Industria, Cultura e Consumo: O Impacto do Fast Fashion na Indústria da Moda Brasileira

 

Industry, Culture and Consumption: The Impact of Fast Fashion on the

Brazilian Fashion Industry

 

 

Sara Albieri [i]

sara@usp.br

 

Ana Paula Nobile Toniol [ii]

nobile.anapaula@usp.br

 

 

Resumo

O presente artigo discute o impacto do processo de globalização nos anos de 1990 na indústria da moda no Brasil. O setor se reorganizou após a internacionalização da economia em torno de uma nova concepção coordenada de produção industrial, consumo e circulação social da moda denominado fast fashion. A ampla adoção do novo modelo levanta questões especificas -criação, reprodução, democratização, identidades- que o situam no entrecruzamento entre a economia e a cultura. A hipótese que orientou a presente investigação é que as transformações que atingem a indústria têxtil brasileira a partir desse período só podem ser adequadamente explicadas pelo reconhecimento da moda rápida enquanto um fenômeno econômico-cultural.

 

Palavras - chave: Indústria da moda; Fast fashion; Economia e cultura

 

Abstract

This article discusses the impact of the 1990s globalization process on the fashion industry in Brazil. This segment was subject to corporate restructuring following the internationalization of the economy in the 1990s by adopting a new model of industrial production and social circulation of consumer clothing articles called fast fashion. The widespread adoption of this new model raises specific issues -regarding the relation of artistic creativity and reproduction, on the democratization of design clothing, on the close association of fashion and the expression of identities- that place it at the crossroads between economy and culture. We argue that the transformations that affect the Brazilian textile industry in this period can only be adequately explained by the recognition of fast fashion as an economic-cultural phenomenon.

 

Keywords: Fashion industry; Fast fashion; Economy and culture

 

 

Recibido: 5 de junio de 2019.

Aceptado: 23 de octubre de 2019.

 

 


O Impacto do Fast Fashion na Indústria da Moda Brasileira

 

A indústria têxtil, nos anos 1990, foi marcada por uma nova e importante estratégia empresarial, que promoveu uma ruptura na cadeia produtiva, denominada fast fashion (Erner, 2005). O chamado circuito curto, ou quick response system, nasce no Sentier, um bairro de Paris com pequenos comerciantes do setor têxtil, os quais começam sua produção tardiamente, após a confirmação de algumas tendências de moda, a fim de evitar quaisquer erros na coleção e consequente perda nas vendas. O sistema fast fashion é a resposta da indústria a tal aceleração da moda. Trabalha com quantidade planejada e limitada de produtos visando não só a redução de perdas em vendas, mas também estimular o consumo por meio da diversificação com que o produto é levado ao varejo. O fast fashion estabeleceu a diferença no fato de que o ciclo criação/produção/consumo não é atravessado duas vezes ao ano, mas continuamente, com fluxos que chegam a ser quinzenais (Cietta, 2010: 80).

Esse sistema é responsável pela aceleração e aumento da demanda pela criação de novos produtos na indústria. O consumo é a engrenagem do fast fashion e, para despertar o desejo de compra do consumidor, os produtos disponíveis nos pontos de varejo são renovados quinzenalmente. Para tanto, é necessário um planejamento acelerado na criação de novos produtos que permita a fluência e a continuidade desse sistema de produção.

A partir da criação de um tema são elaboradas minicoleções que envolvem desde a escolha de cores, tecidos e até estampas, de forma que os produtos sejam coordenados entre si e o consumidor tenha a percepção de uma harmonização das tendências de moda na área de vendas. As produções temáticas englobam produtos como calças, shorts, saias, blusas e acessórios, produzidos em diversas indústrias, cada qual com a sua especificidade de matéria-prima, porém distribuídos para as lojas ao mesmo tempo. Essa estratégia garante uma oferta diversificada de produtos e sugere ao consumidor o impulso de adquirir uma composição visual completa e coordenada.

As tendências de moda e a forma como elas são transmitidas e comunicadas ao consumidor são o fio condutor desse sistema. Os fatores essenciais para que o conceito de fast fashion fosse criado foram: a globalização da informação de moda, informatização, desenvolvimento tecnológico, aceleração da demanda, aumento da quantidade de nichos de mercado, e busca por produtos individuais (Caldas, 2004: 64).

O marketing, a publicidade e a mídia em geral também cumprem um papel fundamental na definição estratégica dos lançamentos de roupas e acessórios em grande escala. São responsáveis por alimentar a identificação positiva do consumidor e a administrar a preferência do consumidor via propaganda intensiva (Durand, 1988: 95).

Contudo, o fast fashion não é apenas um fenômeno econômico, que encontrasse explicação suficiente nos caminhos da indústria têxtil e de confecção. Enquanto vestuário, está também intrinsecamente ligado à cultura, que passa a ser um componente relevante e mesmo indispensável para análise.

 A moda como manifestação cultural tem sido objeto de análises críticas bem antes do advento da criação associada à resposta rápida. Quando aplicado à moda, o conceito de cultura deve abranger múltiplos aspectos, enquanto descrição de um modo particular de vida que exprime certos significados e valores, não só na arte e no saber, mas também nas instituições e no comportamento habitual (Barnard, 2003:62). Nesse sentido, inclui o comportamento das pessoas comuns, no cotidiano. Uma roupa diz algo sobre quem a veste e o meio em que vive. A moda é um produto cultural na medida em que o seu “valor” é ligado ao “contexto” em que é consumido. O papel desempenhado pelo consumo na conceituação cultural da moda permite compreender o fast fashion no âmbito do mesmo aparato teórico. O consumo de moda, altamente promovido pelo fast fashion, em todos os casos possui um significado que é sempre relativo a um indivíduo, a um lugar, a um tempo, a um contexto social.

Em estudo sobre diferenciação entre classes sociais e estilos de vida, Bourdieu (1989:102), ressalta que a roupa que usamos expõe nossas diferenças sociais e econômicas. A moda se revela na diferenciação e incorpora, através das diferenças, um referencial simbólico. Muitas dessas diferenças acabam refletidas pela organização sistemática dos espaços sociais em que os produtos difundidos devem ser consumidos. “Essa ordem”, por sua vez, “estrutura a vida dos consumidores e prescreve comportamentos e modos de percepção adequados a cada situação” (Canclini, 2003:301).

Atualmente, podemos dizer que a roupa traz significados que vão além de traduzir a posição social, mas enfatiza a definição do indivíduo simplesmente como pertencente à determinado grupo, e tem por objetivo comunicar uma versão pessoal da cultura, ou seja, práticas e atividades que compõem uma construção simbólica, que definem um indivíduo na sociedade de consumo.

Sob esse ponto de vista, a cultura é “o sistema significante através da qual uma ordem social é comunicada, reproduzida, experimentada, explorada” (Williams, 2008:13). A moda deve ser considerada como prática significante da vida cotidiana (juntamente com as artes, o jornalismo, a publicidade, por exemplo), que irão fazer da cultura um sistema geral de significados cambiantes, onde se produzem e reproduzem as identidades de grupos sociais.

A moda, tradicionalmente -e notadamente a partir do fast fashion é o elemento que marca a mudança comportamental do corpo e introduz, através do elemento “novo”, mudanças nos padrões do comportamento tradicional instituído há certo tempo e que aos poucos se tornou um hábito (Avelar, 2011:29).

Parte-se aqui então da premissa de que o vestuário é um poderoso elemento de ligação e identificação entre o indivíduo e a cultura - enquanto sistema social simbólico- através da moda (Almeida e Wajnman, 2002: 20), capaz de fomentar a demanda por determinados bens e produtos, gerando consumo.

O consumo é concebido como algo ativo e constante em nosso cotidiano e nele desempenha um papel central como estrutura de valores que constroem identidades, regulam relações sociais, definem mapas culturais. O consumo atua como vetor para a elaboração recorrente de um pensamento capaz de desvendar seus significados culturais. As decisões de consumo se tornam fonte vital para a cultura do momento. Nessa perspectiva, os bens de consumo constituem a parte tangível da cultura, já que são investidos de valores utilizados socialmente para expressar categorias e princípios, cultivar ideias, fixar e sustentar estilos de vida, enfrentar mudanças ou criar permanências (Douglas, 2006:114).

Embora a cultura esteja normalmente associada a diversos contextos sociais e nacionais, há o entendimento de que tais circunstancias não impediriam “a existência de uma matriz comum nas formas de organização dos processos produtivos, de consumo e de distribuição”, compatíveis com o processo de globalização (Canclini, 2003:308). Tal processo impeliria a cultura ao exercício de novas atribuições sociais, como a articulação entre diversos setores, tais como o social e o econômico, expandindo as formas de emprego de bens patrimoniais e, de modo geral, a criatividade.

A partir dos impactos causados pelo processo de globalização na indústria têxtil brasileira, a moda, enquanto expressão da cultura, tornou-se parte integrante e fundamental dessa indústria. Nessa perspectiva, a moda destaca-se entre as manifestações culturais por movimentar uma ampla atividade econômica não somente em termos comerciais, mas também industriais.

No período pós-Segunda Guerra iniciou-se uma nova fase de internacionalização da economia. O padrão de organização da produção norte-americana foi reproduzido nos países europeus e nos países do então chamado “terceiro mundo”. Surge o desafio de produzir bens de consumo padronizados para um número cada vez maior de pessoas, acompanhando uma reestruturação do capitalismo (Barbosa, 2001). Nesse contexto, cada vez mais a roupa de fabricação doméstica perdeu seu espaço para a roupa industrial. O espaço dos alfaiates e costureiras no trabalho sob medida foi quase liquidado. A classe média buscava uma roupa mais prática, que a distinguisse das classes populares, porém com custo acessível. Essa necessidade da classe média permitiu a “junção de uma moda burguesa com a economia industrial” (Durand, 1988: 48). Diante das novas necessidades comerciais, houve uma reorganização nas relações empresariais, ou seja, um “entrelaçamento com a indústria da confecção, com o marketing, e a indústria cultural em expansão” (Almeida e Wajnman, 2002: 20).

Vale notar que, a partir da década de 1960, surgem no Brasil os shoppings centers e os grandes varejistas de moda com o conceito de autosserviço, passando assim “de uma lógica centrada na oferta, na criação e no criador, a uma lógica que integra a procura, a concorrência, as necessidades do mercado e dos consumidores” (Lipovetsky, 2007: 93). Concomitantemente, é possível identificar o surgimento de novos estilistas brasileiros, que passam a atrair a atenção das elites e da imprensa local com criações que expressam algo com personalidade própria, distanciando-se aos poucos da mera reprodução ou cópia do que era feito no exterior (Avelar, 2011). Além disso, cresceu a presença no Brasil de grupos estrangeiros como a Rhodia e a Du Pont, que introduziram os fios sintéticos no mercado internacional.

Entre as décadas de 1960 e 1970, novos acordos internacionais afetaram o setor têxtil brasileiro: Short-Term Cotton Arrangement (1961), Long-Term Arrangement, de 1970, e Multi-Fiber Arrangement (mfa), ou Acordo Multifibras, de 1973, a fim de criar restrições quantitativas de comércio entre os países. O objetivo de tais medidas restritivas era promover ganhos de competitividade para as indústrias têxteis dos países desenvolvidos, de forma a consolidá-las. Foram medidas protecionistas defendidas pelos países desenvolvidos visando restringir a participação dos países em desenvolvimento no comércio mundial de têxteis. Contudo, o Acordo Multifibras foi gradativamente substituído por um novo acordo, o Acordo sobre Têxteis e Vestuário (atv), criado em 1995. Este último já refletia um processo gradual de remoção das barreiras juntamente com todas as restrições comerciais nos acordos envolvendo o setor têxtil. Esse novo cenário de possibilidade de produção, comercialização e consumo constitui uma rede de recepção propícia para as novas e profundas transformações na economia e na política mundial que influenciaram diretamente a indústria da moda no Brasil a partir dos anos de 1990.

O período foi marcado pela “integração comercial brasileira no contexto de uma nova ordem mundial, a globalização” (Averbug, 1999: 45) e caracterizou-se por maior liberalização comercial, com queda das barreiras tarifárias, e com uma série de mudanças levadas a cabo por parte do Fundo Monetário Internacional (fmi), do Banco Mundial (bm) e, principalmente, da Organização Mundial do Comércio (omc). As novas regras, além de promoverem a inserção de mais países no comércio internacional, como a China, passaram a defender acordos bilaterais e posturas comerciais mais liberais (zonas de livre comércio, uniões aduaneiras e mercados comuns), já que os países desenvolvidos dispunham de estrutura do setor têxtil mais consolidada.[3]

Nos anos noventa, as indústrias têxteis norte-americana e europeia passaram a investir massivamente em novas tecnologias de concepção, processo, vendas e produto, buscando maior valor agregado, de modo a permitir que a produção fosse voltada para as demandas voláteis que passaram a predominar no setor da moda. A cadeia de vestuário passa por um processo de transformação tanto na indústria como no varejo, com a crescente participação das chain stores (cadeias de lojas com marca própria), como por exemplo a norte-americana gap e a espanhola Zara.[4]

Acompanhando essas transformações, a moda progressivamente desenvolveu um viés mais comercial, voltando-se cada vez mais para a produção de maior agilidade e o consumo em grande escala, contudo, ao mesmo tempo, comprometida intrinsicamente com produtos diferenciados (Avelar, 2011: 110). Com a globalização, o mercado começa a se diversificar com maior intensidade, sobretudo com o advento da internet. A velocidade na difusão da moda é maior e consequentemente, também na produção de tendências. Grandes varejistas internacionais, entre eles a Zara, se destacaram por serem precursores do fast fashion (Cietta, 2010). No Brasil, varejistas como c&a Modas, Riachuelo, Pernambucanas e Hering adotaram esse sistema e cada empresa passou a ser responsável pelo lançamento em média de 20 a 30 mil modelos por ano, cumprindo prazos de até 14 dias desde produção industrial até a logística (Rocha, 2014).

A abertura econômica ocorrida nos anos noventa no Brasil motivou análises e provocou debates a respeito dos efeitos da globalização na indústria têxtil e de confecção no país. O estudo pormenorizado desses efeitos ainda é tema pouco frequente ou sistematizado por analistas acadêmicos, embora possamos recolher afirmações, por parte de agentes econômicos (abit, 2014), de que a área têxtil teria sofrido um processo de desarticulação após a entrada da China na omc A esses diagnósticos somam-se narrativas que sustentam que a abertura econômica brasileira provocou o aumento das importações de produtos têxteis, e o consequente fechamento de indústrias. Para a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (abit), “a abertura da economia brasileira na década de 1990 e o acirramento da competição mundial, com a consolidação de diversos produtores de baixo custo - basicamente asiáticos (...), promoveram radical transformação no setor” mas os investimentos deram-se apenas nos segmentos menos ameaçados pelas importações (cni/abit, 2000: 7-10). Lima aponta que ao passar pelo processo de liberalização comercial, o setor têxtil brasileiro estava defasado ao abrir seu mercado interno para a concorrência internacional (Lima, 2009: 43). E ainda, para Prochnik (2003: 2), “diante da pressão das importações, a modernização não ocorreu” no Brasil.

Contudo, há analistas que defendem um ciclo de renovação da área resultante do mesmo processo. Essa renovação pode ser primeiro constatada na importação de máquinas e equipamentos. Conforme Gorini (2000: 31-32), após a abertura da economia brasileira, houve um ciclo de investimentos em máquinas têxteis, com maior pico em 1995. Este processo de reestruturação resultou na falência de muitas empresas. Para Massuda (2002b), de fato, deu-se a extinção de inúmeras empresas têxteis, mas tratou-se da eliminação daquelas indústrias com tecnologia obsoleta.

Acompanhando a redução no número de fábricas, há dados indicativos de que, a partir de 1990, o quadro de mão de obra da cadeia produtiva na indústria têxtil diminuiu cerca de 70% em tecelagens e malharias, conforme indicam as Quadros 1, 2 e 3. Os dados utilizados nos quadros abaixo cobrem um período de 25 anos com início em 1990, para estimar as transformações na economia brasileira a partir da abertura para o mercado internacional em processo de globalização.[5]

 

Quadro 1: Indústria Têxtil (tecelagens), 1990 a 2015

Ano

Mão de Obra

Número de Fábricas

Produção em Toneladas

Valor da Produção (em mil usd)

1990

401.664

1.481

803.039

10.515.803

1995

162.269

984

875.153

10.383.670

2000

99.188

434

1.084.710

8.395.610

2001

97.693

425

1.232.348

7.953.440

2002

94.674

431

1.219.760

7.102.728

2003

93.846

437

1.179.438

7.227.130

2004

97.580

448

1.312.950

9.035.643

2005

100.507

493

1.314.312

9.714.304

2006

102.216

593

1.369.382

10.827.973

2007

101.102

596

1.362.124

10.894.266

2008

101.870

601

1.393.356

9.234.976

2009

101.472

583

1.376.115

9.055.157

2010

102.299

579

1.451.801

11.796.447

2011

100.048

586

1.342.289

12.504.069

2012

98.006

579

1.323.417

11.261.072

2013

97.531

557

1.348.058

10.938.529

2014

95.931

558

1.330.927

10.570.823

2015

87.977

550

1.245.647

7.511.417

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da abit (2015) y de dados obtidos de comunicações pessoais (e-mails) conforme referências: Moreira, Beatriz (abit). Destinatário: Ana Paula Nobile Toniol, 16 de jun. 2015; Petrenko, Mariana (abit). Destinatário: Ana Paula Nobile Toniol, 18 de dez. 2018.

 


 

Quadro 2: Indústria de Malharia 1990 a 2015

Ano

Mão de Obra

Número de Fábricas

Produção em toneladas

Valor da Produção (em mil usd)

1990

150.702

3.766

319.282

3.117.215

1995

114.972

3.019

350.760

3.285.170

2000

118.700

3.195

497.002

3.604.075

2001

119.020

3.250

490.192

2.807.009

2002

99.788

3.261

477.372

2.498.211

2003

103.512

2.874

443.754

2.551.346

2004

106.742

2.546

453.932

3.046.426

2005

116.349

2.582

554.229

4.594.593

2006

118.292

2.421

609.485

5.509.140

2007

122.138

2.511

678.966

6.542.233

2008

71.250

805

679.055

6.010.638

2009

66.566

786

637.331

5.432.218

2010

61.974

718

606.614

7.018.559

2011

60.825

740

522.557

6.067.223

2012

59.582

764

502.453

5.366.402

2013

59.541

740

504.659

5.196.789

2014

58.124

695

503.584

5.055.246

2015

53.741

682

469.451

3.634.316

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da abit (2015) y de dados obtidos de comunicações pessoais (e-mails) conforme referências: Moreira, Beatriz (abit). Destinatário: Ana Paula Nobile Toniol, 16 de jun. 2015; Petrenko, Mariana (abit). Destinatário: Ana Paula Nobile Toniol, 18 de dez. 2018.

 

Contudo, na indústria de confecção, a queda apontada abaixo é bem menor, de 15%. E no mesmo Quadro 3 é possível constatar um aumento no número de fabricas, da produção em peças e do consumo em toneladas.

 

Quadro 3: Indústria de Confecção 1990 a 2015

Ano

Mão de Obra

Número de Fábricas

Produção em Peças

Consumo de tecidos em toneladas

1990

1.510.902

13.283

2.253.866

466.957

1995

1.209.152

13.908

3.788.123

796.043

2000

1.039.928

15.634

5.379.582

1.053.359

2001

1.006.559

15.367

5.135.780

1.041.525

2002

953.715

14.767

4.907.567

1.017.715

2003

966.209

15.156

4.827.731

994.886

2004

996.355

16.531

4.947.942

1.022.490

2005

1.009.188

18.096

4.271.296

995.018

2006

1.008.121

18.884

4.410.291

1.000.807

2007

1.034.332

20.070

4.807.491

1.075.495

2008

1.140.618

22.681

5.142.013

1.135.841

2009

1.300.348

24.044

5.201.081

1.145.816

2010

1.137.454

24.672

5.627.657

1.245.266

2011

1.130.114

26.264

5.515.444

1.232.312

2012

1.116.668

26.703

5.302.109

1.188.860

2013

1.130.325

26.688

5.355.374

1.192.327

2014

1.114.328

26.535

5.348.380

1.199.893

2015

1.077.751

25.956

5.039.850

1.112.975

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da abit (2015) y de dados obtidos de comunicações pessoais (e-mails) conforme referências: Moreira, Beatriz (abit). Destinatário: Ana Paula Nobile Toniol, 16 de jun. 2015; Petrenko, Mariana (abit). Destinatário: Ana Paula Nobile Toniol, 18 de dez. 2018.

 

Para explicar o aumento de indústrias de confecção apontado na tabela acima, Gorini constata uma grande pulverização de empresas com menor número de funcionários e aponta que em 2007, das 20 mil indústrias de confecção, 16 mil tinham de 5 a 19 funcionários. Segundo o relatório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (bndes), “essa pulverização ocorre porque o processo produtivo é relativamente fácil e o investimento inicial baixo, o que leva a existência de muitas empresas de pequeno porte e com alto grau de informalidade” (bndes, 2009: 178-179).

O cenário poderia configurar uma crise na indústria. Porém, acaba por apontar para seu crescimento em novas bases -concomitantemente ao advento do fast fashion, é mais que plausível presumir. Na indústria de confecção, onde o produto é essencialmente manufaturado, também é possível constatar uma grande renovação em máquinas de costura, bem como em máquinas de lavar, limpar, tingir, utilizadas em lavanderia. Estes dados são indicativos de indústrias de confecção verticalizadas, característicos de indústrias ligadas ao fast fashion, comprometidas com o full-package ou pacote completo.

Nessa perspectiva, o estudo de Gereffi (1999) sobre as cadeias de vestuário, com ênfase na Ásia, poderia ser generalizado, dada as transformações que ocorreram na indústria e no varejo no Brasil, quando afirma que:

 

Varejistas e comerciantes, contudo, precisam de fornecedores com a capacidade de confeccionar vestuário e o know-how logístico para obter todos os elementos que compõem o produto final. Assim, necessitam de um full-package mais avançado. […] Além de aprender como organizar redes de produção, as empresas full-package também devem conhecer o lado mercadológico do negócio (Gereffi, 1999: 52; tradução nossa).

 

De acordo com a abit, 85% do vestuário consumido no país é produzido por fábricas instaladas em território nacional. Em 2015 com faturamento de 55,4 bilhões de dólares, o Brasil é o quarto maior produtor de roupas do mundo, gerando 1,6 milhão de empregos. Embora muito inferiores aos números da China, tais dados são muito expressivos e colocam o segmento do vestuário entre os mais importantes da economia brasileira.

 

Quadro 4: Principais Países Produtores Têxteis e de Vestuário, 2015

 

Produtores de Têxteis

 

Produtores de Vestuário

 

País

Produção (mil t)

% mundial

 

País

Produção (mil t)

% mundial

1.

China

43.152

54%

1.

China

23.696

49,7%

2.

Índia

6.299

7,9%

2.

Índia

3.391

7,1%

3.

EUA

5.000

6,3%

3.

Paquistão

1.745

3,7%

4.

Paquistão

3.230

4,0%

4.

Brasil

1.215

2,5%

5.

Brasil

2.143

2,7%

5.

Turquia

1.200

2,5%

6.

Indonésia

1.945

2,4%

6.

Coreia do Sul

1.021

2,1%

7.

Taiwan

1.861

2,3%

7.

México

1.003

2,1%

8.

Turquia

1.527

1,9%

8.

Itália

803

1,7%

9.

Coreia do Sul

1.445

1,8%

9.

Malásia

746

1,6%

10.

Bangladesh

1.014

1,3%

10.

Polônia

728

1,5%

Fonte: abit (2015)

 

Embora a mão de obra e o número de indústrias têxteis tenham sofrido grande declínio, a produção em toneladas foi elevada exponencialmente. Novos números apontam que a produção de peças e de tecidos dobrou de volume, e, na última década, o consumo por habitante aumentou em 50%, em quilogramas de peças por ano, segundo estudos do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (iemi) e da abit (Gráfico 1).

 

Gráfico 1: Consumo de Vestuário por Habitante (reais e quilogramas de peças por ano), 1990 a 2015

Fonte: Relatório Setorial da Industria Têxtil Brasileira, iemi e abit (2015).

 

Fatores sócioeconômicos como maior distribuição de renda, aumento do poder de compra das classes mais baixas e crescimento do mercado de shoppings centers, são habitualmente convocados para explicar o processo. Mas também seria preciso reconhecer a relevância das mudanças culturais, tais como a ampliação global do processo de construção identitária e o crescimento da percepção de moda, que contribuíram decisivamente para que o segmento do vestuário se tornasse um dos mais importantes da economía brasileira (sebrae, 2013: 12-19). A moda rápida passou a influenciar todas as etapas da cadeia têxtil brasileira, a começar pela produção de cores no desenvolvimento de fios e corantes na indústria química, passando pelos tecidos produzidos de acordo com as tendências da moda. A capacidade criativa é altamente explorada também na indústria de confecção, para que as tendências de moda sejam refletidas em seu produto final. A moda participa ativamente de todas as etapas da cadeia têxtil (Figura 1).

 


 

Figura 1: Participação da moda nas etapas da cadeia têxtil

Fonte: Economia e Cultura da Moda no Brasil, minc (2011).

 

A presente investigação deverá prosseguir com a obtenção e análise de dados do setor têxtil e de confecção organizados por perfis de seus vários segmentos: moda infantil, masculina, feminina, entre outros. Serão também examinados os canais de distribuição de vestuário e o comportamento de compra de alguns produtos de moda mais representativos das alterações resultantes da implementação da moda de resposta rápida. Será conduzido um estudo detalhado dos canais de varejo incluindo um levantamento da demanda de vestuário a partir do público consumidor. A obtenção de dados tais como: perfil demográfico, consumo por região, renda per capita, poder de compra, permitirá embasar de modo mais abrangente o papel integrante da moda como cultura no processo produtivo.

 

Considerações finais

 

A nova moda rápida se configura na justaposição entre os processos culturais e a economia e suscita o debate acerca de seu valor dual econômico-simbólico. A vertente mercadológica está inserida numa dimensão de alto conteúdo simbólico e criativo. Ademais, seu amplo caráter de inovação tecnológica na criação de novas matérias-primas e no lançamento de novas tendências, permite promover necessidades culturais de grande apelo econômico.

Dada as suas especificidades, sobretudo o forte potencial de gerar emprego e renda, a moda também é considerada um fator cultural, pois influencia o consumo, o mercado de trabalho, as cadeias de produção e, sobretudo, as estratégias empresariais, a fim de manter a produtividade da indústria têxtil e de confecção. Assim, os produtos de moda apresentam um caráter dual quanto ao valor econômico-simbólico, pois ao mesmo tempo que transmitem uma mensagem simbólica, possuem também expressiva representatividade econômica. Na moda, o valor econômico de um produto se dá pelo preço aplicado no mercado e seu valor simbólico apresenta uma multiplicidade de fatores carregados de apelo cultural, que transmitem valor estético, social e histórico.

A moda, enquanto criação e arte, foi tradicionalmente associada ao luxo, ao supérfluo, marcando as distinções na hierarquia social. A partir da globalização, com a evolução do consumo, a indústria se constitui como componente essencial do produto de moda, principalmente a partir do fast fashion, que configura um novo fenômeno na produção e consumo em massa desses produtos.

Em seu estudo sobre o fast fashion italiano, Cietta (2010) admite que a rapidez tem grande importância por ser uma alavanca competitiva, mas certamente não é o elemento principal do movimento fast fashion. Cada vez mais o seu valor se constrói mixando de fato elementos da cadeia da produção imaterial -criatividade, distribuição, comunicação, marketing - com aqueles da produção industrial. Empresas que adotaram esse sistema começaram a investir em criatividade, desenvolvendo coleções próprias, coerentes com sua marca. O fast fashion oferece o que há de mais novo em tendências. Tal pesquisa criativa tornou-se diferente daquela dos grandes estilistas e designers, e não utiliza os instrumentos tradicionais de desfile. Suas fontes de inspiração são frequentemente relacionadas a fenômenos de mídia, e sua criatividade é orientada para o seu mercado-alvo, produtos pensados para um público específico. A política comercial das empresas é fortemente orientada para um segmento específico de consumidores. A escolha de tamanhos, estilo e canais de distribuição é feita de maneira muito cuidadosa, visando principalmente minimizar custos e riscos. São empresas que incluíram a natureza simbólica do produto como objeto de negócio.[6] Com um sistema verticalmente integrado controlam todos os aspectos da cadeia de suprimento, desde o design e a produção até a distribuição e a comercialização (Kloter, 2007: 323).

Amancio Ortega, fundador da Zara, entende o fast fashion como um fenômeno que trouxe a democratização da moda. Essa democratização está ligada ao fato de que não apenas a classe alta pode se valer das novidades. As outras classes passam a ter acesso aos produtos de moda graças tanto à ampliação e variedade de materiais e maquinários como aos meios de comunicação maciçamente difundidos. Isso pode ser visto como uma democratização, mas também como uma nova imposição de dinâmica de consumo. Assim, a moda vem assumindo um papel importante em muitas economias. A moda é uma atividade que se fundamenta em “duas cabeças” - econômica e estética, onde a lógica do lucro acaba por favorecer a criação das novidades (Lipovetsky, 2007: 100).

O fast fashion inseriu a moda na indústria e dissolveu a distinção entre moda-criação e roupas usáveis. Cada vez mais as grandes lojas de varejo investem em profissionais que são responsáveis pela construção de uma imagem de moda, por isso a criatividade passa a estar presente mesmo em peças ditas básicas. Neste contexto, a “moda-criação” e as “roupas usáveis” não são universos independentes. A ruptura entre os desfiles de moda, que são as roupas para serem vistas e as “roupas usáveis”, consiste apenas em “artifício tradicionalmente utilizado pelos criadores de moda para criar maior impacto e ganhar mais espaço na mídia” (Caldas, 2004: 183-184). De acordo com Eduardo Humberg (2017), para a implantação do sistema fast fashion na empresa c&a Modas, que ocorreu na década de 1990, foram contratadas, de uma única vez, cerca de 30 designers de moda. Este fato ilustra a importância do investimento na gestão criativa do fast fashion, pois anteriormente não havia na empresa profissionais que atuassem na área de criação.[7] Nesse período a c&a contava com 65 lojas e, notadamente, a aposta na criatividade foi determinante na obtenção de bons resultados, pois atualmente já são mais de 200 lojas em todo o Brasil.

A roupa é a maneira particular pela qual o designer compreende o mundo; nela deposita sua própria experiência cultural e suas expectativas. Por sua vez, o consumidor altera esse objeto com a conformação de seu corpo, com a postura, os gestos e a maneira de compor toda a sua imagem. Dessa forma, são gerados significados dentro de um processo de comunicação (Barnard, 2003: 56). Grant McCracken (1986) observa que o sistema de design e produção que cria os bens de consumo é uma empreitada inteiramente cultural. Os bens de consumo, nos quais o consumidor desperdiça tempo, atenção e renda, são carregados de significação cultural. Os consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente culturais. Usam o significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais, cultivar ideias, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de criar e sobreviver a mudanças sociais. Ele defende que o consumo possui um caráter completamente cultural (McCracken, 1986: 11).

As instancias socioeconômicas que criam esses bens: o design, o desenvolvimento do produto, da publicidade e da moda, são importantes agentes de nosso universo cultural. O sistema da moda é um instrumento de movimentação de significado, do mundo culturalmente constituído para o bem de consumo (McCracken, 1986: 109).

Para Caldas, não há um consenso na definição de design na moda global. Afinal, design sugere a ideia do projeto industrial, ou seja, algo que precisa ser projetado, pensado em etapas para depois ser reproduzido em série. E ainda, a produção em larga escala é o modo de produção da quase totalidade das roupas na sociedade contemporânea, desde o declínio da roupa de alta-costura e o desaparecimento quase completo dos artesãos. Diferenciar arte, design e produtos em série é negar que a moda seja um fenômeno híbrido, em que “o artista e o industrial se imbricam” (Caldas, 2004: 181).

O fast fashion instituiu a moda como indústria criativa com grande potencial comercial e valor econômico-simbólico, pois abrange diversos produtos e mercados no mundo global. Ainda que o processo criativo de uma peça exclusiva seja diferente da moda produzida em escala industrial, a marca ou a etiqueta garante o conteúdo criativo e a novidade dos produtos. Essas e outras complexidades da moda global precisam ser mais bem compreendidas para que a indústria da moda possa obter um crescimento nos países em desenvolvimento e atender, sobretudo, as novas dinâmicas de consumo.

O advento do sistema fast fashion certamente causou uma ruptura na cadeia produtiva da indústria da moda. É possível que do mesmo modo que as indústrias têxteis norte-americanas e europeias tenham investido em novas tecnologias na cadeia produtiva para acompanhar as demandas da moda, a indústria brasileira também tenha se renovado para implantar o desenvolvimento do fast fashion, trazendo a criação, o design e a rapidez para a indústria.

Observou-se que essa estratégia empresarial tem por objetivo atingir uma esfera global, devido à velocidade com que as tendências de moda são transmitidas, provocando um consumo orientado pela busca por expressão individual. Enquanto fenômeno econômico-cultural, o fast fashion vem suscitando a reflexão de teóricos de diferentes áreas acadêmicas, ocupados em bem compreender a constituição desse eixo que atravessa, de modo singular, cultura, consumo e economia.

 

 

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[i] Professora titular de História na Universidade de São Paulo. Doutora em Filosofia pela mesma Universidade. Tem experiência na área de História, com ênfase em Teoria e Filosofia da História, Historia da Cultura, História Intelectual e das Ideias.

[ii] Aluna de Pós Graduação em História Econômica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de administração, com ênfase em indústria e varejo de moda, organização e estudos para a indústria têxtil.

[3] As zonas livres de comércio são formadas por um ou mais países economicamente ligados, como a Nafta (Averbug, 1999: 54). A união aduaneira consiste em uma série de medidas que visam harmonizar as políticas comerciais do bloco em relação a terceiros (Averbug, 1999: 60). Por definição, em um mercado comum, bens, serviços, capital e mão de obra circulam livremente entre os estados-membros, não havendo obstáculos relacionados a nacionalidade dos cidadãos, com uma concordância em termos de legislação trabalhista e previdenciária (Averbug, 1999: 61).

[4] A empresa espanhola Zara, pertencente ao grupo Inditex, um dos maiores do mundo em volume de produção, se tornou conhecida graças ao seu constante crescimento de vendas e estratégias competitivas que se tornaram referência em moda. Sua equipe criativa possui mais de 300 profissionais que conduzem o processo de design.

[5] abit disponibiliza os estudos do setor a cada 5 anos, sendo o último estudo disponível o do ano de 2015. O prosseguimento da pesquisa deverá analisar os dados do último quinquênio iniciado em 2015 incorporando novas questões que passaram a afetar progressivamente as diferentes cadeias produtivas que se entrelaçam no cenário econômico brasileiro.

[6] Cietta avalia a natureza simbólica do produto de moda como um produto híbrido, no qual o valor imaterial é significativamente superior àquele do seu conteúdo material (industrial).

[7] Entrevista concedida por Eduardo Humberg, executivo que atuou como Fashion Coordenation, na implantação do fast-fashion na empresa c&a Modas.