A economia política da marinha mercante e da construção naval chilena: entre o liberalismo e o protecionismo

 

 

The Political Economy of the Merchant Navy and Chilean Shipbuilding:

Between Liberalism and Protectionism

 

 

Alcides Goularti Filho[i]

alcides@unesc.net

 

 

Resumen: Este artículo tiene por objeto estudiar la trayectoria de la marina mercante y la construcción naval chilena a partir de su interacción con la economía política dentro de los regímenes jurídicos de protección y liberación de la navegación marítima. El período de análisis abarca desde siglo xix hasta 1973, donde es posible identificar tres regímenes jurídicos: protección al cabotaje nacional de 1813 a 1864; apertura para cabotaje exterior de 1864 a 1922; y nuevamente el retorno de la protección al cabotaje nacional de 1922 a 1973. Este último período se añadió a un nuevo ordenamiento jurídico en 1956 que garantizaba a los armadores chilenos el 50% de todo comercio exterior. La trayectoria del sector naval también es analizada dentro de los cambios estructurales de la economía chilena que envuelve la transformación de una economía extractivista mercantil exportadora a una economía en proceso de industrialización comandado por el Estado.

 

Palabras claves: Navegación; Industria, Planificación; Chile.

 

 

Abstract: This article aims to study the trajectory of the merchant navy and Chilean naval construction from its interaction with the political economy within the legal regimes of protection and liberation of maritime navigation. The period of analysis covers the nineteenth century until 1973, when it is possible to identify three legal regimes: protection of national cabotage from 1813 to 1864; opening for external cabotage from 1864 to 1922; and again the return of protection to national cabotage from 1922 to 1973. This last period was added a new legal system in 1956 that guaranteed to Chilean shipowners 50% of all foreign trade. The trajectory of the naval sector is also analyzed within the structural changes of the Chilean economy that involves the transformation of an exporting mercantile export economy to an economy in process of industrialization commanded by the state.

 

Keywords: Navigation, Industry, Planning; Chile.

 

 

Recibido: 30 de mayo de 2019.

Aprobado: 2 de junio de 2020.


Geografia da navegação

 

Para pensar o desempenho do setor naval chileno inicialmente temos que recorrer à formação socioespacial do Chile combinando o território e o espaço com as condições econômicas e sociais herdadas do passado e reafirmadas no presente e que guardam algumas especificidades dentro da totalidade.

            Formado por uma longa e estreita faixa de terra espremida entre a Cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico com 756 mil km², o Chile é dividido em cinco grandes regiões distintas: a Zona Austral, de clima patagônico e antártico; a Zona Sul, de clima patagônico; a Zona Central, de clima temperado, onde se localizam os grandes centros urbanos; o Norte Pequeno, de clima mediterrâneo; e o Norte Grande, de clima desértico. Num mesmo país convivem as gélidas tundras em Magalhães, no extremo sul, com o seco e árido deserto do Atacama, no norte. A localização dos recursos minerais e as áreas disponíveis para a agricultura e a pecuária, estão relacionadas às condições extremas de clima e solo. No norte, está localizada a grande mineração – que vem sendo explorada desde o século xviii com destaque para o salitre e o cobre – e seu litoral é rico em pescados. Na Zona Central, além dos grandes centros urbanos e industriais, concentram as áreas para a agricultura extensiva e a pecuária. No sul, também predominam a pecuária e a extração vegetal e áreas de mineração (reservas de carvão); e por fim, no parte mais astral, pouco habitada tem a pecuária e a extração vegetal, com destaque para as atividades petrolíferas em Magalhães e na Tierra del Fuego. Esta configuração geoeconômica pouco foi se alterando ao longo do século xx, na verdade, o que ocorreu foi um aprofundamento das especializações regionais com investimentos em infra-estrutura social básica que qualificavam as “vantagens” de cada região.

Com as especializações regionais e um extenso litoral, 7.367 km, a utilização do mar com via de comunicação era condição necessária para definir o território, realizar os fluxos mercantis, integrar a economia e manter a “segurança nacional”. Duas unidades elementares nesta formação são os portos e a navegação (cabotagem e longo curso). A construção da malha ferroviária ligando o extremo norte, Porto de Iquique ao Porto Montt, foi mais um elemento que reforçou a necessidade de ampliar os portos e desenvolver uma marinha mercante nacional de cabotagem. Entre os principais portos chilenos destacam-se os seguintes: Valparaíso e San Antonio (Zona Central), Ciquimbo, Antofagasta, Iquique, Tocopilla e Arica (Norte), Talcahuano, Coronel, Valdivia e Porto Montt (Zona Sul) e Punta Arenas (Zona Austral). Além dos inúmeros portos pesqueiros e trapiches para carga e descargas de pequeno e médio porte espalhados ao longo de toda costa litorânea, e dos portos fluviais nos poucos rios navegáveis e nos fiordes das zonas Sul e Austral e em Chiloé.

Segundo Cariola Sutter y Sunkel (1982), no decorrer de um século, entre 1830 e 1930, a economia chilena viveu dois longos ciclos de acumulação que combinavam ora uma política mercantilista, ora livre cambista. O primeiro ciclo, entre 1830 a 1878, guardava características da velha economia colonial comandado pela aristocracia criolla e estava pautado na extração e exportação da prata, cobre e trigo. Bauer (1970), destaca que na primeira metade do século xix, a exportação de carne de gado (charque) para o Perú, também foi significativa. O trigo era produzido na região de Maule e Concepción e exportado pelo porto de Talcahuano e Valparaíso. A prata (chilena e boliviana), localizada na Zona Norte, era escoada pelo porto de Arica.

O segundo ciclo foi o do salitre e predominou de 1878 a 1930, tornando-se a maior fonte de acumulação da economia chilena neste período. Foi responsável pela implantação do sistema ferroviário e telegráfico na região de Antofagasta e Tarapacá e por boa parte do movimento portuário de Antofagasta e Iquique. Também foi motivo de duas guerras: Guerra do Pacífico (1879-1883), que envolveu a disputa territorial entre Chile, Peru e Bolívia; e a Guerra Civil em 1891, que começou quando o presidente chileno José Manuel Balmaceda (1886-1891) resolveu regular as atividades salitreiras cobrando mais impostos (Marín Vicuña, 1931). Grande parte da estrutura produtiva e do sistema de transporte (ferrovias-portos-navegação) da economia do salitre era controlada por companhias britânicas ou estadunidenses (Marín Vicuña, 1916). A exemplo do gado, do trigo e da prata, o salitre veio para reforçar o caráter extrativista mercantil exportador da economia chilena. No entanto, a predominância deste “modelo exportador”, não impediu que engendrasse no território chileno uma acumulação endógena que contribuiu com o alargamento do mercado interno e a formação de uma incipiente base produtiva nacional. Toda a rede ferroviária, telegráfica e a cabotagem entre Arica, Porto Montt e Punta Arenas, integrando os principais portos e cidades chilenas, estava associado a economia extrativista mercantil exportadora.

            Durante todo o século xx e início do xxi, a exemplo da América Latina, o Chile assistiu o movimento pendular da composição ideológica hegemônica dentro da sociedade política alternava-se entre governos liberais, nacionais, populares e ditadores (Ianni, 1986). A colonização hispânica na América Latina deixou marcas profundas na sociedade e nas economias regionais, como a definição do território, as desigualdades sociais e a subordinação econômica. Mesmo após os movimentos de independência ocorridos pós-1810, o espírito dos colonizadores foi incorporado pela aristocracia criollas que reforçaram o caráter desigual e subordinado do país. O Chile iniciou a sua luta pela independência em 1810 e concluiu em 1818 e aprovou a sua primeira constituição em 1833, inaugurando a República Conservadora que durou até 1861, fortaleceu e centralizou o poder estatal nas mãos do executivo federal. Em 1861, após uma disputa entre o Estado e a Igreja Católica, José Joaquín Pérez assume a presidência em 1861 e inaugura a República Liberal de caráter laico (Época dos Decênios). Neste período teve início o ciclo do salitre e eclodiu a Guerra do Pacífico e a Guerra Civil. Destaca-se que neste momento foi dado mais autonomia para os agentes privados externos, sobretudo para extração, comercialização e transporte do salitre. A República Parlamentarista, de 1891 a 1925, nasceu do resultado da Guerra Civil e tinha como objetivo dissolver os mecanismos regulatórios herdados de José Manuel Balmaceda e dar mais liberdade ao capital privado. O esgotamento do ciclo parlamentar durante o governo de Arturo Alessandri (1920-1925) fez nascer uma nova constituição, em 1925, e inaugurou a República Presidencialista até 1973, de caráter mais intervencionista (Ramón, 2003).

            Desde a Guerra de 1891 até a segunda constituição de 1925, o país adotou o regime parlamentarista de cunho liberal, sendo guiado pelos interesses econômicos da mineração do salitre. No final dos anos de 1920, as mudanças chegaram em toda a América Latina com as rupturas institucionais promovidas pelo amadurecimento da sociedade civil e pelo esgotamento do velho ciclo político pautado no liberalismo. No Chile, as mudanças políticas em prol do fortalecimento da economia nacional associado às reformas sociais, iniciaram no primeiro governo de Carlos Ibañez (1927-1931), ganhou mais contorno nos governos Radicais de 1939 a 1952, até chegar ao seu auge durante a breve experiência da Unidade Popular entre 1971 e 1973. Neste entremeio tiveram dois governos de caráter mais liberal, Arturo Alessandri (1932-1938) e Jorge Alessandri (1958-1964), mas que adotaram algumas medidas de cunho intervencionista em função das exigências da industrialização em marcha.

As experiências sociais-reformistas iniciadas nos governos Radicais se alongaram um pouco mais com o aprofundamento de alguns temas, como a reforma agrária e a nacionalização do cobre, durante os governos de Eduardo Frei (1965-1970) e Salvador Allende (1971-1973). Durante o Governo Allende, a primeira experiência de um governo, tentou-se aplicar uma série de reformas sociais e econômicas que pavimentariam o “caminho para o socialismo”. Destacamos a nacionalização do cobre, em julho de 1971, com a criação da Corporación Nacional del Cobre (codelco), além das outras inúmeras empresas consideradas estratégicas para o governo da Unidade Popular.

É dentre deste cenário político, econômico e social, que se interage com o território, é que devemos entender a trajetória da economia da marinha mercante e da construção naval chilena entre 1813 e 1973. As questões norteadoras deste artigo são: 1) quais são os limites da acumulação do setor naval chileno centralizando na baixa capacidade de concentração e centralização das companhias de navegação? 2) em que medida a ausência de mecanismos de financiamento restringiam a tomada de decisão dos armadores em realizarem grandes encomendas junto aos estaleiros nacionais? Limites técnicos e financeiros restringiram o pleno desenvolvimento do setor naval chileno no sentido mais amplo que combina desenvolvimento e soberania nacional. O bom desempenho da indústria naval, o apoio aos armadores para renovarem sua frota, a proteção ou a liberação da cabotagem, a criação de uma companhia de navegação estatal e os acordos comerciais são resultado de políticas econômicas que atendem interesses empresariais e está fundada em convicções ideológicas de cada governo.

 

Marinha mercante e construção naval no século XIX até 1922

 

No pacífico sul, Valparaíso, no Chile, Callao, no Peru, e Guayaquil, no Equador, durante todo período colonial, eram as principais portas de saída dos produtos colônias (agrícola, pecuária e mineral) e de entrada de produtos manufaturados. Esta tríade portuária, que no século xx foi acrescida pelo porto de Buenaventura (Cali) na Colômbia, foi o ponto de partida de onde fundaram companhias de navegação e estaleiros navais. Ao longo dos séculos xix e xx, outros portos também foram internalizando esta dinâmica naval, tornando-se importantes centros urbanos e industriais, como Antofagasta e Talcahuano.

Foi com base na economia agrária e extrativista mercantil exportadora, com especializações regionais distribuídas ao longo do seu estreito território, que o Chile desenvolveu um sistema de navegação de cabotagem e longo curso. Valparaíso era frequentado por diversas embarcações que partiam da Europa e da costa Atlântica da América do Sul, passavam pelo Cabo de Horn ou pelo Estreito de Magalhães em direção a costa oeste do Estado Unidos ou extremo oriente (Japão e China). Durante a “corrida do ouro” na Califórnia (1848-1855) Valparaíso e Callao disputavam o título de melhor porto e cidade para receber a procissão de navios que partiam de São Francisco em direção a Nova York via marítimo.

Após a conclusão do processo de Independência, em 1818, até o início dos anos de 1840, não havia uma linha regular entre o Chile e a Europa. As embarcações que atracavam em Valparaíso faziam linhas não regulares e a cabotagem era feita por pequenas embarcações privadas de proprietários chilenos sem uma regularidade e com uma frota obsoleta reduzida (Orrego, 1904). A primeira companhia de navegação oceânica formada no Chile com o objetivo de atender regulamente os portos nacionais foi a Pacific Steam Navegation Company (psnc). A psnc foi fundada pelo empresário norte-americano Willian Wheelwright em 1840 e operava com duas embarcações o “Chile” e o “Peru”, ambos faziam a rota interoceânica e tinha capacidade para cruzar o Estreito de Magalhães durante a temporada de inverno. Nas décadas seguintes começaram a surgir companhias de navegação de armadores chilenos que realizavam o transporte de cabotagem e atendiam os serviços portuários, como podemos acompanhar no Quadro 1.

 

Quadro 1: Companhias de navegação marítima chilenas no século XIX

Companhia de navegação

Data

Compañía de Vapores y Remolcadores de Valparaíso

1868-1873

Compañía Chilena de Vapores

1870-1872

Compañía de Navegación a Vapor del Maule

1871-1881

Compañía Nacional de Remolcadores

1870-1873

Compañía Chilena de Balleneros

1871 até final do século XIX

Compañía Industrial de Valdivia

1872-1886

Compañía Nacional de Vapores

1864

Compañía Chilena de Remolcadores

1874-1884

Compañía Sud Americana de Vapores

Desde 1872

Fonte: Álvarez, Eugênia Garrido et al. (2006).

 

            Algumas companhias tiveram vida curta, como a Compañía Nacional de Remolcadores, e outras seguiram operando ao longo de todo século xx, como a Compañía Sud Americana de Vapores (csav), que se tornou na maior empresa de navegação privada da América Latina. A csav foi fundada em 1872 a partir da fusão da Sociedad del Vapor Paquete del Muelle, da Compañía Nacional de Vapores e da Compañía Chilena de Vapores. A csav começou operando na cabotagem com sete embarcações, e quando começou a Guerra do Pacífico, em 1879, já contava com onze embarcações. Além da psnc, entre as companhias estrangeiras que faziam o transporte de longo curso e frequentavam regulamente os portos chilenos destacavam-se a Compañía de Navegación Belga (4 navios), a inglesa White Star Line (4 navios), a francesa Compagnie General Trasatlántique (3 navios) e a alemã Compañía Alemana de Vapores Kosmos (6 navios) (Orrego, 1904).

            Logo após a organização inicial da República nos primeiros decênios do século xix até o ano 1925, o Chile passou por três grandes composições ideológicas hegemônicas: a República Conservadora de 1830 a 1861, a República Liberal de 1861 a 1891 e a República Parlamentarista de 1891 a 1925. Acompanhando este movimento pendular de composições ideológicas diferentes foram aprovando junto ao Congresso chileno e aplicando ao setor naval, três distintos regimes jurídicos: Protecionista de 1813 a 1864 – República Conservadora; Livre cambista 1864 a 1922 – República Liberal e Parlamentarista; Protecionista de 1922 a 1973 – República Presidencialista. Os regimes jurídicos navais estão diretamente associados à ideologia da classe dominante que comanda o poder político e estatal.

            Os três regimes jurídicos do setor naval chileno entre 1813 a 1922 são descritos por Luis Uribe Orrego (1904) e Cláudio Véliz (1961), que passamos analisar de forma mais detalhada. Durante o período de consolidação do processo de Independência, em 1813, foi aprovado junto ao Senado o regulamento da Apertura y fomento del comercio y navegación, composto por 241 artigos. Entre os diversos artigos aprovados, merece destaque o referente à abertura do comércio recíproco entre as chamadas “nações amigas”. Ficou definida uma hierarquia portuária colocando Valparaíso, Talcahuano e Coquimbo com “portos maiores”, reservado ao comércio exterior, e os demais com “portos menores”, destinados à cabotagem. Nos portos maiores poderiam atracar navios de todas as nacionalidades, mas nos menores, estavam reservados aos navios chilenos. No entanto, dada as dificuldades técnicas e financeiras enfrentadas pelos pequenos armadores locais em cobrir a longa costa marítima com a cabotagem nacional, e para não deixar as cidades portuárias desabastecidas, abriu-se algumas exceções e temporariamente foram concedidos subsídios as companhias estrangeiras.

Este ordenamento jurídico ao mesmo tempo em que abria o mercado à navegação estrangeira também cobrava uma taxa aduaneira de 30% e almejava criar reserva de cabotagem as companhias nacionais. Portanto, apesar de transparecer como uma lei de cunho liberal, na verdade era protecionista em duas frentes: proteção do mercado interno (taxa aduaneira de 30%) e monopólio para a cabotagem. A proteção à cabotagem tinha como objetivo estimular os incipientes estaleiros que nasciam próximos as vilas e cidades portuárias.

            Com o intuito de reforçar o apoio à construção naval, em 28 de julho de 1836 foi aprovada a Lei da Navegação que definia navios chilenos somente os que fossem construídos em estaleiros chilenos ou aqueles incorporados à frota nacional. Também obrigou que o capitão e, no mínimo, 25,0% da tribulação deveria ser composta por chilenos. Nos anos seguintes a promulgação da lei, a cota mínima da tribulação foi aumentando paulatinamente. E para reforçar ainda mais o apoio a cabotagem, em outubro de 1853 o Congresso Nacional aprovou a lei de subvenção à navegação para as companhias chilenas que frequentavam os portos nacionais (Orrego, 1904).

            Este regime de proteção à cabotagem nacional resistiu até a promulgação na nova lei da navegação e das aduanas, Lei da Ordenanza de Aduanas, em 31 de outubro de 1864 que autorizava a livre navegação em todos os portos chilenos. Com este novo regime jurídico, foi retirado o monopólio da cabotagem, mas manteve-se as subvenções as companhias nacionais (Chile, 1865). A promulgação deste novo regimento de caráter liberal tem a ver com o início da extração e comercialização do salitre na Zona Norte Grande. Como o Chile não dispunha de uma frota mercante de grande porte capaz de fazer viagens interoceânicas entre os Estados Unidos e Europa essa abertura comercial favoreceria as companhias estrangeiras que transportavam o salitre. O crescimento acelerado das atividades ligadas à economia do salitre, ao mesmo tempo de desperdiçou a oportunidade para criar uma frota mercante nacional, possibilitou a implantação de um sistema portuário, ferroviário e telegráfico na ampla área de mineração que foi se espraiando por todo território nacional.

            Esta dificuldade dos armadores nacionais em atenderem ao transporte do salitre residia na baixa capacidade de acumulação endógena do capital nacional e na falta de crédito de longo prazo capaz de impulsionar novos investimentos. No século xix, o Chile ainda guardava característica de uma economia colonial “voltada para fora”. O ritmo de acumulação dos complexos regionais de trigo, pecuário, prata e cobre, era muito lento e incapaz de gerar concentração de capital suficiente para o país assumir o comando da extração, beneficiamento e transporte do salitre. As parcas sobras da acumulação da economia do salitre eram internalizadas em Iquique e Antofagasta, e geravam recursos fiscais para Santiago, Concepción e Valparaíso.

            Durante o regime de livre navegação, entre 1864 e 1922, três grandes eventos interferiram no desempenho do setor naval chileno. O primeiro foi a abertura do Canal do Panamá em 1914, de desviou o fluxo de navios que cruzavam o Estreito de Magalhães e faziam uma parada “obrigatória” no porto de Valparaíso. O segundo foi o início da aplicação do salitre sintético em larga escala na agricultura europeia após a Primeira Guerra Mundial. O por fim, a queda acentuada do preço do cobre no início dos anos de 1920 (Marín Vicuña, 1931; Eguiguren Rozas, y Grez Matte, 1946; Departamento del Cobre, 1960). Este regime de liberdade de navegação estrangeira perdurou até 1922, quando foi aprovada a nova Lei 3.841 de 06 de fevereiro, que novamente voltou a proteger a cabotagem nacional, permitindo apenas as embarcações chilenas atracaram nos portos nacionais.

            Entre as companhias de navegação de longo curso que operavam no Chile nas primeiras décadas do século xx, destacavam-se a csav, a Compañía Chilena de Navegación Interoceánica, a Compañía Muelles Población Vergara e a Sociedad Anónima Marítima de Chile. Ao lado do Brasil e da Argentina, o Chile se colocava com uma importante nação naval da América Latina com uma frota de navios que atendiam parte da demanda externa (excluindo o salitre) e toda cabotagem (Garces, 1939; Eguiguren Rozas y Grez Matte, 1946).

            Ao lado da expansão da marinha mercante chilena do século xix e início do xx, a construção naval surge como um importante segmento industrial que integrava a marinha de guerra e mercante por meio de um conjunto de pequenas atividades manufatureiras em torno dos principais portos marítimos. A República herdou da Coroa o Arsenal da Marinha localizado em Valparaíso onde eram realizados os reparos dos navios da armada e das demais embarcações que passavam pela costa chilena. Em torno de Valparaíso, Tacahauna, Valdívia, Chiloé e Punta Arenas surgiram os primeiros estaleiros chilenos que construíam embarcações de pequeno e médio porte para as companhias de cabotagem e de pesca e para a armada chilena. O primeiro estaleiro de porte industrial surgiu em Valparaíso em 1853, conhecido como Astillero Juan Duprat, que chegou a construir 12 barcos a vela (Mardones, 1995). No ano de 1857, foi lançado em Valparaíso um dique flutuante de madeira de propriedade do empresário alemão Nicolás F. Tiedie, com 51 metros de largura, e estava apto para realizar reparos em navios de grande porte. Em 1864, o mesmo empresário lançou o Dique Flotante Valparaíso I de madeira e zinco, com 81,5 metros de largura. No ano seguinte mais um dique surge nas proximidades do porto, o Dique Flotante Santiago, com 91 metros de largura e construído pelo próprio estaleiro. Após a dissolução da Sociedad Dique Flotante de Valparaíso I foi fundado em outubro de 1921o Astillero Las Habas. A nova sociedade entrou em operação três anos mais tarde com a compra de um novo dique de ferro (Valparaíso II) construído em Rotterdam e que pesava 4.500 toneladas (Contreras, 1945; Fritz, 2005).

            Em Valdívia havia o Astillero Haverbeck, fundado em 1869, que construía embarcações de madeira a vapor para navegação fluvial. No ano seguinte entrou em operação o estaleiro Sociedad Astillero Beherens, que também construía embarcações fluviais. Em 1908, foi inaugurado o estaleiro Fundación y Maestranza Esteban Schuller, que se especializou na construção de cargueiros e navios de passageiros de até 500 toneladas. Nas oficinas de Esteban Schuller eram construídas máquinas e equipamentos pesados para o setor naval e ferroviários. Em Valparaíso, além dos diques flutuantes, também havia o estaleiro Lever, Murphy y Cia, fundado em 1883, que atendia as demandas da armada chilena por meio da construção e reparos de embarcações militares. Em Punta Arenas, em 1896, foi fundada a Sociedad Carlos Bonacic y Cia, conhecida como o estaleiro mais austral do mundo. Nas décadas seguintes a empresa foi reestruturada diversas vezes até ser encampada pela Marinha em 1952 (Fritz, 2005).

            Em Talcahuano, foi construído o primeiro dique seco do país – cujas obras iniciaram em 1889 e concluídas em 1896 – o Dique Seco nº 1 Almirante Bannen. Essa obra, para marinha, justificava-se pela necessidade de construir internamente embarcações para defesa nacional. Haja vista que o Chile havia enfrentado dois grandes conflitos bélicos externos no século xix (Guerra contra a Confederação Perú-Bolívia de 1836 a 1839 e a Guerra do Pacífico de 1878 a 1883), além da Guerra Civil de 1891. O dique contava com 168 metros de comprimento, 21 de largura e calado de 8 metros, com capacidade para construir embarcações de até 18 mil toneladas (Kraus, 1903). Em setembro de 1909, foi autorizado iniciar a construção do dique seco nº 2, também em Talcahuano, que teria um comprimento de 262 metros, 43 de largura e calado de até 11 metros com capacidade para 40 mil toneladas. O Dique Seco nº 2 foi inaugurado em julho de 1924. (Silva, 1991). Ambos os diques formavam o complexo naval da armada chilena (Apostadero Naval) que atendiam as demandas da marinha de guerra e das companhias privadas de navegação na realização de reparos navais.

            Em Puerto Montt havia o dique seco de Algemó, que atendia as demandas dos Servicios Marítimos de los Ferrocarriles del Estado executando obras de reparos, com capacidade para atracar embarcações de até 4.500 toneladas (Contreras, 1945).

            Podemos acompanhar no Gráfico 1 a evolução do número de navios da marinha mercante chilena entre 1845 a 1865, ou seja, durante a vigência da República Conservadora e do protecionismo à cabotagem nacional. O número de navios registrado acompanha a tonelagem das embarcações. Este crescimento pode ser associado a crescente exportação dos complexos regionais exportadores (trigo, prata e cobre) a partir dos anos de 1850; o monopólio da cabotagem entre os portos menores; o aumento do fluxo no porto de Valparaíso como resultado da utilização do Estreito de Magalhães pós-1840; e a “corrida do ouro” na Califórnia.

 


 

Gráfico 1: Evolução da marinha mercante chilena, 1864-1868 (toneladas e navios)

Fonte: Asociación Nacional de Armadores, 1989.

 

            No Gráfico 2 temos o segundo período do regime jurídico e comercial da navegação chilena, entre 1871 a 1922, quando vigorou o livre cambismo com fim do monopólio da cabotagem nacional. A queda acentuada no final da década de 1870 está associada à Guerra do Pacífico, e após o seu término temos um crescimento exponencial motivado pelo ciclo do salitre. O fraco desempenho agrícola e pecuário do norte chileno gerava demandas por alimentos e bens de consumo leve para atender a população envolvida nas atividades de mineração. Como resultado aumentou a cabotagem de navios provenientes das áreas chilenas de produção agrícola e pecuária em direção ao porto de Iquique. Durante a Primeira Guerra novamente o movimento portuário volta a crescer com resultado direto da demanda de cobre, aumentado a cabotagem no porto de Antofagasta. Na década seguinte, a abertura do Canal do Panamá e a redução das exportações de cobre e salitre– que repercutia na queda da cabotagem dos navios provenientes das Zonas Central e Sul – levaram à diminuição na frota mercante.

 


 

Gráfico 2: Evolução da marinha mercante chilena, 1871-1922 (toneladas e navios)

Fonte: Asociación Nacional de Armadores.

 

Marinha mercante e construção naval de 1922 a 1973

 

No longo período que se estende dos anos de 1925 até 1973, durante a República Presidencialista, o Chile passou por momentos de estabilidade e instabilidade política, com acirramento entre classes sociais e lideranças políticas. A disputa pela presidência da República entre Arturo Alessandri (1920-1925 e 1932-1938), seguindo de seu filho Jorge Alessandri (1958-1964, além da candidatura em 1970), com Carlos Ibañez (1927-1931 e 1952-1958, além da candidatura em 1938), permeou os meandros dos bastidores da política chilena ao longo deste período. Neste fogo cruzado tivemos alguns interregnos, como o entre 1938 e 1952, quando o comando da Nação foi presidida pelo Partido Radical (Pedro Aguirre Cerda 1938-1941, Juan Antonio Ríos 1942-1946 e Gabriel González Videla 1946-1952) e durante a gestão do Eduardo Frei (1964-1970, da Democracia Cristã), e de Salvador Allende (1971-1973, da Unidade Popular). Apesar das tensões nas disputas políticas, entre 1932 e 1973, as regras institucionais eram respeitadas e os mandatos presidenciais eram preservados. Podemos definir três espectros ideológicos que nortearam a República: direita (Alessandri e Ibañez), centro (Radicais e Frei) e esquerda (Allende). Mesmo com a alternância de poder entre os grupos políticos, uma permanência manteve-se durante toda República Presidencialista: o consenso de que o Estado era necessário para conduzir o desenvolvimento econômico do Chile. Este foi o espírito da época em toda a América Latina: o desenvolvimentismo. O desenvolvimentismo latino-americano sempre foi “travado” porque em determinados momentos a estratégia política do executivo federal não era muito clara e se velava de interesses plutocráticos que impediam o país de dar saltos na construção de um projeto nacional de desenvolvimento mais autônomo. Como afirma Anibal Pinto (1959), o Chile foi um caso de “desenvolvimento frustrado”.

            Durante o primeiro governo de Carlos Ibañez, numa tentativa de reverter os efeitos da Crise de 1929, que havia afetado a produção de salitre, foram criadas algumas instituições de crédito que visavam fomentar a recuperação da economia, como a Caja de Crédito Minero, a Caja de Crédito Carbonífero e a Caja de Colonizacíon Agrícola. Para planejar e ordenar a economia do salitre foram criados a Superintendencia del Salitre y Yodo, o Consejo de Fomento Salitrero e a Compañía de Salitre de Chile. Dentro da estrutura do executivo foram organizados o Ministerio de Fomento e o Consejo de Economía Nacional. O Consejo tinha por objetivo propor estratégias para promover o desenvolvimento industrial e agrícola do país, além de regular o comércio externo (Bernedo, 1989). Em 1934, durante segundo governo de Arturo Alessandri, foi criada a Confederación de la Producción y el Comercio, que estava incumbida de dar prosseguimento a missão do Consejo de Economía Nacional (Martínez, 1989).

            No dia 24 de janeiro de 1939, o Chile foi atingido por um grande terremoto de 7,8º na Escala Richter que deixou um rastro de destruição nas principais cidades do país. O recém presidente empossado Pedro Aguirre Cerda, como medida de emergência para auxiliar a recuperação do país em 29 de abril de 1939, por meio da Lei 6.334, criou a Corporación de Fomento a la Producción (corfo). Mais tarde, em 1941, por meio da Lei 6.640 de 10 de janeiro de 1941, foram redefinidas as atribuições do corfo, que passou a atuar como banco de fomento para diversos ramos da economia. Além de ser acionista de empresas privadas e sócio majoritário de empresas encampadas, a sua maior atuação foi na gestão e no financiamento das grandes empresas estatais chilenas ligadas à indústria de base. A inércia empresarial e a baixa capacidade de acumulação do empresariado nacional, sejam no setor produtivo e financeiro, obrigou o estado chileno a comandar do processo de industrialização. No Chile, o corfo assumiu o papel do “capital financeiro”, a la Hiferding (1985), tal como a Nacional Financiera Sociedad Anónima (nafisa, de 1934) assumiu no México, o Banco Nacional de Desarrollo (banade, de 1944) na Argentina e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (bndes, de 1952) no Brasil.

            Entre as empresas estatais criadas e fomentadas pelo corfo para impulsionar a indústria chilena destacam-se a Empresa Nacional de Electricidad (endesa), em 1944, a Compañía de Acero del Pacífico (cap), em 1946, a Empresa Nacional del Petróleo (enap), em 1950, o Banco del Estado de Chile, em 1953, a Industria Azucarera Nacional (iansa), em 1953, a Empresa Nacional de Minería (enami), em 1960, e, por fim, a maior de todas, a codelco. Mesmo antes deste período de ampliação das funções do estado, o Chile já acumulava alguma experiência de criação de empresas públicas que surgiam para atender demandas em expansão ou ocupar lacunas deixadas pelo setor privado, como o Servicio de Correos y Telégrafos, em 1852, a Empresa de los Ferrocarriles del Estado (efe), em 1884, a Empresa Nacional del Carbón (enacar) em 1921, e a Compañía de Salitre de Chile, em 1930 (Ortega, 1989).

A nacionalização do cobre chileno encerrou uma longa batalha entre o estado chileno e as grandes companhias multinacionais. O ciclo do cobre iniciou nos anos de 1930 e continuou nas décadas seguintes aumentado largamente a sua produção, mas trazia pouco retorno para a economia nacional (Aguirre, 1971). A intenção de criar a codelco era fazer dela a empresa indústria motriz no processo de industrialização do Chile com amplo apoio do corfo. Um dos setores que seria beneficiado seria a navegação nacional de cabotagem e longo curso

            Como primeira experiência na elaboração de um plano de abrangência nacional, em setembro de 1939, o corfo aprovou o Plan de Fomento Industrial, que previa a liberação imediata de crédito para recuperar e estimular o crescimento da indústria de bens de produção, de bens de consumo não duráveis, a indústria química e o setor de transportes (Corporación de Fomento a la Producción, 1939). Em novembro do mesmo ano, foi apresentado o Plan de Accion Inmediata de Comercio y Transporte que tinha como meta a construção de armazéns frigoríficos e gerais localizados junto aos portos, melhoramentos das vias de comunicação, apoio ao turismo e desenvolvimento da marinha mercante nacional. Para marinha mercante estava previsto o financiamento para a compra de quatro novas embarcações para operarem nas linhas em direção à Europa, Nova York, Brasil e Argentina; além de dois novos petroleiros e três cargueiros para a cabotagem regional (Corporación de Fomento a la Producción, 1940).

            Durante a República Presidencialista o setor naval chileno também fez parte da estratégia nacional de industrialização. Nos anos de 1920, o Chile tinha uma frota naval mercante considerável com a presença de várias companhias privadas que executavam a cabotagem interna e o longo curso. Entre os armadores que faziam o longo curso, a csav era a maior de todas, e mantinha quatro barcos numa linha regular até os Estados Unidos e toda a sua frota, no ano de 1924, alcançava 18.420 toneladas. Nos anos de 1940, a companhia comprou novas embarcações apara atender a linha com os Estados Unidos, além de providenciar a abertura da linha com a Europa. Outra importante companhia, criada em 1930, foi a Compañía Chilena de Navegación Interoceánica (ccni), com base em Punta Arenas, e estava voltada para atender os portos do atlântico sul e pacífico sul. Começou operando com três navios, mas dobrou a sua frota nos anos de 1940, ultrapassando a csav em toneladas. A Compañía Muelles Población Vergara, criada em 1901, nasceu a partir de uma empresa de armazém em Viña del Mar e operava nos anos de 1940 com quatro barcos. Em 1948, a Vergara era o terceiro maior armador do Chile com uma frota de 18.134 toneladas (Eguiguren Rozas, y Grez Matte, 1946). Na Quadro 2 podemos observar a distribuição dos principais armadores nos anos de 1924, 1936 e 1948, por tonelada líquida.

 

Quadro 2: Principais armadores chilenos, em toneladas (anos selecionados)

Armadores

1924

1936

1948

Compañía Sud Americana de Vapores (csav)

18.420

13.553

22.847

Gonzáles Soffia & Co.

15.723

-

-

Sociedad Anónima Comercial Braun y Blanchard

12.813

4.682

-

Bórquez y Cia.

5.506

-

-

Sociedad Marítima y Com. R. W. James y Cia.

3.777

3.274

-

Sociedad Anónima Ganadera y Com. Menendez Behety

3.228

5.271

-

Sociedad Nacional de Buques y Maderas

2.326

-

-

Próspero Duran (ancud)

1.806

-

-

Sociedad Anónima Marítima Chilena

-

4.821

-

Sociedad Anónima C. Torres y Ward

-

2.608

-

Compañía Chilena de Navegación Interoceánica (ccni)

-

12.522

30.356

Compañía Muelle Población Vergara

-

-

18.134

Compañía Carbonífera Frederico Schwager

7.152

7.866

13.746

Empresa Marítima del Estado (empremar)

-

-

9.818

Haberbeck y Skalweit

-

6.080

6.371

Sociedad Minera e Industrial de Lota

6.720

5.337

4.259

Martínez, Pereira y Cia.

-

199

3.725

Compañía Naviera Chilena del Pacífico

-

-

1.627

Germán Oelckers y Cía. (Puerto Montt)

1.321

2.772

1.483

Fonte: Asociación Nacional de Armadores, 1989.

 

            Após o início da prospecção do petróleo em Magalhães em 1945, o estado chileno tratou de criar e apoiar a montagem de uma infraestrutura integrada para dar início a extração, refino e transporte dos derivados de petróleo no país. Em 1943, a Compañía de Petróleos de Chile, uma distribuidora de combustíveis chilena, fundou a Sociedad Anónima de Navegación Petrolera (sonap), que nasceu voltada para atender as demandas da Esso e Shell, mas que, em função do aumento da produção de petróleo nacional, passa atender a enap. Em 1957, a ccni adquiriu 50% das ações da sonap, e o restante das ações foi distribuído entre o corfo, a Shell e a Esso. Em 1965, a sonap era a segunda maior companhia de navegação do Chile, com 98.600 toneladas, perdendo apenas para a csav e torna-se a grande referência da frota petroleira do Chile (Ultramar, 2012).

            No transporte de cabotagem havia inúmeras pequenas e médias companhias que passaram a ser beneficiadas pela nova lei de proteção da navegação interna de 1922. Entre as maiores se destacavam a Martínez, Pereira y Compañía, que operava com cinco barcos e a Compañía Haverbeck y Skalweit, com quatro barcos. No transporte de mercadorias especializadas havia a Flota Carbonera de Lota y Schwager, para transporte de carvão, que atendia as demandas da empresa estatal enacar, e a Flota de la Compañía Siderúrgica Acero Pacífico, que atendia especificamente o transporte de aço da estatal cap (Eguiguren Rozas, y Grez Matte, 1946). Portanto, havia uma estreita relação entre a navegação privada chilena com o estado, seja por meio de subvenções, proteção, fretes garantidos ou financiamento.

            Em 1938, como objetivos de integrar a navegação entre Puerto Montt a Punta Arenas, a Empresa de los Ferrocarriles del Estado (efe) criou o Servicios Marítimos de Ferrocarriles del Estado, a Ferronave, que contava com quatro barcos. Nos anos seguintes os serviços foram ampliados para atender as ilhas de Chiloé e Aysén. Com o objetivo de integrar todo o território chileno e preencher as lacunas deixadas pelas companhias privadas, e dentro do “espírito da época” de ampliação das funções do estado, em 1953, no governo de Carlos Ibañez, foi criada a Empresa Marítima del Estado (empremar), que incorporou todo o patrimônio da ferronave. Sendo uma empresa estatal, e com apoio do corfo, a empremar rapidamente ampliou sua frota. A primeira renovação ocorreu em 1956, com a compra de um navio graneleiro e cinco navios menores. No ano seguinte chegaram mais três novas embarcações e, em 1961, outras quatro. Com uma frota composta de 13 embarcações a empremar além da cabotagem também realizava o serviço de longo curso. No início dos anos de 1970, a empresa se consolidava como a segunda maior companhia de navegação do Chile, ficando atrás apenas da csav em número de navios (Quadro 3). O Chile consolidava-se como uma Nação marítima.

            Pós-1930, o ciclo do cobre gerava volumes consideráveis de produção e recursos e abria oportunidades para a ampliação do setor naval nacional. Porém todo transporte de cobre era feito por companhias estrangeiras direto do porto de Antofagasta para Estados Unidos, Europa e Japão. A frota naval chilena era incapaz de atender as demandas da mineração do cobre, cujo volume transportado ultrapassava a capacidade dos navios chilenos. Além do mais, deveria se levada em consideração que os navios que saiam de Antofagasta carregados de cobre retornavam vazios. O alto custo do retorno era insuportável pelas empresas chilenas.

            Além das oportunidades perdidas pela exportação do cobre, os estaleiros chilenos também não conseguiam atender a renovação da frota chilena. Empresas com csva, empremar, ccni e sonap ao longo dos anos de 1940, 1950 e 1960, com apoio do corfo, foram realizando encomendas de novas embarcações junto a estaleiros estrangeiros. Tal como no século xix, a construção naval chilena, que se concentrava ao lado dos principais portos, conseguia atender apenas as encomendas advindas da indústria da pesca, da marinha e da cabotagem de pequeno porte. Também havia uma especialização em reparos navais em alguns diques flutuantes e seco, como em Talcahuano e Valparaíso. Segundo Wood (1969), a frota pesqueira em 1965 era composta 7.000 embarcações, sendo que 430 pertenciam à frota industrial com mais de 10 toneladas. Deste total, 305 foram construídos em estaleiros chilenos, sendo que 70% eram com casco de aço e o restante de madeira. A construção destes barcos de pesca de aço foi possível ser executado em função da entrada em operação da cap, que já podia fornecer placas de aço para a indústria naval.

            Após a promulgação da lei de proteção a cabotagem nacional em 1922, a indústria da construção naval chilena recebeu um impulso devido o aumento das encomendas feitas pelos armadores nacionais para a construção de embarcações de médio porte, além da procura pelas oficinas para fazer os reparos navais. Valparaíso, Talcahuano, Valdívia e Punta Arena consolidavam-se como os principais centros navais. Em Valparaíso destacava-se os diques flutuantes do Astillero Las Habas, o Astilleros de Frederico Schoess e o Astillero de Harold Germer y Cia, além das inúmeras oficinas e casas comerciais que forneciam peças e equipamentos para o “complexo naval” da região. Em Talcahuano, operavam dois diques secos que recebiam embarcações de médio e grande porte. Em Punta Arenas havia o estaleiro Sociedad Braun y Blanchard que era proprietária do Astillero Miraflores e do Taller Minerva. Em 1941, ambos são vendidos para a ccni, que passa atender as demandas da própria companhia (Beros, 1995; Contreras, 1945; Llanos, 1996).

            Além da ccni, que montou seu próprio estaleiro para realizar os serviços de reparos em suas embarcações, a csav também dispunha de um dique flutuante em Valparaíso; a empremar realizava seus reparos no dique Angelmo em Puerto Mont; em Valdívia, a Compañía Naviera Haverbeck y Skalwet contava com um ancoradouro para navios de até 105 toneladas e oficinas mecânicas; em Lota, a Compañía Carbonífera e Industrial de Lota contava com dois ancoradouros e instalações mecânicas para realização dos reparos nas embarcações; e por fim, em Antofagasta, a Ferrocarril de Antofagasta a Bolivia, a Lautaro Nitrate Company e a Compañía Inglesa de Vapores também possuía suas próprias oficinas de reparo (Contrenas, 1945).

            Mesmo contando com a presença de inúmeros estaleiros para construção e reparação de embarcações, a indústria naval chilena era incapaz de atender as grandes encomendas das companhias de navegação, que optavam pela compra de navios usados no exterior. Para o Chile desenvolver uma indústria naval pesada o problema central residia na falta de oligopólios nacionais e do capital financeiro. Havia uma acumulação horizontal e extensiva de capital que era diluída em inúmeros estaleiros, mas não havia um comando centralizado em poucos e grandes estaleiros. O corfo atendia várias demandas de financiamento e não podia focar-se apenas na marinha mercante e na construção naval.

            Mesmo em Valparaíso, o maior estaleiro da região, o Las Habas, era incapaz de construir navios graneleiros e cargueiros. Outro elemento que travava o desenvolvimento de uma indústria da construção naval pesada era a falta de insumos junto ao mercado nacional, principalmente do aço e equipamentos elétricos. A importação de ambos era inviável e aumentaria muito os custos da produção. Somente com a entrada em operação da cap, em 1950, com a oferta de aço no mercado interno, que seria possível pensar numa indústria naval pesada. A saída mais viável seria pôr em marcha um processo de centralização de capital com a formação de poucos estaleiros (privado ou estatal) ou incentivar a instalação de um grande estaleiro estrangeiro. Do ponto de vista financeiro, a solução seria criar um fundo de financiamento específico vinculado a uma contribuição para-fiscal que incidisse sobre o movimento portuário e nos serviços de fretes. Este fundo, administrado pelo corfo, seria o “capital financeiro” do setor naval, que financiaria os armadores nas aquisições de novas embarcações junto aos estaleiros chilenos. Havia demandas advindas dos armadores, porém a estrutura da oferta era restringida por entraves financeiros e técnicos, ou seja, a falta do capital financeiro, do oligopólio nacional inovador e do comando estatal centralizado.

            Nos meados do século xix os estaleiros chilenos começaram a construir barcos de madeira. No final do xix e início do xx foi feita a transição da madeira para o ferro com relativo grau de dificuldade. Porém, a entrada definitiva na indústria naval pesada fundado no aço e na eletromecânica, só poderia ocorrer após internalização no território chilena da indústria de bens de produção.

            O primeiro navio de aço construído no Chile, sob encomenda da armada para prestar serviços aos faróis, foi lançado ao mar em 1901, pelo estaleiro Lever, Murphy & Co, em Viña del Mar. Contava com 800 toneladas e motor de 400 hp e chamava-se Meteoro. O segundo barco, também sob encomenda da armada, foi concluído em 1929 pelo estaleiro Alberto Daiber & Co localizado em Valdívia. Batizado com o nome de Abelardo Rojas, ficou em operação por pouco tempo, quando em 1935 foi incendiado. Neste mesmo estaleiro a armada contratou a construção de dois rebocadores de 790 toneladas e uma escampavia (navio costeiro), o Águila, de 1.026 toneladas, que nunca chegou a ser concluído, pois foi atingido por torpedos submarinos durante a Segunda Guerra Mundial (Contreras, 1945). Em 45 anos somente dois navios e dois rebocadores com base no aço foram construídos por estaleiros chilenos, o que revela a baixa capacidade técnica da restringida indústria nacional.

            Para iniciar este processo de centralização vertical no setor naval produtivo, por meio do Decreto Supremo nº 59 de 17 de julho de 1952, durante o governo de Gabriel González Videla, a marinha chilena expropriou todas as instalações do Varadero Miraflores e do Talles Minerva, em Punta Arenas. O passo seguinte, no governo de Jorge Alessandri, foi dado por meio da promulgação da Lei 321 de 6 de abril de 1960, que criou o Astilleros y Maestranzas de la Armada (asmar), tendo como ponto de partida a planta industrial em Punta Arenas e os Arsenais da Marina com suas instalações de darsenas, diques secos e flutuantes e oficinas. A criação da asmar, de propriedade da marinha chilena, inicialmente foi uma tentativa de criar uma indústria naval pesada para atender as demandas da marinha de guerra e mercante, porém, a opção das Forças Armadas do Chile, foi concentrar os esforços da asmar na construção e reparos de embarcações militares. Na trajetória de formação da asmar, foram incorporados os diques secos em Talcahuano e encampado o Astillero Las Habas em Valparaíso, transformando-se no maior estaleiro chileno, que visava dar autonomia à armada nacional.

            Neste bojo de expropriação do Varadero Miraflorese do Talles Minerva em 1952, da criação da empremar em 1953, e da formação da asmar em 1960, durante o governo de Carlos Ibañez, foi promulgada a Lei 12.041 de 26 de junho de 1956, que reforçava a proteção a cabotagem nacional e garantia 50% do comércio externo (exportação e importação) para companhias chilenas. Este novo ordenamento jurídico tinha como objetivo, além de proteger o mercado interno, fomentar o crescimento da marinha mercante e estimular a construção naval. Diversas vezes esta lei foi evocada para definir novas estratégias da política naval chilena, porém a realidade da frota naval nacional estava muito aquém do potencial mercantil do país. O cobre ainda continuava sendo transportado por companhias estrangeiras, e no geral, todo comércio externo era realizado em torno de 7% a 10% pelas companhias chilenas (Armada de Chile, 1959; Paredes, 1964)

            No Gráfico 3 podemos acompanhar a evolução da marinha mercante chilena, em número de navios e toneladas líquidas entre 1923 a 1962, que abrange o período de proteção a cabotagem (pós-1922) e a garantia dada os aradores nacionais em participarem em até 50% do comércio externo (pós-1956). A queda constante no número de navios está associada ao aumento da capacidade do volume transportado por navios, que levou a uma diminuição no número de embarcações. Este movimento ocorreu com mais clareza a partir de 1950, quando caiu o número de navios, mas aumentou a tonelagem líquida, ou seja, a renovação da frota e a consolidação das companhias de navegação permitiu o Chile qualificar sua marinha mercante. A presença dos quatro maiores armadores, csav, ccni, empremar e sonap, abria a possibilidade de o Chile inaugurar uma nova fase no setor naval.

 

Gráfico 3: Evolução da marinha mercante chilena, 1923-1962 (toneladas e navios)

Fonte: Asociación Nacional de Armadores, 1989

 

            Em 1960, durante o governo de Jorge Alessandri, o corfo elaborou o primeiro Programa Nacional de Desarrollo Económico para os anos de 1961 a 1970, que tinha um caráter global e se desdobrava em vários planos setoriais (Carvajal, 1986). No governo de Eduardo Frei, que era mais intervencionista, foi elaborado uma série de planos nacionais de desenvolvimento para diversos setores da economia, sendo todos coordenados pelo corfo e pela Oficina de Planificación Nacional (odeplan) (Ahumada, 2009). Para o setor naval o governo elaborou a Política Nacional de Transporte Marítimo 1964-1974 que estabelecia a meta de aumentar a frota nacional de 322.000 tpb (toneladas de porte bruto) em 1961 para 480.000 em 1970, ou seja, 158.000 tpb no período (Wood, 1969).

            Para dar início a esta nova etapa da política naval centralizada, em 1961 foi apresentado no Senado um projeto de lei que criaria a Corporación de Fomento de la Marina Mercante Nacional (corfomar), uma tentativa de criação de um fundo financiador para os armadores chilenos fazerem suas encomendas junto aos estaleiros locais (Paredes, 1964). Os objetivos do corfomar eram os seguintes:

·         Impulsionar a criação de um ou mais estaleiros nacionais;

·         Formar uma grande frota mercante estatal e frotas menores para trafego regional;

·         Realizar uma política coordenada associada com o corfo, a empremar e a asmar para a utilização conjunta dos recursos (Chile, 1967).

 

Esta tentativa já havia sido implementada com a Lei 3.500 de 21 de fevereiro de 1919, que criou a Caja Hipotecaria de Crédito Naval, que autorizava fazer empréstimos de até 40% para armadores que fizessem encomendas para construir novas embarcações no mercado interno (Fernández, 1950). Ambas, nem a Caja nem o corfomar, foram executado. No caso específico do corfomar, faltou se aprovado no congresso nacional e vinculá-lo a uma contribuição para-fiscal.

            O Quadro 3 traz um panorama pontual do perfil da frota mercante no ano de 1961. No serviço de transporte exterior a frota era composta por 14 navios e transportava 10,0% de toda carga exportada e importada, ou seja, ainda havia um grande espaço para o crescimento. Entre a frota especializada, o país contava apenas com três petroleiros, porém o horizonte futuro era promissor haja vista o crescente volume da prospecção de petróleo em Magalhães. Estes eram os desafios expressos na Política Nacional de Transporte Marítimo, que iria exigir mais recursos do corfo e tomada de decisão mais “nacionalista” dos próximos governos.

 

Quadro 3: Composição da frota mercante chilena em 1961

Frota

Número de navios

tpb

Participação (em %)

Estatal

13

34.804

10,50

Privada

53

296.510

89,50

Total

66

331.314

100,00

Cabotagem regional

13

10.353

3,12

Serviço exterior

14

112.255

33,88

Cabotagem total

28

62.894

18,98

Especializada

Metal

3

47.046

14,20

Carvão

5

32.540

9,82

Petróleo

3

66.226

19,99

Total

11

145.812

44,01

Fonte: Paredes, 1964.

 

            O governo de Eduardo Frei acirrou algumas contradições na sociedade e na economia chilena que exigia do estado uma postura mais intervencionista seja nas áreas sociais ou na economia. Citamos dois exemplos: a lei de reforma agrária e da nacionalização do cobre. Ambas foram aprovadas e apoiadas por Frei, porém não foram implementadas, deixando esta tarefa para o próximo governo. A instabilidade no crescimento econômico durante a década de 1960 engessava o estado chileno em perseguir de forma contínua e estável uma trajetória planejamento e de gasto público. Mesmo assim, o corfo e a odeplan foram muito atuantes no sentido que coordenar e financiar o “projeto de industrialização nacional” que daria cada vez mais autonomia econômica para o Chile. Na verdade, o Chile estava executado as políticas desenvolvimentistas defendidas pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe e que eram replicadas do Brasil, México e Argentina, com as especificidades de cada país.

            No Programa Basico de Gobierno de la Unidad Popular, que elegeu o socialista Salvador Allende em 1970, estava previsto que o transporte aéreo, ferroviário e marítimo seria nacionalizado, pois, junto com energia, petróleo, gás, siderurgia, química pesada e papel e celulose, eram considerados atividades estratégicas para o desenvolvimento econômico e social do país (Unidad Popular, 1970). Em boa medida, as grandes empresas deste setor já pertenciam ao estado, no entanto, a intenção era alargar ainda mais as funções econômicas e produtivas do estado. No transporte ferroviário a efe já controlava todo setor, no aéreo a Línea Aérea Nacional de Chile (lan) era a maior companhia do país e na marinha mercante, a empremar estava entre os maiores armadores do país.

            A promessa foi cumprida e o estado, por meio do corfo e da odeplan, coordenou a ampla nacionalização e estatização de vários setores da economia. Estas medidas consideradas populares para os trabalhadores e ameaçadoras para os capitalistas, fazia parte de meta de construir o socialismo democrático no Chile. Foram estatizadas as seguintes companhias de navegação: ccni, csav, Compañía Naviera Arauco, Empresa Marítima del Sur, Compañía Marítima Técnica e a Sociedad de Transporte Marítimo Chiloé-Aysén. E os seguintes estaleiros: Astilleros Ahrend, Astilleros del Norte e Astilleros Marco Chilena (Chile, 2004).

            O resultado desta política é amplamente conhecido: a instabilidade política e crise econômica. O desfecho final veio com o golpe militar de 11 de setembro de 1973 que instalou no país uma das mais cruéis ditaduras da América Latina sob o comando do General Augusto Pinochet.

 

Quadro 4: Evolução da marinha mercante chilena (1963-1973)

Ano

Navios

Tonelada líquida

tpb

1963

60

152.781

351.016

1964

64

156.732

360.803

1965

56

154.459

356.785

1966

54

148.197

340.167

1967

51

142.191

326.621

1968

52

137.820

317.676

1969

52

145.155

328.833

1970

56

191.558

468.479

1971

57

233.213

550.346

1973

53

209.099

518.219

Fonte: Asociación Nacional de Armadores, 1989.

 

            Na Quadro 4 podemos observar a trajetória do setor naval chileno durante os governos de Eduardo Frei e Salvador Allende. Como previsto na Política Nacional de Transporte Marítimo, a meta para o ano de 1970 (480.000 tpb), foi quase atingida, chegando a 468.479 tpb. Portanto, apesar com a instabilidade econômica, o corfo e a odeplan, associados às grandes companhias de navegação, estavam alcançando seus objetivos no sentido de ampliar a frota mercante nacional, mesmo ficando aquém da meta de 50% do comércio externo previsto na lei de 1956. No último ano do governo Allende, a frota nacional chegou a 518.219 tpb, um aumento de 47,6% numa década.

            No Quadro 5 temos o panorama do setor naval chilena distribuído pelas principais companhias de navegação no ano de 1964 e 1972. Destaca-se a presença da empremar, que passou de 9 para 16 navios (aumentando mais de 100.000 tpb), a csav, de 10 para 12 e a queda da cnni de 8 para 2 navios. A frota petroleira foi renovada com a aquisição de novos e modernos navios, elevando o tpb de 95.895 em 1964 para 215.088 em 1972. No geral, houve uma queda no número de embarcações, mas aumentou em tpb, o que significa que o porte dos navios estava aumentando em cada renovação. A nacionalização dos maiores armadores estava construindo o caminho da soberania econômica.

 

Quadro 5: Panorama geral da frota mercante chilena, 1964 e 1972

Armadores

Unidades

tpb

Idade média dos navios (anos)

1964

1972

1964

1972

1964

1972

Estatal

 

 

 

 

 

 

Empresa Marítima del Estado (empremar)

9

16

24.800

126.784

12,8

6,0

Armada de Chile

3

5

22.853

41.873

9,5

13,4

Corporación de Fomento de la Producción (corfo)

1

9,0

Parcial estatal

13

21

47.653

168.657

11,3

8,0

Privados

Compañía Sud Americana de Vapores (casv)

10

12

110.524

156.066

11,5

10,8

Sociedad Anónima de Navegación Petrolera (sonap)

4

5

95.895

215.088

11,6

10,2

Naviera Coronel

3

2

24.072

18.680

22,6

24,0

Compañía Chilena de Navegación Interoceánica (ccni)

8

2

60.760

16.170

10,8

17,6

Martínez, Pereira y Cia sa

6

3

14.351

6.754

14,4

16,5

Transmares Naviera Chilena

1

4.650

19,0

Naviera Interoceangás sa (nisa)

2

1

3.764

2.174

1,4

9,0

Outros

6

32.774

Parcial privados

39

26

342.140

419.582

12,1

11,6

Total

62

47

389.793

588.239

12,9

10,5

Fonte: Instituto de Estudios de la Marina Mercante, 1964 y 1972.

 

Considerações finais

 

No Chile, a exemplo de outros países latino-americanos, o projeto de desenvolvimento nacional foi “travado” e enfrentava resistência no seio da elite dominante, pois suas estratégias não eram claras e não se convertiam em consenso nacional. Para o projeto seguir adiante seria necessário enfrentar os problemas cruciais do processo de desenvolvimento por meio do alargamento das funções do estado na economia e na sociedade. Fazia-se a “fuga para frente”, acomodando os interesses patrimoniais optando sempre pela “linha de menor resistência”. Quando se optou em fazer os enfrentamentos necessários e construir uma nova política econômica, pós-1970, o país foi assolado por uma crise institucional que levou ao golpe de 1973.

            Manter uma marinha mercante renovada e uma indústria da construção naval pesada com autonomia exigiria que o estado chileno assumisse o comando do processo de acumulação. Como por exemplo, ampliando ainda mais a empremar e centralizando os demais armadores numa única empresa. Outra medida mais ousada seria obrigar que todo cobre fosse transportado apenas por armadores nacionais. Com relação à limitada capacidade de financiamento, o problema seria resolvido com a criação de um fundo de empréstimos alimentado por contribuições para-fiscais. Por meio de empréstimos cedidos pelo corfo (que seria o responsável pela administração deste fundo) os armadores renovariam suas frotas adquirindo embarcações nos estaleiros chilenos. A concentração na indústria naval deveria ser comandada pela asmar que passaria a atender também à marinha mercante.

            Na periferia o capitalismo nacional tem limites para avançar. O avanço ocorre na margem. As fronteiras são definidas pelos interesses do capital externo, que tem a complacência das elites locais.

 

 

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[i] Doutor em Economia/Unicamp, Pós-doutorado Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Professor da unesc/ppgds. Professor Visitante da Universidad de Alicante. Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica - abphe