Revista Anual del Centro de
Investigaciones en Estudios
Latinoamericanos para el Desarrollo y
la Integración
Mudança no cenário internacional: possível deslocamento da ordem mundial ocidental
para a oriental
Autor(es): Billig, Osvaldo Alencar y Paiva da Silva, Amanda
Fuente: Latitud Sur N° 16, Año 2021. UBA-FCE, CEINLADI. (En línea) ISSN 2683-9326.
Publicado por: Universidad de Buenos Aires, Facultad de Ciencias Económicas. Centro de
Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración
(CEINLADI). Las opiniones y el contenido vertido en este trabajo son responsabilidad
exclusiva del autor.
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Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración (CEINLADI). (En línea) ISSN
2683-9326.
Artículo original de investigación
MUDANÇA NO CENÁRIO INTERNACIONAL: POSSÍVEL DESLOCAMENTO DA
ORDEM MUNDIAL OCIDENTAL PARA A ORIENTAL
1
Osvaldo Alencar Billig
2
CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS (BRASIL)
Amanda Paiva da Silva
3
CENTRO UNIVERSITÁRIO DINÂMICA DAS CATARATAS (BRASIL)
Resumo
Este projeto busca abordar o crescimento e a evolução econômica chinesa, desde o governo
de 1979, e analisar a sua ascensão e competitividade em relação à maior economia mundial,
os Estados Unidos, abordando a guerra comercial iniciada pelo ex-presidente Donald Trump.
Pode-se concluir que é possível uma mudança da ordem mundial nos próximos anos, porém
não que ela será unipolar.
Palavras-chave
Ordem Mundial Economia Estados Unidos da América China
CHANGE IN THE INTERNATIONAL SCENERY: POSSIBLE TRANSFER FROM
THE WESTERN WORLD ORDER TO THE EASTERN
Abstract
This project seeks to address the Chinese economic growth and evolution since the 1979
government and analyze its rise and competitiveness close to the world’s largest economy,
the United States, by addressing the trade war started by former President Donald Trump. It
can be concluded that a change in the world order is possible in the coming years, but it cannot
be guaranteed that it will remain unipolar.
Keywords
Word Order Economy - United States of America China
1
Fecha de recepción: 26/05/21. Fecha de aceptación: 18/10/21.
2
Doutorando em Administração, Mestre em Administração, professor do Centro Universitário Dinâmica das
Cataratas, Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil.
3
Acadêmica do curso de Relações Internacionais, do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas, Foz do
Iguaçu, Paraná, Brasil.
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Introdução
A República Popular da China, conhecida popularmente apenas como China, é o terceiro
maior país em extensão territorial e o mais populoso do mundo, sendo uma república socialista
governada pelo Partido Comunista da China desde 1949. Com a morte de Mao Tse-Tung em
1976, e com a chegada do líder político Deng Xiaoping ao poder, a China presenciou grandes
reformas econômicas que abriram o país para o mercado internacional, alavancando a
economia chinesa, que em pouco tempo tornou-se a segunda maior economia do mundo -
apenas atrás de seu maior concorrente, os Estados Unidos da América.
O presente artigo tem como objetivo abordar o crescimento e a evolução econômica da China,
desde o governo de 1979, e analisar a forma como sua ascensão se tornou uma ameaça à
hegemonia da maior potência econômica, a norte-americana.
Em primeiro lugar, será apresentada a trajetória econômica chinesa, com ênfase no
socialismo de mercado, adotado por Xiaoping, como estratégia para o desenvolvimento
econômico do país e sua competitividade no sistema internacional.
Seguidamente, faremos uma comparação entre as duas maiores potências, abordando as
relações comerciais entre a China e os Estados Unidos, seu maior concorrente atual, e, por
fim, a guerra comercial iniciada no governo de Donald Trump. No decorrer do trabalho,
assinalaremos os fatores que ameaçam a hegemonia norte-americana e os motivos dos
confrontos e a desconfiança existente entre os dois parceiros comerciais, que disputam o
primeiro lugar.
O procedimento metodológico para a realização deste artigo foi o de utilização de fontes
secundárias de pesquisa, como revisões bibliográficas, através da leitura de artigos científicos
especializados no assunto, como também artigos publicados em sites online relacionados à
economia e política, sendo considerada, portanto, uma pesquisa qualitativa.
O trabalho proposto encontra justificação no interesse que suscita a segunda maior potência
econômica do cenário atual e a identificação das estratégias utilizadas para sua ascensão para,
dessa forma, entender como a China tornou-se o maior concorrente dos Estados Unidos e
consiga -possivelmente nos próximos anos- exercer a hegemonia mundial.
Processos de desenvolvimento da economia chinesa
Para entender como a China atual tornou-se uma das grandes potências mundiais e um
destaque no mercado internacional, precisamos conhecer as medidas implementadas por
Deng Xiaoping.
Antes de 1979, quando a República Popular da China era governada por Mao-Tse-Tung, os
dirigentes do partido comunista chinês vinham discutindo -desde o início dessa cada-
sobre a modernização e a abertura do mercado ou a retomada do modelo pico trilhado até
então, o comunismo. (KNEWITZ, 2013)
A partir do governo de Xiaoping, o chefe de Estado propôs reformas políticas e econômicas
para ajudar ao crescimento econômico do país -porém sem sair do regime socialista imposto
pelos governos anteriores- utilizando o que eles denominaram “socialismo de mercado. Esse
modelo econômico tem como principais características a convivência pacifica de dois
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sistemas antagônicos de governo: o capitalismo e o socialismo. O Partido Comunista Chinês
autorizou condições para que a China iniciasse a construção de uma sociedade em que a
propriedade social estivesse presente em conjunto com a privada. O socialismo de mercado
é conhecido como um socialismo com características chinesas, por isso, o Estado chinês
possui um forte poder de intervenção nas indústrias nacionais, ao mesmo tempo que abre seu
mercado para capitais externos.
Para Singh (1993), o governo chinês iniciou o processo de transformações com o programa
chamado das “Quatro Modernizações”, que são um conjunto de medidas de liberalização nas
áreas da agricultura, indústria, exército e tecnologia; foram implementadas de forma gradual
pelo governo chinês, mas as áreas que receberam maior investimento foram a industrial e
ciência e tecnologia.
Essa transição levou o país de uma economia totalmente fechada para uma maior abertura de
mercado, mantendo, contudo, uma maior capacidade de intervenção por parte do Estado, com
a intenção de proteger a economia interna perante eventuais crises no mercado internacional.
Vale destacar que essa transição não foi apenas na área econômica: foi também acompanhada
por melhorias nas condições da população, tanto em nível material quanto social. Para
Friedrich List, a união da nação era de extrema importância para um desenvolvimento nacional
próspero e duradouro e, para tanto, é essencial que o Estado imponha restrições para as
atividades privadas realizadas internamente e proteger sua nação de perigos externos; trata-se,
então, do dever de impor restrições comerciais para a proteção dos interesses nacionais
(LIST, 1983). Desse modo, é impossível falar de análise econômica da China, sem pensarmos
na estratégia desenvolvimentista e no papel de liderança do Estado nas transformações
econômicas e sociais.
A liberalização da agricultura, da indústria e do comércio exterior
O primeiro setor a ser modernizado segundo o plano de Xiaoping seria a agricultura. A
modernização nesse campo teve início com a reforma de preços dos produtos agropecuários,
ou seja, o governo estabelecia uma determinada cota de produção que cada comunidade
poderia entregar com um preço predeterminado e, a partir disso, o restante poderia ser
negociado livremente no mercado (NONNENBERG, 2008). No entendimento de Medeiros
(2012), foram elementos essenciais para sua modernização: a mecanização da agricultura, os
investimentos em energia elétrica e a reforma da terra. A prosperidade no setor agrícola
proporcionou a expansão de empresas rurais, de vilas e pequenas cidades agrícolas. O
deslocamento dos trabalhadores rurais, em nível de subsistência, para as indústrias e setores
de serviços em pequenas e grandes cidades, foi uma das razões para o crescimento econômico
chinês a partir de 1978. Desse modo, não podemos nos esquecer da importância da mão de
obra chinesa para o desenvolvimento econômico da nação; uma mão de obra barata, de
qualidade e praticamente inesgotável, em decorrência da grande quantidade da população
rural.
A abertura do mercado interno para o internacional, junto com a captação de investimentos
estrangeiros, possibilitou um ritmo acelerado da economia chinesa. A inflação mantida sob
controle e a taxa de câmbio desvalorizada favoreceram as exportações do país. O governo
escolheu reformar as empresas estatais gradualmente, de modo que, ao mesmo tempo que
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ampliava a autonomia delas, ainda as supervisionava. Desse modo, evitou-se um processo
brusco de privatização: na década de 90, as empresas foram listadas dentro do mercado de
capitais, oferecendo, assim, uma maior transparência e a possibilidade de privatização de
parte delas (GUIMARÃES, 2012). Acompanhando a reforma empresarial, houve a reforma
no sistema financeiro, as instituições bancárias foram separadas entre bancos políticos e
bancos comerciais, onde os últimos atuavam de acordo com o mercado. O motivo da reforma
foi para realocar os recursos para áreas de maior produtividade, evitando assim o
financiamento de empresas estatais consideradas ineficientes (KNEWITZ, 2013).
A partir da criação das Zonas Econômicas Especiais, o governo utilizou essa abertura do
mercado interno para estimular empresas estrangeiras a produzirem atividades tecnológicas
dentro do território, voltadas principalmente para as exportações (NONNENBERG, 2008).
Desse modo, o Investimento Direto Estrangeiro foi essencial, aumentou as exportações
mundiais e favoreceu o acesso a capitais externos e tecnologias avançadas. A infraestrutura
também ajudou nesse processo: a rede de transportes e a alta logística facilitaram a redução
dos custos, fazendo com que o país possua a capacidade de transportar contêineres a um baixo
custo, em portos próprios que são conhecidos por estarem entre os maiores do mundo. As
empresas dos países vizinhos à China viram-se impactadas pelo desenvolvimento da
indústria chinesa e suas exportações, assim, a ascensão do maior país do leste asiático
impactou, e ainda impacta, nas relações comerciais e produtivas de toda a região
(GUIMARÃES, 2012).
Com o crescimento do seu mercado interno, a China adquire uma grande capacidade de
negociar esses capitais estrangeiros e fazer exigências para as empresas transnacionais que
se estabelecem no país. Por meio das joint ventures, que são associações econômicas entre
duas ou mais empresas que buscam parcerias estratégicas e comerciais, as empresas chinesas,
além de terem aumentado suas exportações e começado a ter acesso a tecnologias de ponta
internacionais, também se consolidaram no mercado internacional. Desse modo, começa a
venda de componentes para a China, por empresas internacionais, para que o país faça a
montagem e depois exporte o produto final (GUIMARÃES, 2012).
Por outra parte, o aumento do consumo interno provocou uma redução da dependência do
país das suas exportações, processo que foi impulsionado pela entrada da China na
Organização Mundial do Comércio e mantido pelas reformas governamentais propostas pelo
PCC. Desse modo, o alto consumo interno chinês foi considerado como um dos fatores
principais para a não consideração da China como sendo totalmente comunista (Arrighi,
2008). Com a entrada da China na OMC, em 2001, aconteceu a abertura total e definitiva de
suas fronteiras para receber o capital e investimento estrangeiros.
Ciência e tecnologia no processo de crescimento econômico chinês
As universidades estão entre um dos fatores do crescimento econômico chinês. O governo
incentivou que essas universidades criassem suas próprias empresas produtivas e se
transformassem nas suas principais acionistas. Desse modo, aumentou a quantidade de
recursos disponíveis para essas instituições de ensino (Lyrio, 2010). Em 1998, o governo
chinês estreou o programa Torch para realizar esses incentivos entre empresas e
universidades; e, a partir desses incentivos, o governo conseguiu -ao mesmo tempo- um
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maior aperfeiçoamento da mão de obra e o aumento dessa mão de obra especializada, além
de garantir recursos financeiros para essas universidades.
Nesse contexto, podemos pensar na teoria das forças produtivas de List. Para o autor, todo o
gasto feito na instrução das pessoas é um consumo em prol das forças produtivas, ou seja,
o maior consumo da nação deve ser utilizado na educação, garantindo assim forças
produtivas para as gerações futuras. A nação deve sacrificar um pouco de seus bens materiais
para adquirir uma habilidade profissional; mas ao mesmo tempo que o protecionismo pede
esse sacrifício material, o aumento das forças produtivas na nação, além de mais bens
materiais e autonomia em termos de guerra, a longo prazo, como aconteceu com a China
durante as últimas crises mundiais. Esse pensamento de List concorda de maneira indireta
com o que o líder Xiaoping planejou e realizou desde 1978, principalmente em matéria
educacional e em relação ao uso do protecionismo na economia (LIST, 1983).
O exército chinês é uma demonstração expressiva do crescimento econômico do país, pois
desempenhou um papel além das ações tradicionais de defesa e proteção. O exército passou a
fazer parte do complexo industrial-militar, com o propósito de modernizar a indústria da
defesa nacional. Assim, com esse maior controle, o complexo militar teve a possibilidade de
se tornar autossuficiente em despesas como planejamento e pesquisas militares (Medeiros,
2005). Porém, atualmente, as empresas com origem nesse complexo militar, aos poucos têm
o seu controle transferido para agentes privados da China.
Conforme Freitas (2013), para o desenvolvimento dos setores científicos e tecnológicos, o
governo chinês implementou -em 1982-, o Programa Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento em Tecnologias-Chave, e -em 1986- o Programa Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento em Alta Tecnologia. A estratégia utilizada por Xiaoping foi a de
disseminação da tecnologia por meio das universidades. Na segunda metade de 1990, o
governo lança o Programa Nacional de Pesquisa Básica e a China começou a realizar
investimentos para a formação de pesquisadores, criação de laboratórios, centros de pesquisa
e atração de cientistas chineses vivendo no exterior.
Vale ressaltar que esses programas foram realizados para resultados a longo prazo, conferidos
nas décadas seguintes. Primeiramente, destaca-se o fortalecimento das pesquisas realizadas
em programas de pós-graduação e, em segundo lugar, verificou-se a transformação do perfil
típico da indústria transportadora, que impulsionou o crescimento da economia com a venda
de produtos que necessitavam de mais trabalho do que conhecimento e depois passaram a ter
uma grande participação dos itens de alta tecnologia (KNEWITZ, 2013). Segundo um artigo
publicado por Kroeber em 2007, no Portal Fator Brasil, o princípio básico da economia
chinesa é importar tecnologia de forma barata, se for preciso por roubo também, e então
produzi-la pelo menor custo possível para o maior número de pessoas. Assim, para o autor,
o desempenho chinês -desde 1979- vem da difusão tecnológica e não propriamente da
invenção dessas tecnologias.
O progresso científico e tecnológico está criando condições para que a China seja
considerada uma eventual candidata ao lugar de superpotência mundial, inclusive na área da
segurança nacional, com os investimentos em tecnologia militar (Chamorro, 2020). O foco
nessas áreas é tão grande que o governo chinês oferece como incentivo, para empresas com
qualificações tecnológicas avançadas, a isenção de impostos por cinco anos, com a
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possibilidade de outros benefícios por mais 8 anos e o apoio de parques tecnológicos em quase
todas as grandes cidades chinesas.
Os principais pontos que podem ser identificados em relação ao crescimento econômico
chinês nos últimos anos o o apoio governamental a empresas e a qualquer negócio,
investimentos estrangeiros e mão de obra barata, com um equilíbrio entre uma maior
liberalização e abertura dos mercados chineses e um controle excepcional do Estado na
economia, criando, assim, o socialismo de mercado.
Na próxima seção, abordaremos a relação comercial entre as duas maiores potências
mundiais do século XXI, os Estados Unidos e a China, e realizaremos uma comparação das
duas economias.
Relações comerciais Estados Unidos e China
A China e os Estados Unidos possuem uma relação de controvérsias; são grandes parceiros
comerciais há décadas, mas durante toda essa parceria houve muitas tensões, que perduram
até os dias atuais. Esse forte vínculo entre os dois países iniciou-se no pós-Guerra Fria,
quando a República Popular da China se aliou à potência norte-americana para garantir sua
segurança internacional e para fortalecer os laços comerciais que estavam em seus planos,
com o objetivo de realizar parcerias comerciais com empresas estrangeiras para a
transferência de tecnologia.
De fato, o ressurgimento da China na economia mundial vem sendo objeto de discussões. Para
Zakaria et al. (2008), essa ascensão representa o início do declínio americano, enquanto são
delineadas estratégias para se manter no poder. Por mais que a China e os Estados Unidos
possuam sistemas de governo antagônicos -socialismo de mercado e capitalismo-, os dois
países beneficiaram-se com as suas relações comerciais, tanto é que, segundo Knewitz (2013,
p.143) “o relacionamento chinês-americano é a relação bilateral mais importante do mundo
no século XXI”. Desde o início e até os dias atuais, as duas maiores potências mundiais são
muito interdependentes, dependem muito uma da outra e suas ações influenciam os demais
países. O maior destino das exportações chinesas são os EUA e a maior parte do capital
estrangeiro investido no território chinês vêm da potência norte-americana. Desse modo, para
os Estados Unidos, o maior gasto vem das importações advindas da China, enquanto o país
asiático é dependente do país norte-americano para comprar essas grandes quantias de
exportações, além também das empresas norte-americanas que junto com as chinesas formam
as joint ventures, causando um déficit na balança comercial do país americano -deixando-o
dependente dos produtos chineses (GEIGER, 2015).
A crise da hegemonia norte-americana tem o seu início na década de 70, quando os países da
Europa ocidental e o Japão haviam se recuperado da Segunda Guerra Mundial, fazendo com
que os Estados Unidos não possuíssem tanto poder de coerção sobre esses países, mesmo que
a capacidade militar norte-americana continuasse inalterada. A guerra do Vietnã, finalizada
em 1975, a queda do muro de Berlim, em 1989, e os ataques às torres gêmeas, em 11 de
setembro de 2001, quando Bush -presidente norte-americano naquele período- enviou tropas
militares ao Iraque e ao Afeganistão, tornaram-se os ápices desse início da crise hegemônica
americana (MARCELINO, 2008). Outro fator que auxiliou ao possível declínio dos EUA foi
o crescimento econômico de seu principal parceiro comercial, a China, quando o cenário
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econômico mundial começou a dar um maior destaque aos países orientais.
A ascensão econômica chinesa trouxe possíveis mudanças no cenário internacional, que até
hoje é orientado pela ordem mundial ocidental capitalista, mas que tem se desequilibrado a
favor de uma possível ordem mais oriental. Porém, essa situação causa um certo desconforto
aos Estados Unidos e aos demais países, que repudiam o socialismo. Para os autores realistas,
conforme a China se torne mais poderosa e coloque a posição dos EUA em declínio,
acreditam ser provável que a China utilize seu crescimento para influenciar e reconfigurar as
regras e instituições do sistema internacional, de modo que atendam seus interesses
nacionais, virando uma ameaça para a segurança internacional. Uma das diferenças existentes
entre os dois países é que a potência chinesa é unipartidária, ou seja, somente o Partido
Comunista Chinês controla as decisões políticas e econômicas do país e, desse modo, ao
mesmo tempo em que mantém um regime com censuras, autoritário, e muitas vezes corrupto,
também acaba possuindo uma maior agilidade nas decisões estatais (GEIGER 2005).
Segundo Ikenberry (2008), é plausível que a China supere os Estados Unidos em diversos
sentidos, entre eles: alta tecnologia, quantidade de acordos bilaterais firmados com outros
países, PIB. Sendo o país que mais cresce no mundo desde 1980, a China não se destaca
apenas exportando produtos considerados básicos como sapatos e brinquedos, mas vem se
destacando na exportação de produtos com maior teor tecnológico, principalmente a partir
dos anos 90, com a utilização das joint ventures no território chinês (GEIGER, 2005). A
maior desvantagem chinesa e barreira para se tornar a maior economia é a sua moeda, o yuan,
pois não é utilizada para transações comerciais. A falta de um soft power expressivo, ou seja,
a falta de instrumentos que utilizem questões culturais difundidas nas políticas estatais, além
da falta de uma democracia plena no país, mostra a diferença entre a China e os Estados
Unidos na utilização desse instrumento, fazendo com que o país asiático precise melhorar
sua comunicação internacional.
Donald Trump e a guerra comercial entre Estados Unidos e China
O presidente eleito Donald Trump, durante sua campanha eleitoral em 2016, anunciava como
propaganda para seu governo o restabelecimento da economia estadunidense, que vinha
sofrendo um abalo de sua estável liderança mundial, em decorrência da ascensão chinesa na
economia mundial. Em 2017, a Organização Mundial do Comércio concedeu à China o status
de economia de mercado do ano, o que desagradou e gerou críticas por parte dos Estados
Unidos, que recusava-se a aceitar que o país asiático fosse uma economia de mercado
(KAPUSTINA, 2020).
Podemos dizer que a guerra comercial de fato começou em março de 2018, quando foram
introduzidas pelo país norte-americano tarifas sobre o aço e o alumínio. Em julho do mesmo
ano, uma série de taxas foram colocadas, pelos Estados Unidos, sobre os produtos chineses;
o argumento do presidente norte-americano era que o país vinha sofrendo prejuízos por causa
do estado da balança comercial entre os dois países (MONTEIRO 2019).
Dentre os principais efeitos da gestão de Trump, está a mudança na política dos Estados
Unidos em relação ao livre comércio, a partir do uso de estratégias protecionistas que buscam
garantir o primeiro lugar do país na disputa pelo capital em escala mundial; com isso, a
política econômica norte-americana assumiu estratégias que remetem aos ideais
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mercantilistas na defesa de um balanço comercial favorável, e também se posiciona de forma
contrária aos mecanismos liberais de regulamentação a nível internacional (RIBEIRO, 2020).
O pretexto do governo Trump para a relativa queda da base manufatureira e industrial dos
EUA é a transferência desse capital produtivo para a China. Dentre as principais implicações
que intimidam os norte-americanos estão a autossuficiência chinesa em tecnologias
emergentes, o acesso fácil do país a subsídios advindos de um Estado empreendedor e uma
forte política industrial (MELTZER, SHENAI, 2019), questões que evidenciam as
dificuldades dos Estados Unidos para enfrentar um país que possui inúmeras alternativas
autônomas voltadas para sua inserção na economia e política mundiais.
De acordo com a política norte-americana de Donald Trump, podemos perceber quatro
causas principais que fomentaram a guerra comercial por parte dos Estados Unidos.
Primeiramente, a diminuição da dependência que o país tem por recursos vindos da China,
consequentemente, diminuindo o déficit bilateral que entre os dois países. Os Estados
Unidos o consideravam o comércio com o país chinês como sendo justo. Ao analisar a
relação entre exportação e importação entre eles, podemos perceber que os EUA importam
da China produtos finais, enquanto os chineses importam principalmente produtos
interdependentes (KAPUSTINA, 2020). A segunda possível causa foi para tentar reduzir a
capacidade da alta tecnologia chinesa. Os Estados Unidos se mostraram insatisfeitos com a
criação das joint ventures por parte da China e, por conseguinte, com a realização dessa
transferência de tecnologia para as empresas chinesas locais. Desse modo, o país norte-
americano impôs tarifas de até 25% sobre os produtos tecnológicos chineses.
A suposta pretensão por parte dos Estados Unidos de querer evitar o aumento da força militar
chinesa pode ser considerada a terceira causa da guerra comercial chinesa-americana. Como
o país norte-americano é uma das maiores potências militares do mundo, se não a maior, o
crescimento militar chinês para os Estados Unidos, e conseguintemente o alcance por parte
da China da superioridade militar, tornou-se inadmissível.
Por fim, a quarta possível causa que levou ao desencadeamento da guerra comercial foi o
déficit orçamentário federal de 21 trilhões de dólares, que ocorreu em partes, em decorrência
de uma política norte-americana que o atribuiu a cortes de impostos no ano de 2017. Em
comparação com a política estadunidense, o governo chinês possui uma política fiscal
considerada mais saudável, possuindo uma maior facilidade para realizar a compensação
de indústrias prejudicadas pela guerra econômica. (Dongsheng, Luft, Zhong, 2019).
Em decorrência desse conflito chinês-americano, o crescimento dos dois países pode declinar
até 0,5% em 2020. Do lado estadunidense, os setores por enquanto mais afetados foram o
agrícola, o químico e de transportes de equipamentos; enquanto para a China os setores que
se encontram nessa situação são os de maquinaria, equipamentos eletrônicos e outros
produtos manufaturados. Alguns especialistas analisam que os Estados Unidos podem sair
dessa guerra comercial mais afetados economicamente do que a China; grandes companhias
-como Mcdonalds e Apple- podem sofrer boicotes e perder consumidores chineses durante
esse desentendimento comercial, enquanto a demanda chinesa por produtos restritos pelos
Estados Unidos vem aumentando (KAPUSTINA, 2020).
Bergsten (2018) identificou três possíveis cenários para a guerra comercial chinesa-
americana. O primeiro, caracterizado como G0, indicaria que os Estados Unidos não se
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encontrariam mais dispostos a liderar a economia mundial, mas, em compensação, a China
também ainda não estaria disposta ou preparada para assumir essa posição. O segundo
cenário, chamado G1, seria com a China na liderança da hegemonia mundial. E, por último,
o G2 seria a cooperação entre os Estados Unidos e a China, que estariam de acordo no
compartilhamento da liderança mundial.
Considerações finais
Neste trabalho, buscamos abordar a evolução e ascensão econômica chinesa, apresentando o
governo de Deng Xiaoping e as medidas implementadas para desenvolver sua economia, com
o propósito de identificar a existência da possibilidade de um deslocamento da ordem
mundial ocidental para a oriental, ou seja, a China tomando o lugar dos Estados Unidos como
hegemonia mundial. Ao decorrer do trabalho, escrevemos a respeito das relações bilaterais
entre os dois países e da guerra comercial iniciada pelo governo do então ex-presidente
Donald Trump. A partir de pesquisas, concluímos que um cenário no qual a China fosse a
maior potência mundial, nos próximos anos, é viável.
Ambos os países que apresentamos neste trabalho possuem uma forte relação de
interdependência, e mesmo que em 2020 estejam “disputando” o primeiro lugar como der
mundial, sempre se encontrarão nessa relação de amizade e inimizade. Desde o pós-Guerra
Fria, a ordem internacional é liderada pela potência norte-americana; para uma mudança de
cenário, a maioria dos países deverão estar de acordo.
A ordem mundial em vigor é unipolar, há apenas uma superpotência econômica e militar, os
Estados Unidos. Porém, como o mundo está em constante mudança e os países visam cada
vez mais à cooperação entre si, um sistema internacional onde mais de um país compartilhe
o poder é bem possível. Em poucas palavras, um mundo liderado pela China e os Estados
Unidos, até 2030, não é impossível.
Referências
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