionários próprios e terceirizados.
Na outra frente, o governo, trabalhou para agilizar as rodadas de licitação e realizou nada menos do que quatro Rodadas de Partilha41 (pré-sal) e duas de Concessão (pós-sal), que despertaram grande interesse de todas as empresas internacionais, com destaque para Shell, Equinor (ex-Statoil) e Exxon. Esta última, inclusive, tinha abandonado o Brasil, insatisfeita com as políticas do governo Lula, mas então voltava com peso, levando 22 blocos nas rodadas realizadas em 2017-2018, colocando-se —ao lado de Shell, Equinor e das estatais chinesas— como um dos principais atores estrangeiros atuando no pré-sal.
Para aumentar a atração dos leilões, o governo tinha antecipado a renovação do Repetro42 e ampliado o escopo deste programa, de isenção fiscal para importação de equipamentos para exploração e produção. A determinação em abrir o pré-sal era grande. Áreas adjacentes foram incluídas em licitações do pós-sal, o que levou a ExxonMobil a pagar, na 14ª Rodada, um ágio de 3490,98% para adquirir oito blocos na Bacia de Campos em parceria com a Petrobras, que tinha a expertise e o conhecimento geológico da área.
Quando o clima político começou a esquentar, com Lula liderando as pesquisas eleitorais, o governo Temer optou por antecipar o cronograma dos leilões. A 5ª Rodada do pré-sal estava prevista para o 3º trimestre de 2019 (ANP 2017, 7) e foi reprogramada para 28 de setembro de 2018, na véspera das eleições. O clima foi dado por uma matéria de capa do Valor Econômico de 15 de maio de 2018, véspera da 4ª Rodada do pré-sal: “A imprevisibilidade sobre qual será o governo a partir de 2019 apressa as discussões. Esta pode ser a última oportunidade para as companhias estrangeiras entrarem no pré-sal brasileiro, avaliam fontes oficiais”.
A equipe de Temer trabalhou até o último dia para deixar pronto não somente o Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2019-2023, mas também um calendário de Rodadas, já especificado e aprovado para 2019, a 16ª Rodada de Concessão e a 6ª Rodada de Partilha. Além disso, deixou uma carteira de ativos a serem privatizados com 32 projetos, entre vendas de subsidiárias, participações minoritárias e privatizações de campos de petróleo.
Para a continuidade das políticas do governo Temer, tornou-se necessário apoiar qualquer candidato que não fosse do campo desenvolvimentista. Assim, os setores liberais acabaram apoiando em peso o candidato da direita radical, Jair Bolsonaro.
Considerações finais
Ao analisar a trajetória das políticas voltadas para exploração e produção do petróleo, observam-se interrupções que não necessariamente refletem fatores objetivos, como preço de do barril ou condições geológicas. Nem mesmo a famosa campanha O Petróleo é Nosso era provocada por um petróleo existente e que não estaria a serviço do desenvolvimento nacional. Isso pelo simples fato de que não havia essas riquezas na época.
O que se tentou evidenciar ao longo do artigo é que as alterações na legislação e nas políticas refletiam, em verdade, diferentes pensamentos sobre o desenvolvimento do país. Identifica-se o surgimento do nacionalismo em torno dos recursos naturais na década de 1930 no governo de Getúlio, sobretudo a partir do Estado Novo. Um ensaio de liberalização no governo Dutra no pós-guerra, logo interrompido pela volta do Getúlio em 1951, então eleito e com muito mais firmeza com relação a políticas nacional-desenvolvimentistas. Assim surgiram a Petrobras e o monopólio do petróleo, sem, porém, que ainda tivessem sido encontradas reservas de relevância no solo brasileiro. Para justificar sua própria existência, a empresa optou em priorizar a autossuficiência em refino, montando, desde a segunda metade da década de 1950 até 1980, 12 refinarias, que dariam conta da demanda interna por quase 30 anos, estimulando, inclusive, o surgimento de um setor de bens de capital no país.
O desgaste geral do nacional-desenvolvimentismo por problemas internos e, sobretudo, constrangimentos externos deu nova força ao pensamento liberal. Mas, ainda na década de 1980, a Petrobras se manteve firme e longe do sucateamento ao qual as demais companhias estatais foram submetidas no âmbito de políticas antiinflacionárias e focadas no pagamento da dívida externa. Isso não era somente fruto da sua história, mas, principalmente, da sua capacidade tecnológica em descobrir e explorar grandes campos no offshore. A insistência na opção nacional tinha gerado a necessidade de se desenvolver uma capacidade tecnológica endógena, ausente na grande maioria dos setores de ponta da economia brasileira, dominados por empresas internacionais que não tinham por que investir na capacidade tecnológica do país. Observa-se também a afinidade do governo militar, sobretudo do presidente Geisel, com o pensamento nacional-desenvolvimentista.
Assim, o monopólio do petróleo foi reafirmado na Constituição de 1988, mas não resistiu aos novos ventos do liberalismo já então inaugurado nos países desenvolvidos e que chegaria ao Brasil somente na década de 1990. Primeiro de forma confusa, no governo Collor, depois de forma mais articulada, com Cardoso. A privatização no setor petrolífero se deu de forma parcial, mantendo a Petrobras controlada pelo Estado, o que mostra a força das ideias por de trás da sua criação. A empresa foi, contudo, submetida a uma série de constrangimentos, para que funcionasse como empresa privada, com a maioria de suas ações negociada nas bolsas de valores de Nova York e São Paulo.
O esgotamento da política liberal, no início da década de 2000, na seqüência da crise financeira de 1999, levou a um novo projeto desenvolvimentista, no governo Lula. Desde logo, ele defendeu que a Petrobras não deveria se comportar como uma empresa privada, preocupada somente com lucros e dividendos para seus acionistas. Pelo contrário, deveria voltar a ser um instrumento de política industrial-tecnológica, em particular na sua política de compras. Essa diretriz se fez sentir desde 2003, mas ganhou uma nova qualidade com as descobertas do pré-sal. Isso iria justificar uma modesta reestatização e correspondente alteração na legislação, sancionada ao fim de seu governo, em 2010. Por meio de um programa ambicioso de investimentos da Petrobras, o Brasil deveria fazer uso das novas riquezas para dar um salto em seu desenvolvimento. A sucessora, Dilma Rousseff, iria dar continuidade a essa política, mas em condições muito adversas. Um conjunto de fatores internos e externos, políticos e econômicos, iriam se acumular até implodir o governo e, com isso, a política desenvolvimentista para o pré-sal, apesar do sucesso exploratório.
Os governos Temer e Bolsonaro (2019-2022) que se seguiram eram diferentes entre si em vários aspectos, mas muito parecidos na abordagem liberal para o setor petrolífero, comprometidos com o desmonte das políticas implementadas anteriormente. A Petrobras deveria se encolher e voltar a se preocupar somente com a maximização dos lucros e dividendos. O governo Temer avançou em alterar substancialmente a política de CL e realizar em ritmo acelerado um conjunto de leilões no pós e no pré-sal, em condições favoráveis aos oligopólios internacionais, que, de fato, ampliaram substancialmente sua presença no offshore brasileiro.
Caberia ao governo Bolsonaro avançar ainda mais no processo de privatização parcial da Petrobras, com a venda nas áreas de distribuição, transporte, petroquímica e refino. Após a derrubada da Dilma, os governos Temer e Bolsonaro estavam determinados a desestruturar as políticas nacional-desenvolvimentistas de tal forma que será difícil para um futuro governo retomá-las. Essa é uma diferença grande em relação às políticas de orientação liberal mais moderada para o setor implementadas na década de 1990. Olhando em perspectiva histórica aparece o paradoxo: a força do setor nacional-desenvolvimentista insistindo no controle dos centros decisórios estatais quando não havia ainda petróleo em volume relevante; e o abandono de uma perspectiva que visa subordinar as riquezas a um projeto de desenvolvimento nacional em um momento que Brasil se coloca para ser um dos grandes produtores e exportadores de petróleo do mundo. Isso mostra o poder da ideologia nas definições a respeito da Petrobras ao longo da sua história.
Continua presente, porém, na sociedade brasileira uma vertente com força política que quer submeter as riquezas do pré-sal a objetivos de desenvolvimento industrial-tecnológico nacional.
Contudo, observa-se uma ausência objetiva de diálogo entre as duas vertentes apresentadas. Não houve a construção de um consenso para garantir uma continuidade nas políticas. Está implícita para cada uma a rejeição da outra. Para os liberais, uma gestão desenvolvimentista da Petrobras leva necessariamente a desperdício, ineficiência e corrupção. Para os desenvolvimentistas, a gestão liberal significa a entrega das riquezas aos interesses econômicos internacionais em detrimento da nação e em particular dos trabalhadores. A falta de continuidade nas políticas frustra ambos.
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Fecha de recepción del artículo: 19/05/2022
Fecha de aceptación del artículo: 21/9/2022
2 O termo pré-sal vem da geologia e se refere ao fato de que as novas reservas se encontram abaixo de uma camada de sal que precisa ser perfurada para a extração do óleo. A partir de então, as áreas acima dessa camada se tornaram conhecidas como pós-sal.
3 O mercado brasileiro de combustíveis era abastecido pelas grandes companhias (com destaque para Standard Oil New Jersey, Shell e Texas Company) a partir das suas refinarias nos EUA e em Aruba.
4 Em seguida Lobato foi condenado a alguns meses na prisão por injúria ao presidente e desmoralização do Conselho Nacional de Petróleo. Ele faleceu em julho de 1948, no início da campanha pelo petróleo, e teve ainda a oportunidade de manifestar seu apoio.
5 O autor identificou ainda duas outras correntes: os desenvolvimentistas “não nacionalistas” e os “desenvolvimentistas nacionalistas”, ambos do setor público.
6 Logo em seguida, em agosto de 1941, em Candeias, também no Recôncavo Baiano, foi descoberta a primeira jazida com potencial comercial. Para avançar na exploração o CNP contratava empresas norte-americanas especializadas e enviava estudantes brasileiros para cursos de engenharia de petróleo nos EUA. A guerra dificultava, porém, a aquisição no exterior de equipamentos modernos e não se conseguiu avançar.
7 Tiveram um papel central o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).
8 Bielschowsky (1996, p. 7) definiu desenvolvimentismo como “a ideologia de transformação da sociedade brasileira e de superação do subdesenvolvimento por meio da industrialização coordenada e planejada pelo Estado”.
9 A tramitação no Congresso foi bastante perturbada. As resistências ao monopólio estatal se concentravam no Senado, enquanto, na Câmara, o líder do partido de direita União Democrática Nacional (UDN), deputado Olavo Bilac Pinto, resolveu encampar a tese do monopólio estatal sob o argumento de que sociedades de economia mista confundiriam interesses públicos com privados (Bercovici, 2011, p. 158)
10 Morais menciona a existência de 2662 b/d em produção, 16,8 milhões de reservas e a refinaria de Mataripe. (MORAIS, 2013, P. 50)
11 Com exceção da distribuição que ficou nas mãos dos oligopólios internacionais. Só na década de 1960 a Petrobras iria montar uma subsidiária para concorrer nesse segmento, a BR Distribuidora.
12 Outro problema para a Petrobras foi a necessidade de obter divisas para importar equipamentos. A solução, também nesse caso, passou pela garantia de autonomia para a empresa, estabelecendo a destinação de 80% dos recursos em moeda estrangeira equivalentes à economia de divisas gerada pela atividade estatal.
13 Lembrando que foi exatamente através da montagem e controle do refino que Rockefeller constituiu, na época, seu império Standard Oil Company (YERGIN, 2012).
14 Geisel tinha acompanhado o processo de montagem da Petrobras enquanto subchefe da Casa Militar em 1955. Em seguida, foi superintendente da Refinaria de Cubatão e representante do Ministério de Guerra no CNP.
15 Em 1974, o Brasil teve, pela primeira vez, desde o início da série histórica, 1889, um déficit expressivo na balança comercial, de US$ 4,7 bi em dólares correntes, correspondendo a cerca de US$ 24,5 bilhões em 2020. Fonte: ipeadata.gov.br (saldo balança comercial).
16 Na verdade, com a entrega da refinaria Revap em São José dos Campos, fruto do II PND, os investimentos em refino ficariam paralisados por 35 anos.
17 Exatamente algo que não aconteceu nos setores de ponta das indústrias controladas por empresas multinacionais.
18 As operações do Cenpes foram inicialmente instaladas no campus da Universidade do Brasil, a futura UFRJ, na Praia Vermelha, e mudaram depois para a Ilha do Fundão
19 Em 1975 foi acrescentado o nome de Leopoldo Américo Miguez de Mello, em homenagem ao professor da UFRJ e membro do CNP.
20 Também Oliveira (2012, p. 533) apontou a importância das grandes descobertas em Albacora e Marlim para o moral da Petrobras, que, de acordo com o autor, estava sendo identificado com o regime militar, com grande risco de perder sua legitimidade.
21 O autor menciona os seguintes exemplos da capacidade da Petrobras de manter sua autonomia: a liquidação dos contratos de risco, o controle sobre a distribuição do Proalcool e a criação, em 1986, do primeiro Programa Tecnológico de Águas Profundas (Procap), por meio do qual se financiaram as inovações nos equipamentos submarinos, e também no conceito de plataformas flutuantes de produção, que consolidaram o domínio tecnológico para produzir a até mil metros de lâmina d’água.
22 Sobre o processo de privatização da petroquímica e a política de manter a Petrobras distante do setor, ver Schutte (2004).
23 A EC mantém no papel o monopólio estatal sobre o petróleo, mas permite que a União, detentora do monopólio, opte pela exploração na forma de concessão a empresas nacionais ou estrangeiras, privadas ou estatais.
24 Mais tarde rebatizada Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Lei no 11.097, de 2005.
25 Mais tarde rebatizada Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Lei no 11.097, de 2005.
26 25% foram adquiridas no mercado interno, por 310 mil optantes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
27 http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2009/09/20/foi-o-que-fiz-com-a-petrobras-diz-fhc/#sthash.SQIqqnDa.dpuf
28 Trojbicz (2019) afirmou que a apropriação estatal sobre os resultados financeiros da exploração do petróleo, conhecida como government-take, figurava entre as mais baixas em comparação internacional.
29 Klare (2009, p. 5) cita, a respeito desse episódio, a carta do Congresso para o Presidente Bush falando em “vital US energy assets”.
30 O Decreto 2745/98 flexibilizou a possibilidade de realizar licitações internacionais em vários segmentos do mercado.
31 O mais interessante nesse caso foi que os grandes grupos nacionais da petroquímica, em particular a Odebrecht, defendiam a volta da Petrobras, não como monopólio, mas em um novo arranjo, que acabou prevalecendo, de parceira com o setor privado, sem o qual o setor não teria futuro (Schutte, 2004).
32 O que é na linguagem comum chamado de “exploração” de petróleo se divide tecnicamente em três fases: a exploração, o desenvolvimento e a produção. A fase de exploração abrange a parte geológica e geofísica, a construção de poço (o que envolve, entre outros, as sondas de perfuração e os testes de longa duração). A fase de desenvolvimento envolve a instalação dos sistemas de coleta de produção e escoamento, com as árvores de natal, os tanques de armazenamento, como também a construção naval e as instalações de produção em terra.
33 Observe-se que 30% da província do pré-sal já estavam sendo explorados no regime de concessão. Desses direitos de exploração, 60% tinham sido ganhos pela própria Petrobras. O restante estava na mão de empresas internacionais. O governo optou em não questionar esses contratos.
34 Alavancagem definida como endividamento líquido/capitalização líquida (endividamento líquido/patrimônio líquido).
35 Lembrando que a empresa tinha grande parte da sua dívida em USD, como também a importação de derivados, equipamentos e serviços. Sua receita ainda era praticamente na sua totalidade em BRL.
36 Exemplo é o seminário organizado pelo Instituto FHC em 12 de abril 2016, sob o título “O Fim do Triunfalismo petroleiro e a definição de novos rumos para a Energia no Brasil”. Na apresentação, pode-se ler: “dúvidas sobre a viabilidade do pré-sal” e ainda “razões internacionais para rever o triunfalismo petroleiro desencadeado pela descoberta do pré-sal”. http://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/o-fim-do-triunfalismo-petroleiro.
37 Tratou-se de um projeto de lei do Senador José Serra da oposição, que acabou sendo aprovado no Senado com aval do governo, mas sua sanção iria ocorrer somente no governo Temer. por meio da Lei nº 13.365 de 29 de novembro de 2016.
38 A Resolução nº 726/2018 que permite o aditamento dos contratos de concessão até a 13º Rodada, da Cessão Onerosa e do primeiro leilão da partilha (Libra) foi caracterizada pelo Sindicato da Indústria Naval (Sinaval), em nossa opinião corretamente, como quebra de contrato. Não deixa de ser um contraste com todo o cuidado do governo Lula de respeitar os contratos existentes.
39 Em maio de 2018 a reunião anual dos acionistas aprovou a mudança do nome da empresa para Equinor.
40 Assim, a estatal norueguesa entrou no pré-sal e a Petrobras deixará de produzir futuramente entre 462 e 858 milhões de barris de óleo equivalente. O presidente da Statoil, Pal Eitrheim, classificou como “ativos classe-mundial” (Ramalho e Polito, 2016).
41 Assim, restou comprovado inclusive que as empresas internacionais não têm qualquer problema com a partilha em si, até porque operam com variantes desse modelo em vários lugares no mundo.
42 No processo de renovação houve uma ampliação significativa do seu escopo foi dada pela MP 795/2017. Na exposição de motivos o governo insistiu na necessidade de ampliar os incentivos fiscais para Incentivar investimentos na indústria petrolífera do Brasil e calculou uma perda bruta de arrecadação esperada de IRPJ e CSLL somente no período 2018-2020 de quase R$ 30 bilhões (CÂMARA DOS DEPTUADOS, 2017).
pp. 55-97 - Anuario CEEED - N°18 - Diciembre/Mayo 2022
Año 14 - e-ISSN 2545-8299