Revista Anual del Centro de
Investigaciones en Estudios
Latinoamericanos para el Desarrollo y
la Integración
Covid-19 e federalismo brasileiro: conflitos verticais e cooperação horizontal entre os
entes federados
Autor(es): Dos Santos, Stephani
Fuente: Latitud Sur 17, Vol. 1, Año 2022. UBA-FCE, CEINLADI. (En línea) ISSN 2683-
9326.
Publicado por: Universidad de Buenos Aires, Facultad de Ciencias Económicas. Centro de
Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración
(CEINLADI). Las opiniones y el contenido vertido en este trabajo son responsabilidad
exclusiva del autor.
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ISSN 2683-9326.
Artículo original de investigación
COVID-19 E FEDERALISMO BRASILEIRO: CONFLITOS VERTICAIS E
COOPERAÇÃO HORIZONTAL ENTRE OS ENTES FEDERADOS
1
Stephani dos Santos
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (BRASIL)
Resumo
Este trabalho estuda a Covid-19 e o Federalismo brasileiro, visto que a pandemia se trata de
um Complex Intergovernamental Problem e seu combate exige forte coordenação e
cooperação entre os entes. Conclui-se que a chegada da Covid-19 deu início a conflitos
verticais devido a divergências políticas em seu enfrentamento e, em contrapartida, fortaleceu
as relações horizontais e preencheu as lacunas deixadas pelo governo Bolsonaro.
Palavras-chave
Pandemia Covid-19 Federalismo brasileiro Relações intergovernamentais
COVID-19 AND BRAZILIAN FEDERALISM: VERTICAL CONFLICTS AND
HORIZONTAL COOPERATION BETWEEN FEDERATIVE ENTITIES
Abstract
This work studies Covid-19 and Brazilian Federalism, since the pandemic is a Complex
Intergovernmental Problem and fighting against it requires strong coordination and
cooperation between federative entities. It concludes that Covid-19 started vertical conflict
because of the political divergences on the fight against it and, in contrast, strengthened
horizontal cooperation and filled the gaps left by the Bolsonaro government.
Keywords
Pandemic Covid-19 Brazilian Federalism Intergovernmental Relations
Introdução
A Covid-19 configura-se como um Complex Intergovernamental Problem (CIP) (Peters et
al., 2021), pois se trata de uma crise que, em Estados federativos, afeta todos os níveis de
1
Fecha de recepción: 28/02/22. Fecha de aceptación: 23/05/22.
2
Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade do Sagrado Coração e Mestranda no Programa de
Pós-graduação em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista na Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Redatora voluntária na Rede de Produtores de
Conteúdo Politize. https://orcid.org/0000-0002-6842-1210
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governo e exige coordenação entre eles para seu combate. Visto que no federalismo as
relações intergovernamentais moldam as políticas contra à pandemia (Peters et al., 2021), o
modelo federativo ideal é, portanto, o de cooperação (Abrucio et al., 2020). O federalismo
brasileiro, desde a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), apoia-se neste modelo e combina
a autoridade compartilhada com a autonomia dos entes subnacionais e a coordenação da
União (Abrucio et al., 2020). Entretanto, o governo de Bolsonaro tem caminhado do
federalismo cooperativo para o dualista, o qual concentra a tomada de importantes decisões
na União, reduz seu papel coordenador e transfere responsabilidades aos governos
subnacionais (Abrucio et al., 2020) e, consequentemente, afeta as relações
intergovernamentais.
Este estudo tem como objetivo apresentar eventos que marcaram o federalismo brasileiro e
como eles moldaram as relações intergovernamentais, verticais e horizontais, no combate à
pandemia. Pretende-se demonstrar que houve enfraquecimento nas relações do governo
federal para com estados e municípios, e que a chegada da pandemia no Brasil deu início a
conflitos políticos devido a divergências intergovernamentais para o enfrentamento da
mesma e, sobretudo, devido a omissão e negacionismo por parte do presidente Jair
Bolsonaro. Pretende-se mostrar também que, em contrapartida, houve um fortalecimento das
relações intergovernamentais horizontais, sobretudo entre os estados brasileiros, a fim de
combater a pandemia e preencher as lacunas deixadas pelo governo federal.
De cunho qualitativo, o desenvolvimento deste trabalho se deu por meio de uma revisão
bibliográfica sobre o federalismo brasileiro instituído pela Constituição Federal, de 1988 a
2018 e, posteriormente, de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, pois somente através
desta comparação é possível identificar as diferenças federativas antes e durante o governo
Bolsonaro. Realizou-se também uma revisão dos principais fenômenos políticos, das ações
dos governos federal e estaduais frente à pandemia e das transformações nas relações
intergovernamentais, de fevereiro de 2020, período em que foi confirmado o primeiro caso
da Covid-19 no Brasil, até dezembro de 2021. Portanto, também foi realizada uma análise
documental e foram acompanhadas e repertoriadas as notícias veiculadas aos principais
meios jornalísticos do país relacionados ao tema.
Esse trabalho justifica-se pela importância das relações intergovernamentais em Estados
federativos para o combate à Covid-19, uma vez que a pandemia se trata de um CIP e, assim,
atinge todos os níveis de governo de um Estado federativo e exige forte coordenação entre
os entes para enfrentá-la. Justifica-se, sobretudo, pela relevância em compreender o caso
brasileiro, em que as relações intergovernamentais foram enfraquecidas pelo governo federal
e, posteriormente, se tornaram conflitivas, devido às divergências no combate à Covid-19.
O presente artigo está dividido em três partes, sendo a primeira sobre os trinta anos do
federalismo brasileiro (1988 - 2018) e o ano de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. A
segunda parte discute o enfraquecimento das relações intergovernamentais e o início de
conflitos políticos verticais, sobretudo entre governos federal e estaduais, devido as
divergências quanto ao combate à pandemia. A terceira parte apresenta o fortalecimento das
relações intergovernamentais horizontais, principalmente interestaduais, a fim de combater a
pandemia.
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Governo Bolsonaro: eventos que marcaram o federalismo brasileiro
O atual presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro, político de extrema direita e dono de
um discurso conservador, anti-sistêmico e com forte apelo à intervenção militar (Avritzer &
Rennó, 2021), foi eleito em 2018 e assumiu a presidência em 1 de janeiro de 2019. Junto às
eleições presidenciais, realizaram-se também as eleições dos governadores estaduais e de
Brasília, capital do país. Na ocasião, quinze, dos vinte e sete governadores eleitos, apoiaram
a candidatura de Bolsonaro no primeiro e/ou no segundo turno das eleições; nove não o
apoiaram e três se posicionaram de forma neutra (Vilela, 2018). Considerando o apoio
político de 55% dos governadores ao presidente nas eleições de 2018, no primeiro ano de
mandato o governo Bolsonaro avançou com sua agenda política enfrentando pouca oposição
dos governadores estaduais (Avritzer & Rennó, 2021).
Desde a Constituição de 1988, o federalismo brasileiro segue o modelo cooperativo, o qual
atribui autonomia política, administrativa e financeira aos estados e municípios, tornando-os
responsáveis pela implementação de políticas públicas locais e participantes no processo
decisório. Essa autonomia é contrabalanceada pelo governo federal, cujo objetivo é a
expansão de políticas públicas nacionais e a redução das desigualdades entre os entes
subnacionais, portanto, seu papel consiste na coordenação mediante normatização, indução
e financiamento de políticas (Abrucio et al., 2020). Deste modo, o federalismo brasileiro
combina centralização, descentralização e coordenação. O Sistema Único de Saúde (SUS), é
um dos maiores exemplos de política pública nacional ancorada no federalismo de
cooperação, visto que é competência dos entes subnacionais a oferta de serviços (Arretche,
1999), e cabe ao governo federal a coordenação através da normatização e distribuição de
recursos (Franzese & Abrucio, 2013), portanto, o SUS depende fortemente das relações
intergovernamentais (Abrucio et al., 2021).
Embora o federalismo brasileiro tenha fragilidades, ao longo de trinta anos (1988 - 2018)
teve também avanços na coordenação, na cooperação e nas relações intergovernamentais
(Abrucio et al., 2020). Entretanto, desde o primeiro ano de governo, a gestão Bolsonaro tem
atuado na direção de um antiliberalismo político e presidencialismo imperial (Abrucio et al.,
2020). O governo Bolsonaro atua de acordo com um tripé federativo, sendo o primeiro, a
divisão rígida de funções entre os entes subnacionais e a redução da participação da União
no financiamento de políticas públicas e no apoio à redução das desigualdades entre estados
e municípios. O segundo apoio reforça o federalismo dual, o qual concentra a tomada de
decisões na União, não deixando espaço para a participação dos entes subnacionais no
processo decisório, muito menos para o diálogo e a negociação. Por último, encontra-se o
conflito intergovernamental, a fim de reforçar seu posicionamento antissistema (Abrucio et
al., 2020).
Fenômenos políticos ocorridos em 2019 marcaram a estrutura federativa, dentre elas, a
expansão do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares sem consulta aos entes
subnacionais. O programa deve chegar a 216 escolas até 2023, a adesão de estados e
municípios é voluntária e em caso de não adesão do estado, ainda é permitida a adesão do
município pertencente a ele (Ministério da Educação [MEC], 2019), o que representa uma
descoordenação federativa.
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O governo Bolsonaro também se colocou contra a Proposta de Emenda à Constituição, PEC
15/15, para Renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
(FUNDEB), o qual reunia impostos estaduais, municipais e contribuição de 10% do governo
federal destinados aos entes subnacionais para o pagamento de professores, aquisição de
equipamentos e materiais didáticos, construção e manutenção de escolas. A proposta de
renovação que enfrentou resistência, previa o aumento da contribuição do governo federal,
ano a ano, a partir de 2021, de 12,5% até atingir 23% em 2026, além de tornar o fundo
permanente e previsto na Constituição Federal (Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação [FNDE], 2020). O FUNDEB foi criado em 2007 com validade até 31 de dezembro
de 2020, em caso de o renovação, seria extinto, no entanto, foi instituído pela Emenda
Constitucional 108, de 27 de agosto de 2020 e regulamentado pela Lei 14.113, de 25
de dezembro de 2020 (FNDE, 2020).
Na esfera ambiental, em janeiro de 2020, Bolsonaro comunicou a reativação do Conselho da
Região Amazônica
3
através de suas redes sociais. O Conselho, que antes pertencia ao
Ministério do Meio Ambiente e tinha em sua antiga formação a participação de governadores
de estados que constituíam a Amazônia Legal, atualmente, está sob o comando do vice-
presidente Hamilton Mourão e é formado por quatorze ministros do Poder Executivo Federal
(Planalto, 2020). O Conselho tem como objetivo proteger o meio ambiente, coordenar ações
para o desenvolvimento científico, prevenir atividades ilegais, dentre outras medidas que
serão decididas pelo vice-presidente da República, Mourão, enquanto os demais membros
apenas participam das discussões, pois não possuem poder de voto, de acordo com o Decreto
nº 10.239/2020.
Na assistência social, a gestão de Bolsonaro reduziu em mais de 70% os repasses ao Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), programa de gestão compartilhada cujo objetivo é
garantir a proteção social aos cidadãos em situação de vulnerabilidade através de benefícios,
serviços e projetos (Ministério da Cidadania, 2022). A redução dos repasses da União, no
entanto, gera uma sobrecarga no sistema e aumenta a demanda nos municípios que devem
cobrir a falta dos recursos distribuídos pelo governo federal. Consequentemente, o SUAS
sofre estagnação ou diminuição em sua capacidade em atender os cidadãos em situação de
vulnerabilidade (Conferência Nacional Democrática de Assistência Social, 2019).
Além disso, o poder executivo federal enviou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) N° 188/2019, também chamada de PEC do Pacto Federativo, a fim de
promover mudanças fiscais entre os governos federal, estadual e municipal. Com relação às
principais medidas, a PEC revoga dispositivos constitucionais que estabelecem valores
mínimos anuais que devem ser aplicados pela União nas políticas públicas de saúde e de
educação, o que representa um risco para o financiamento dessas políticas que seriam
privadas de um mínimo de recursos necessários para seu funcionamento, além das
responsabilidades serem transferidas aos entes subnacionais (Neto, 2020).
As iniciativas do governo Bolsonaro enfraqueceram as relações intergovernamentais, e este
enfraquecimento tornou-se mais evidente com o início da pandemia, bem como a relevância
do papel coordenador da União (Abrucio et al., 2020), uma vez que crises sanitárias exigem
3
Floresta tropical com aproximadamente 6 milhões de km² que se estende por sete países, sendo que 60% de
sua extensão está no Brasil.
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forte coordenação governamental, sobretudo em países federativos (Paquet & Schertzer,
2020).
Pandemia da Covid-19 no Brasil: descoordenação e conflitos políticos verticais
No federalismo as relações de cooperação e conflito moldam as políticas públicas, bem como
as de combate à Covid-19, devido à natureza de Complex Intergovernamental Problem (CIP)
da atual crise sanitária (Peters et al., 2021). A chegada da pandemia no Brasil intensificou as
divergências políticas e, as relações intergovernamentais enfraquecidas, tornaram-se
conflitivas, sobretudo entre o governo federal e os governos estaduais quanto às medidas de
enfrentamento à Covid-19.
As primeiras medidas adotadas no combate à pandemia, uma iniciativa do governo federal,
foram: Portaria 188 do Ministério da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, a qual declarou
situação de “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional” (ESPIN); a Lei
13.979, de 6 de fevereiro de 2020 que, em conformidade às orientações da OMS, estabeleceu
as medidas de enfrentamento da emergência em saúde pública, enfatizando a adoção de
medidas não farmacológicas, tais como isolamento social e quarentena; Portaria nº 454 de 20
de março de 2020 através da qual o Ministério da Saúde declarou estado de transmissão
comunitária de Covid-19 em todo o território nacional (Pereira et al., 2020). A partir destas
normativas, os governos estaduais se aliaram ao Ministério da Saúde, na época ministrado
pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (Abrucio et al., 2021), e passaram a regulamentar
as políticas de distanciamento social locais.
O primeiro caso da Covid-19 confirmado no Brasil foi em 26 de fevereiro de 2020 e, ao se
pronunciar sobre o caso, Bolsonaro afirmou: “estamos tendo problema do coronavírus, o
mundo todo está sofrendo”, e desde então o presidente se colocou contra as medidas adotadas
pelo Ministério da Saúde e pelos governos estaduais, pois acreditava que as medidas de
isolamento social poderiam causar um colapso na economia, portanto, defendia o isolamento
social vertical, o qual consiste no isolamento de grupos de risco, embora especialistas
apontem que políticas de isolamento social bem-sucedidas possibilitam rápida recuperação
econômica (Arbix et al., 2020).
Neste cenário dicotômico, o governo federal rompeu com a função de coordenar os entes
subnacionais e colocou governos estaduais no centro da política brasileira e no combate à
pandemia (Pereira et al., 2020), desde então, as instituições políticas se tornaram o principal
alvo do presidente, sobretudo a estrutura federativa (Abrucio et al., 2021), e novos eventos
marcaram o enfraquecimento e os conflitos intergovernamentais. Em 16 de março de 2020,
através do Decreto 10.277, Bolsonaro instituiu o Comitê de Crise para Supervisão e
Monitoramento dos Impactos da Covid-19, órgão que exclui estados e municípios e articula
ação governamental e assessora o presidente sobre questões decorrentes da pandemia.
Na segunda quinzena de março, todos os estados brasileiros já haviam decretado medidas de
isolamento social, sendo elas mais flexíveis ou rigorosas (Pereira et al., 2020). Confrontado
pela atuação dos governadores, Bolsonaro intensificou os conflitos quando ameaçou
flexibilizar as medidas de isolamento social adotadas pelos estados (Abrucio et al., 2020). O
governo federal queria definir, unilateralmente, como responder à pandemia da Covid-19,
enquanto os governadores procuravam garantir autonomia federativa. O conflito foi
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apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, por unanimidade concluiu, na sessão
realizada em 15 de abril de 2020, que o governo federal, estados e municípios têm
competências concorrentes sobre as políticas de saúde de acordo com a Constituição de 1988,
portanto, governos subnacionais podem combater a pandemia sem a intervenção do governo
federal (Oro & Alves, 2020).
A autonomia constitucional costuma ser baseada em responsabilidades exclusivas, comuns
ou competitivas entre os diferentes níveis de governo, a fim de preservar a autoridade
distributiva territorial e evitar comportamentos oportunistas, como por exemplo, ações do
governo central sobre ações legais dos governos subnacionais, caso contrário, tensões
poderão ameaçar o funcionamento do sistema federativo (Peters et al., 2021).
O tom de confronto, a omissão e o negacionismo do governo federal impossibilitaram a
tomada de decisões coordenadas e obrigou estados e municípios a combaterem a pandemia
de acordo com suas capacidades, o que tem afetado, sobretudo, governos locais com pouca
capacidade arrecadatória, dado que são ainda mais dependentes dos recursos vindos da União
(Lotta, 2020). Além disso, existem fortes desigualdades entre estados e municípios em alguns
países federativos, e a pandemia intensificou-as, em maior ou menor grau, em todas as
federações (Peters et al., 2021) e, tanto em tempos normais quanto em tempos de crise, é o
governo federal quem trabalha, em cada estado, para a redução das desigualdades (Arretche,
2012).
Bolsonaro, além de contrário ao distanciamento social, tem subestimado e assumido um
posicionamento negacionista quanto à pandemia, e demonstrado desprezo pela ciência (Oro
& Alves, 2020). O presidente preferiu o confronto federativo porque acreditava que a
população, mesmo com um grande número de mortes, suportaria o retorno às atividades
econômicas mais do que o isolamento social, por isso defendeu a imunidade de rebanho
4
(Abrucio et al., 2021). Em contrapartida, a OMS (2021) aponta que ela causaria,
primeiramente, um elevado número de mortes e, devido à possibilidade de reinfecção pela
doença, o número de vítimas seria contínuo, portanto, defende que a imunização da
população seja feita através da vacinação.
Ao subestimar a doença, Bolsonaro dizia: “é apenas uma gripezinha”, “não motivo para
pânico”, “estão superdimensionando o poder destruidor deste vírus”, “vão morrer muitos,
mas muito mais se a economia continuar destroçada por essas medidas (de isolamento
social)” (Oro & Alves, 2020). Ao longo do avanço da pandemia pelo país, Bolsonaro também
incentivou o uso de medicamentos para a prevenção e tratamento da Covid-19, na época não
testados cientificamente e, quando testados, refutados, como por exemplo, a cloroquina.
Também disseminou informações falsas sobre o uso de máscaras faciais, afirmando que estas
não são eficazes, e vetou a legislação que obriga o uso da mesma em todo território nacional
(Avritzer & Rennó, 2021). Seu veto, no entanto, foi derrubado pelo Congresso.
Outro episódio que marcou os conflitos entre o presidente e governadores estaduais no
combate à pandemia foi a “guerra da vacina" ocorrida no fim de 2020, na qual o governo
federal não tinha uma política de compra, tampouco um plano de vacinação, enquanto os
governos estaduais procuravam meios para comprá-las (Abrucio et al., 2021). Em janeiro de
4
Também conhecida como imunidade coletiva, ela ocorre quando a população se torna imune, seja por meio
de vacinação ou após infecção pela doença.
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2021 o governo do estado de São Paulo obteve aprovação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) para o início da vacinação, o que impactou diretamente no governo
federal e o obrigou a dar início ao plano de imunização nacional.
Com o surgimento da variante Ômicron, a ANVISA recomendou que fosse exigido um
comprovante de vacinação para entrada de viajantes no país, seja por via terrestre ou aérea
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021), no entanto, o presidente criticou a orientação e afirmou
que jamais exigiria tal documentação, e declarou que pretendia encaminhar uma Medida
Provisória (MP) ao Congresso a fim de estabelecer que somente o governo federal pudesse
decidir sobre a obrigatoriedade do passaporte de vacinação. No entanto, até a data de 3 de
dezembro de 2021, as capitais de dezenove
5
estados brasileiros já exigiam o comprovante de
vacinação de acordo com regras e restrições locais (G1, 2021). Em 15 de dezembro de 2021,
em votação realizada pelo STF, foi determinada a obrigatoriedade do passaporte vacinal, com
isso, o governo federal foi obrigado a publicar, em 20 de dezembro, a portaria com novas
regras para entrada de viajantes no país.
O governo Bolsonaro também tentou enfraquecer as articulações intergovernamentais do
SUS, fazendo com que as respostas e os resultados dos governos subnacionais frente à
pandemia fossem heterogêneos (Abrucio et al., 2021). Os estados brasileiros mais pobres e
menos desenvolvidos, por exemplo, não atendiam as proporções mínimas definidas pela
OMS, como por exemplo, uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para cada dez mil
habitantes e, neste quesito, os estados do Maranhão, Tocantins, Pará, Amapá, Amazonas,
Acre e Roraima, não atendiam a estrutura nima estabelecida pela organização (Pereira et
al., 2020). Em Manaus, capital do estado do Amazonas, ocorreu uma grande crise no sistema
hospitalar, na qual um grande número de pessoas faleceu devido a falta de oxigênio (Abrucio
et al., 2021). No plano de vacinação, Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e Tocantins
têm sido os mais atrasados, com menos de 70% da população vacinada até o momento
6
.
No combate à pandemia, o governo Bolsonaro colocou em confronto dois modelos
federativos: o cooperativo, com forte coordenação do governo federal; e o dualista,
centralizador, hierárquico e simultaneamente ausente na cooperação e coordenação dos entes
subnacionais. ainda uma ambiguidade no federalismo de Bolsonaro que, por um lado,
seguiu o modelo dual sem assumir responsabilidades no combate da Covid-19, atribuindo-as
aos estados e municípios, enquanto, por outro, transferia culpa aos governos locais pelo
agravamento da crise econômica do país, ao mesmo tempo que tentava controlá-los (Abrucio
et al., 2021). Bolsonaro também tem causado rivalidades e retaliações aos governadores que
têm atuado no combate à pandemia de acordo com as orientações científicas e da OMS
(Pereira et al., 2020), isso porque, de acordo com Avritzer e Rennó (2021), Bolsonaro é
considerado um dos líderes negacionistas mais radicais no combate à pandemia e fez uso do
conflito para seu engajamento político.
Ao longo do enfrentamento à Covid-19 governadores e prefeitos tiveram um papel essencial
na antecipação de decretos e proposições de leis para a instauração de medidas não
farmacológicas para o combate à pandemia (Schaefer et al., 2020) e, posteriormente, pelas
medidas farmacológicas, além de buscarem negociação e cooperação do governo federal.
5
Dados coletados em 28 de fevereiro de 2022.
6
Mapa da vacinação contra COVID-19 no Brasil consultado em 28 de fevereiro de 2022.
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Covid-19 e entes subnacionais: cooperação horizontal no combate à pandemia
O federalismo constitui um contexto institucional complexo de divisões de poderes exercidos
em diferentes esferas, bem como uma definição de regras, práticas e normas decorrentes de
interações intergovernamentais (Peters et al., 2021). Assim, três são os principais laços entre
arenas institucionais: (1) diferenciação vertical de autoridade entre governos territoriais; (2)
relações horizontais entre governos subnacionais; (3) arenas intergovernamentais que
reforçam o sistema federativo (Benz & Broschek, 2017).
Em um cenário de crescente conflito político e de inédita descoordenação do governo federal
tanto nas ações sanitárias quanto intersetoriais, os governadores estaduais assumiram
protagonismo na política nacional e passaram a ocupar lugar central no enfrentamento da
Covid-19 (Fernandez & Pinto, 2020). Neste contexto, ilustrado pelo Fórum dos
Governadores e pelo Consórcio do Nordeste, foram fortalecidas as relações governamentais
horizontais, sobretudo entre os estados, através da cooperação para o combate à pandemia e
para suprir as lacunas deixadas pelo governo Bolsonaro (Abrucio et al., 2020).
O Fórum dos Governadores é um fundo constitucional com lideranças políticas estaduais
articuladas em torno de arranjos institucionais de gestão pública, cuja finalidade é a
promoção do desenvolvimento (Clementino, 2019) e o fortalecimento das relações
intergovernamentais. As relações interestaduais são um meio de negociação capaz de colocar
grupos com menos poder político em confronto com outros grupos, como por exemplo,
governos subnacionais e o governo nacional, a fim de negociar, barganhar, cooperar e buscar
benefícios mútuos, ou podem ainda intensificar os conflitos verticais (Falletti, 2010).
Desde o início da pandemia no Brasil, governos subnacionais, sobretudo os estados, têm
fortalecido suas relações intergovernamentais com o objetivo de combater a Covid-19 e
dialogar com o governo federal. Embora houvesse alguns governadores estaduais mais
alinhados às políticas de Bolsonaro, a grande maioria atuou em defesa da democracia, do
federalismo brasileiro, da autonomia subnacional e contra o negacionismo científico
defendido pelo presidente (Souza & Fontanelli, 2021) e, através de inúmeras cartas enviadas
à Bolsonaro, solicitaram ajuda e buscaram espaço para dialogar sobre as medidas de
enfrentamento da Covid-19.
A primeira carta enviada pelo Fórum dos Governadores ao governo federal foi em 25 março
de 2020, na qual vinte e seis estados, exceto o Distrito Federal, solicitaram o reforço do Pacto
Federativo para combater a pandemia e seus efeitos humanitários e econômicos. Além das
tentativas de negociação com o presidente Bolsonaro, governadores estaduais também
procuraram a cooperação de outras instituições, inclusive no sistema internacional, após a
contínua omissão do governo federal. O quadro abaixo apresenta uma síntese das cartas,
ofícios e notas oficiais, de 2020 a 2021, emitidas pelo Fórum dos Governadores e
apresentadas em âmbito nacional e internacional, a fim de negociar e adquirir meios para o
combate da Covid-19 no Brasil.
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Tabela 1
Relação de cartas, ofícios e notas enviadas pelos governadores estaduais para o apoio
no combate à pandemia
Natureza
Destinatário
Data
Tema
Trecho
Carta
Presidente
Jair
Bolsonaro
25/03/2020
Propostas de
combate à
Covid-19 e
reforço ao Pacto
Federativo
“Por fim, rogamos uma vez mais ao Presidente
Jair Bolsonaro que some forças com os
governadores na luta contra a crise do
coronavírus e seus impactos humanitários e
econômicos.”
Ofício
Presidente
Jair
Bolsonaro
18/12/2020
Prorrogação do
reconhecimento
do estado de
calamidade
pública
“Apresentamos proposta de prorrogação, por
mais 180 dias, do reconhecimento do estado de
calamidade pública, uma vez que essa
iniciativa asseguraria a continuidade de ações
de proteção àqueles que vivem em situação de
vulnerabilidade…”
Ofício
Laboratórios
FIOCRUZ e
Instituto
Butantan
19/02/2021
Solicitação do
cronograma de
entrega de
vacinas Covid-
19
“Os Entes Federados têm como objetivo a
manutenção da estratégia segundo as regras do
Plano Nacional de Imunização, a fim de
alcançar número suficiente de vacinas até o
próximo mês de abril…”
Nota
Pública
Presidente
Jair
Bolsonaro
01/03/2021
Informações
falsas sobre
repasses
financeiros aos
Entes Federados
“...a linha da má informação e da promoção do
conflito entre os governantes em nada
combaterá a pandemia, muito menos permitirá
um caminho de progresso para o país”.
Carta
Presidente
Jair
Bolsonaro
04/03/2021
Solicitação para
que o presidente
peça reforço
internacional
para aquisição de
vacinas
“Os Governadores dos estados abaixo
assinados solicitam ao Presidente da República
imediata adoção das providências necessárias a
fim de viabilizar a obtenção, junto a entidades
estrangeiras, de novas doses de imunizantes
contra a Covid19”.
Carta
Aos três
poderes e às
três esferas da
Federação
10/03/2021
Pacto nacional
em defesa da
vida e da saúde
“O coronavírus é hoje o maior adversário da
nossa nação. Precisamos evitar o total colapso
dos sistemas hospitalares em todo o Brasil e
melhorar o combate à pandemia”.
Carta
ONU e OMS
16/04/2021
Ajuda
humanitária
“Na qualidade de líderes subnacionais de
Estado-membro fundador da ONU…os
Governadores signatários pedem ao mundo que
Stephani dos Santos
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se sensibilize com o atual estágio da crise
sanitária que acomete o país...”
Ofício
Presidente
Joe Biden
26/05/2021
Ajuda
humanitária de
disponibilização
de vacinas
“...diante da gravidade da pandemia que aflige
o Brasil, dirigem-se a V.Exa. a fim de solicitar
ajuda humanitária, a ser efetivada por meio da
disponibilização de, ao menos, 10 milhões de
doses de vacinas contra a Covid-19…”
Fonte: elaborado pela autora a partir de documentos oficiais e principais fontes jornalísticas.
O Fórum dos Governadores, portanto, através das relações intergovernamentais e da
cooperação horizontal, buscou espaço para o diálogo, a negociação e o fortalecimento do
Pacto Federativo com a União. No entanto, os governadores estaduais esbarraram no
esvaziamento de ações do governo federal, no posicionamento negacionista e no tom de
confronto do presidente Bolsonaro. Neste cenário, portanto, os governos estaduais tiveram
que, juntos, buscar outras instituições para a cooperação no enfrentamento da crise sanitária
e para a aquisição de vacinas.
O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, ou somente
Consórcio Nordeste, por sua vez, foi criado em 2019 para ser o instrumento jurídico, político
e econômico de integração dos nove estados da região Nordeste do Brasil, conforme o mapa
abaixo.
Figura 1
Estados membros do Consórcio Nordeste
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados obtidos no site oficial do Consórcio Nordeste.
Covid-19 e federalismo brasileiro: conflitos verticais e cooperação horizontal entre os entes federados
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A iniciativa pretende atrair investimentos e alavancar projetos de forma integrada, articular
pactos de governança, realizar compras conjuntas, implementação de políticas públicas e a
busca por cooperação, também em nível internacional (Consórcio Nordeste, 2020). O
Consórcio Nordeste é o primeiro no Brasil a representar relações intergovernamentais
ancoradas na horizontalidade (Clementino et al., 2020). A Lei 11.107, de 6 de abril de
2005, conhecida como lei dos consórcios públicos, é uma das primeiras iniciativas brasileiras
que tenta propiciar as relações intergovernamentais e a construção de relações horizontais
entre os entes subnacionais (Fernandez & Pinto, 2020).
Na segunda reunião realizada pelo Consórcio em março de 2020, período em que casos de
Covid-19 foram confirmados na região, os estados membros deram início à organização de
comitês, os quais eram responsáveis pelo monitoramento, acompanhamento e orientações
aos seus respectivos estados (Santana et al., 2021). As orientações dos comitês estaduais a
seus governos de forma síncrona, resultaram em uma onda de decretos e medidas de
distanciamento social coordenadas, a fim de reduzir a disseminação do vírus (Santana et al.,
2021). Mesmo diante da complexidade da atual crise sanitária, de disputas ideológicas e
científicas, todas as decisões na Assembleia dos Governadores do Consórcio Nordeste, foram
tomadas por consenso, o que ressalta a cooperação e a coordenação horizontal na região
(Fernandez & Pinto, 2020).
Clementino (2019) afirma que a cooperação é favorecida pela identidade regional, a qual é
compartilhada pelos estados do Consórcio desde 1950, quando foi criada a Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), portanto existia, previamente, uma articulação
entre os estados. De acordo com Santana et al. (2021), o protagonismo e a cooperação
existente no Consórcio do Nordeste também são resultados da oposição da maioria dos
governadores da região ao governo federal e à filiação destes à partidos de centro-esquerda.
Em 30 de março de 2020, o Consórcio tomou a principal iniciativa no combate à pandemia,
criou uma frente técnico-científica regional, o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus
do Consórcio Nordeste, com a finalidade de monitorar o contexto local, o que indica o esforço
do Consórcio em acompanhar, de forma sistêmica, a evolução e impactos da pandemia nos
estados membros (Santana et al., 2021). O Comitê Científico tem como missão reunir
informações para orientar e articular as ações dos estados e municípios para o combate à
pandemia através de boletins em seu portal oficial (Comitê Científico, 2021).
Através do Consórcio, foram comprados, coletivamente, insumos para o enfrentamento à
doença, tais como medicamentos e respiradores. Também foram implementadas estratégias
de acompanhamento de cidadãos contaminados e monitoramento da progressão da doença,
orientações, apoio técnico e apoio às decisões relacionadas ao isolamento social, medidas de
redução dos efeitos sociais da pandemia, ões de saúde pública, restrição de tráfego nas
rodovias, realização de barreiras sanitárias, integração de redes de pesquisa e de
desenvolvimento tecnológico, além de outras medidas (Fernandez & Pinto, 2020).
Tanto como o Fórum dos Governadores, o Consórcio Nordeste solicitou à União respostas
técnico-científicas e econômicas mais assertivas, além de se reunir com o presidente em 23
de março de 2020 para a discussão da Covid-19, no entanto, o presidente se posicionou
contrário às medidas de combate à pandemia e o governo federal deu poucas e inconstantes
Stephani dos Santos
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respostas (Santana et al., 2021). Nesse sentido, o papel do Consórcio no enfrentamento do
vírus se fortaleceu devido ao vazio da atuação do governo federal na orientação,
normatização e no desenvolvimento de processos nacionais, bem como na compra e
distribuição de insumos e equipamentos necessários (Fernandez & Pinto, 2020). Assim, o
Consórcio Nordeste transita da inovação ao protagonismo no combate à crise sanitária atual
(Clementino et al., 2020).
Governos subnacionais, sobretudo os estados, foram os principais responsáveis pelas
políticas de combate à pandemia e pelo contrapeso à ausência e às medidas errôneas do
governo federal. Nesse contexto, a estrutura federativa evitou, parcialmente, um cenário pior,
mitigando o impacto de decisões do governo Bolsonaro (Abrucio et al., 2021).
Considerações finais
Este trabalho apresentou eventos críticos que marcaram o federalismo brasileiro desde o
primeiro ano de governo Bolsonaro, atribuindo à estrutura federativa características dualistas
e, consequentemente, enfraquecendo as relações intergovernamentais. Os eventos se
tornaram mais críticos com a chegada da Covid-19 no país, uma vez que, se tratando de um
CIP, faz-se necessário o papel coordenador na União e o fortalecimento das relações
intergovernamentais para o seu combate.
No entanto, as relações intergovernamentais já enfraquecidas e a redução do papel da União
no combate à Covid-19, resultaram em descoordenação intergovernamental, dificultaram a
tomada de decisões nacionais e deram origem a conflitos políticos verticais para
enfrentamento à pandemia, sobretudo entre os governos federal e estaduais.
Em contrapartida as relações horizontais foram fortalecidas, um fenômeno considerado novo
no federalismo brasileiro, em que governos subnacionais foram colocados no centro do
enfrentamento à crise sanitária, sobretudo os estados, a fim de preencher as lacunas deixadas
pelo governo federal. Unidos pelo Fórum dos Governadores e pelo Consórcio Nordeste, os
estados brasileiros buscaram espaço para o diálogo e a negociação a fim de retomar as
relações com a União, a coordenação federativa e colocar um fim nos conflitos políticos,
além de proporem um conjunto de medidas para o combate à Covid-19, no entanto, não
obtiveram êxito.
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