Marson, Michel Deliberali. Origens e Evolução da Indústria de Máquinas e Equipamentos em São Paulo: 1870-1960. São Paulo: Annalube, 2017

 

 

O livro reproduz, com pequenas modificações, da tese de doutorado do autor, defendida na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (usp), Brasil. Seu objeto é a evolução da indústria de máquinas e ferramentas em São Paulo, o mais importante estado brasileiro no qual o setor era e ainda é o mais relevante do país. O vasto período abrangido, de quase um século, não prejudicou a profundidade das análises. Ao contrário, permitiu que o autor acompanhasse, passo a passo, a formação da indústria de máquinas e equipamentos, relevante segmento do que convencionalmente se entende por bens de capital.

O primeiro capítulo resgata a importância teórica e histórica da industrialização e da indústria de máquinas para o crescimento econômico no continente europeu e, a seguir, no Brasil. Os capítulos seguintes seguem a periodização que abrange “As Origens” (1870-1919), “As Transformações” (1920-1939) e, finalmente, um capítulo dedicado a dois estudos de caso: as indústrias Dedini e Romi entre 1920 e 1960, abordando sinteticamente desde suas estruturas administrativa e financeira até a inserção no mercado e os desafios por elas enfrentados.

Na impossibilidade de arrolar todos os méritos do trabalho, aqui serão enfocados dois aspectos que robustecem sua qualidade.

Em primeiro lugar, a pesquisa feita em fontes primárias e secundárias, as quais abrangem almanaques (registro precioso de informações no período), censos, boletins oficiais, catálogos e anuários. Com isso, foi possível reconstituir dados - arrolados no apêndice do trabalho – tanto gerais (como importação e exportação de máquinas) quanto mais específicos, como resumo das principais contas dos balanços patrimoniais e o nome das empresas registradas na Junta Comercial, com seu respectivo capital. Estes consolidam informações que podem facilitar futuros pesquisadores que venham se debruçar sobre o tema.

Em segundo lugar, o fato de o autor sempre dialogar com a literatura já existente, exigência indispensável em trabalhos acadêmicos. Não se pode esquecer que o período de análise compreende duas guerras mundiais e a Grande Depressão da década de 1930, temas sobejamente analisados na historiografia econômica brasileira. Por isso, foi importante a opção de, em cada um desses períodos “cruciais” ou de “inflexão”, reler como a literatura existente os interpretou, principalmente ao que diz respeito à indústria. Como seu objeto era um segmento desta, foi possível verificar se as principais variáveis do setor de máquinas e equipamentos acompanharam o desempenho do conjunto – principalmente dos segmentos considerados “tradicionais” ou “naturais”, na época responsáveis por mais de três quartos do valor agregado industrial, quais sejam, os de bens de consumo-salário, como alimentos, têxtil, vestuário e bebidas. Em adição, robustece o trabalho a preocupação de investigar também as origens do empresariado do setor, enfrentando as clássicas questões sobre o papel do “burguês imigrante” e da diversificação dos investimentos dos cafeicultores. É particularmente interessante seu reforço à tese de que os fazendeiros contribuíram mais na compra de ações, que as empresas iniciais eram fundamentalmente de pequeno porte, e, também, o registro de novo tipo de empresas, as sociedades anônimas, após a Primeira Guerra Mundial.

A tese evita a polaridade que envolveu o debate da origem da indústria brasileira na segunda metade do século xx, sumariamente simplificado como as concepções atinentes a “choques adversos” (as crises como indutoras do crescimento) ou “indução pelas exportações” (associando-o ao bom desempenho do setor exportador). É inconteste, após sua leitura, que havia um setor de máquinas e equipamentos não desprezível em São Paulo já antes de 1930, o qual veio gradualmente se constituindo desde o século xix e foi afetado negativamente com a I Guerra e nos primeiros anos da década de 1930. Todavia, reforçando a clássica interpretação de Celso Furtado ([1959] 1977) em Formação Econômica do Brasil, já a partir de 1932 o setor começou a se recuperar, inclusive aumentando sua participação relativa na produção industrial. Já o comportamento da produção doméstica em relação à oferta total de máquinas caiu entre 1932-33, mas se recuperou nos anos seguintes, após ter praticamente dobrado (de aproximadamente 30% para 60%) entre 1929 e 1932.

De forma polida, o autor na “Introdução” da tese salienta que a mesma irá contrapor-se às análises segundo as quais o setor de bens de capital é tardio na economia brasileira; que deveria ser fundamentalmente de tecnologia avançada desde o começo, logo, só possível de ser atendido por empresas estrangeiras de tecnologia avançada; que a reversão só ocorreria com o Plano de Metas (1956); e que, finalmente, as mesmas negligenciam o processo de aprendizagem industrial que “resultou em uma indústria diversificada e relativamente avançada para um país periférico como o Brasil já em meados do século xx”. Todos esses objetivos foram atingidos no trabalho.

Todavia, o autor, talvez por modéstia ou polidez, preferiu não explicitar que sua tese coloca em questão a visão largamente aceita, formulada por João Manuel Cardoso de Melo, para quem a industrialização do período de 1933 a 1955 pode ser considerada como “restringida” ao departamento de bens de consumo, e que só a partir de 1955 teria sido implantado, “num golpe, o núcleo fundamental da indústria de bens de produção” (Mello 1982, 110, grifo do autor). Vários autores já haviam se referido à existência de indústria de bens de capital antes de 1955, alguns deles explicitamente mencionado que não era desprezível, o que limitaria tanto a caracterização de “restringida” quanto de uma reversão abrupta. Podem-se citar: Versiani e Bastos (1982), Suzigan (1986), Aldworth (1988), Arend (2009), Guerrero (2013) e mesmo este resenhista (Fonseca, 1984 e 1987). Indo além, o presente estudo de Marson avança em várias frentes com relação aos trabalhos anteriores. Mormente, por ter como epicentro o objeto do setor de máquinas e equipamentos, ao esmiuçar seus meandros e acompanhar sua trajetória por quase um século, apoiado em fontes ainda não exploradas, com sólida base empírica e sempre com o cuidado de evitar generalizações apressadas, além das que os dados poderiam fornecer. Enfim, é uma tese que contribui, incita o debate e faz diferença no avanço dos estudos de história econômica brasileira.

 

Pedro Cezar Dutra Fonseca

Universidade Feral do Rio Grande do Sul (ufrgs)

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (cnpq)

pedro.fonseca@ufrgs.br

 


 

Bibliografia

 

Aldworth, Rosana. Ensaio crítico à razão endogenista. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 1988.

Arend, Marcelo. 50 anos de industrialização do Brasil (1955-2005): uma análise evolucionária. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 2009.

Fishlow, Albert. “Origens e consequências da substituição de importações no Brasil”. Estudos Econômicos, vol. 2, no. 6, San Pablo, ipe/usp, 1972.

Fonseca, Pedro Cezar Dutra. “A política econômica governamental e os ciclos: reflexão sobre a crise atual”. Estudos Econômicos, vol. 14, no. 2, 1984.

Fonseca, Pedro Cezar Dutra. O discurso em perspectiva e o capitalismo em construção. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, San Pablo, Brasil, 1987.

Fonseca, Pedro Cezar Dutra. Vargas: o Capitalismo em Construção, São Paulo: Brasiliense, 1989.

Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil, San Pablo: Nacional, 1977 [1959].

Guerrero, Glaison. Trajetória e aprendizado tecnológico do setor de máquinas-ferramentas no Brasil. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 2013.

Mello, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. San Pablo: Brasiliense, 1982.

Suzigan, Wilson. Industrialização Brasileira. Origem e Desenvolvimento. San Pablo: Brasiliense, 1986.

Versiani, Flávio y Bastos, Vânia. “The Brazilian machine-tool industry: patterns of technological transfer and the role of government”. International Development Research Centre. Science and Technology Policy Instruments. Manuscript report. Background paper, Ottawa, no. 4, 1982.