Revista Anual del Centro de
Investigaciones en Estudios
Latinoamericanos para el Desarrollo y
la Integración
Incrementos e retrocessos das políticas de Renda Básica na Região Metropolitana
fluminense em meio à pandemia do coronavírus
Autor(es): Medeiros, Jimmy; Falilou Diop, Amsatou; Vaz Araujo, Ian; Pereira Lopes, Victor
Fuente: Latitud Sur 17, Vol. 1, Año 2022. UBA-FCE, CEINLADI. (En línea) ISSN 2683-
9326.
Publicado por: Universidad de Buenos Aires, Facultad de Ciencias Económicas. Centro de
Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración
(CEINLADI). Las opiniones y el contenido vertido en este trabajo son responsabilidad
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Incrementos e retrocessos das políticas de Renda Básica na Região Metropolitana fluminense em meio à
pandemia
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de Investigación en Estudios Latinoamericanos para el Desarrollo y la Integración (CEINLADI). (En línea)
ISSN 2683-9326.
Artículo original de investigación
INCREMENTOS E RETROCESSOS DAS POLÍTICAS DE RENDA BÁSICA NA
REGIÃO METROPOLITANA FLUMINENSE EM MEIO À PANDEMIA DO
CORONAVÍRUS
1
Jimmy Medeiros
2
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (BRASIL)
Amsatou Falilou Diop
3
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (BRASIL)
Ian Vaz Araujo
4
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (BRASIL)
Victor Pereira Lopes
5
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (BRASIL)
Resumo
A pandemia do Covid-19 fez crescer o interesse pela criação de políticas de Renda Básica no
Brasil. Em Brasília, esta disputou a sua aprovação junto ao Auxílio Emergencial e no Rio de
Janeiro foi criada uma política estadual. Ao mesmo tempo, a experiência maricaense foi
aprimorada, em Niterói a Renda Básica foi experimentada e, por fim, foi implementada de
forma continuada, enquanto na capital carioca a sua criação foi vetada pelo poder executivo.
Palavra-chave
Renda básica assistência social Maricá Niterói Rio de Janeiro
1
Fecha de recepción: 02/02/22. Fecha de aceptación: 11/05/22.
2
Bacharel em Ciências Sociais (Universidade Federal Fluminense), Mestre em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais (Escola Nacional de Ciências Estatísticas) e Doutor em Políticas blicas, Estratégias e
Desenvolvimento (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Professor no curso de graduação em Ciências
Sociais e Professor do Programa de Pós-graduação em História, Política e Bens Culturais da Fundação Getulio
Vargas. https://orcid.org/0000-0002-8280-3338
3
Graduando em Ciências Sociais (Universidade Federal Fluminense).
4
Graduando em Ciências Sociais (Escola de Ciências Sociais FGV CPDOC da Fundação Getulio Vargas).
5
Graduando em Filosofia (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Jimmy Medeiros, Amsatou Falilou Diop, Ian Vaz Araujo y Victor Pereira Lopes
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ISSN 2683-9326.
INCREASES AND REVERSALS IN BASIC INCOME POLICIES IN THE
FLUMINENSE METROPOLITAN REGION DURING THE CORONAVIRUS
PANDEMIC
Abstract
The Covid-19 pandemic grew or became interested in the creation of Basic Income policies
in Brazil. In Brasília, this contested its approval along with the Auxílio Emergencial in Rio
de Janeiro, a State policy was created. At the same time, the Marica experience was
improved, in Niterói the Basic Income was tried out and, finally, implemented continuously,
while in the state capital its creation was vetoed by the executive power.
Keywords
Basic income social assistance Maricá Niterói Rio de Janeiro
Introdução
Com o início da pandemia da Covid-19, em março de 2020 eclodiu uma discussão
parlamentar no Brasil a respeito de se instituir uma política de transferência de renda que
pudesse mitigar os efeitos econômicos devido à necessidade de imposição da quarentena, que
objetivava evitar as interações físicas para tentar controlar a transmissão do vírus. A
imposição de uma quarentena afetou o funcionamento das empresas e instituições,
acarretando um aumento das taxas de desocupação no país.
De início, a Renda Básica (RB) foi demandada principalmente por parlamentares filiados a
partidos políticos de esquerda e, em seguida, cresceu a adesão pela criação do Auxílio
Emergencial, política de transferência de renda focalizada. Se o Auxílio Emergencial é
focalizado, com público delimitado por critérios econômicos, a Renda Básica é universal,
incondicional, não tributada pelo imposto de renda, com fluxo de renda regular e seguro. Sua
motivação é fundamentada no critério da cidadania. Assim, Auxílio Emergencial e Renda
Básica são modalidades distintas de políticas no campo da assistência social.
A Renda Básica de Cidadania no Brasil é uma lei federal, desde 2004. A Lei 10.835 previa
a implementação da Renda Básica no país, em 2005, entretanto, isso nunca ocorreu. Neste
mesmo ano, o Programa Bolsa Família já tinha destaque no campo da Assistência Social, em
detrimento ao Fome Zero e da RB. Em 2020, alguns parlamentares argumentaram pela
retomada desta Lei, mas não conseguiram sucesso em convencer o poder executivo.
Em setembro de 2020 foi criada uma Frente Parlamentar mista em defesa da Renda Básica,
composta por 214 parlamentares de 23 partidos, porém até o momento os integrantes não têm
uniformidade de proposta para defesa da RB no Congresso Nacional. Apesar de a Frente ser
ampla, tendo políticos de todos os partidos presentes na Câmara Federal, exceto o Partido
Novo, não conseguiu viabilizar a implementação da política pública no país. Não
conseguiram ter unicidade de proposta e seus esforços foram derrotados por outras propostas
como o Auxílio Brasil, em 2021.
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Embora eventos recentes tenham impulsionado o debate público sobre a Renda Básica no
país, esse crescimento recente tem acontecido em vários países. Desta forma, a elevação do
apoio e demanda pela RB está alinhada ao cenário internacional, delineado por Widerquist
(2019). O autor aponta a ocorrência de três ondas de defesa da RB no mundo, a primeira
entre 1910 e 1940, seguido por um período de baixa nos anos 40 e 50. Uma segunda e maior
onda de apoio aconteceu nas cadas de 60 e 70, seguida por outro período de baixa na
maioria dos países até o início dos anos 2000. A discussão mais recente começou por volta
de 2010 e cresce desde então. Barack Obama, em 2016, apontou que debateríamos o tema
pelos próximos 10 a 20 anos.
Para analisar as perspectivas a respeito da RB no cenário fluminense, o presente artigo aborda
a ação governamental para enfrentar os efeitos negativos da pandemia no campo da
assistência social. Para isso, analisa os casos implementados em três municípios da região
metropolitana do estado, além da política estadual. O artigo tem seis seções, contando com
esta introdução. Em seguida, abordamos a experiência bem-sucedida de implementação de
uma Renda Básica ainda incompleta em Maricá (RJ). Na terceira seção, analisamos a
recente iniciativa ocorrida no município de Niterói, decerto, aproveitando o conhecimento
do município vizinho e, na quarta seção analisamos os desafios e possibilidades ocorridos na
capital do estado, sendo seguida pelos esforços estaduais para criar uma política de
transferência de renda em meio à pandemia. Por fim, fechamos com breves considerações
finais.
Iniciativa de RB em Maricá é exemplo
Medeiros e Pires (2021) identificaram uma experiência de RB em curso no município de
Maricá (RJ), um dos maiores recebedores de royalties da exploração de petróleo do Brasil.
Sua origem se deu com a criação do Bolsa Mumbuca (BM), política maricaense de
transferência de renda, que começou em 2013, junto com a criação de um banco comunitário
e uma moeda social Mumbuca de circulação restrita ao município e aceita em alguns
estabelecimentos comerciais cadastrados. A política transferia renda aos beneficiários em
Mumbuca não em Reais de modo que os recursos deveriam ser utilizados nos
estabelecimentos comerciais do município.
O Bolsa Mumbuca cujo nome oficial era Renda Mínima Mumbuca
6
, em seu início,
selecionava famílias que viviam com renda familiar de até um salário mínimo por mês ou
tinham algum membro com qualquer tipo de deficiência. A política transferia 70 Mumbucas
7
por mês, o equivalente a 70 Reais. O valor ficava disponível em um cartão de débito
magnético, que podia ser usado em estabelecimentos comerciais credenciados (CEZAR;
FREITAS; EGYDIO, 2014). O beneficiário deveria abrir uma conta no banco comunitário
do município para ter acesso aos recursos.
Em 2015, a política mudou seu nome para Renda Básica de Cidadania (RBC)
8
, buscando
instituir de fato a primeira RB no país. Desde então, a política passou a tentar beneficiar todas
6
Focalizado em famílias com renda familiar mensal de até três salários mínimos.
7
Nome atribuído à moeda social do município.
8
Lei nº 2.641 e Decreto nº 124.
Jimmy Medeiros, Amsatou Falilou Diop, Ian Vaz Araujo y Victor Pereira Lopes
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as pessoas do município com ao menos um ano de residência na municipalidade; estrangeiros
devem residir há pelo menos cinco anos no local. Embora na letra da Lei ela seja “universal”,
na prática isso não ocorre. Nos últimos anos, o governo municipal tem aumentado a cobertura
populacional, todavia a política ainda é focalizada, contrariando o receituário de Van Parijs
(2000) e Suplicy (2003).
Assim, a Bolsa Mumbuca e a RBC maricaense conviveram por um período. Conforme
Medeiros e Pires (2021), RBC era responsável pela transferência de dez Mumbucas ao mês
para mais de 14 mil famílias, ao passo que a Renda Mínima transferia 85 Mumbucas mensais.
Em 2015 esse valor passou para 100 Mumbucas e, em 2017 o valor dos dois benefícios
aumentou, respectivamente, para 20 e 110 Mumbucas por mês, totalizando 130 Mumbucas,
ou 130 reais. (p. 63)
Uma nova mudança na política em benefício da concretização da RBC ocorreu em 2019. O
Bolsa Mumbuca foi aglutinado à RBC maricaense e, ao mesmo tempo, o contingente de
beneficiários foi ampliado. Uma primeira medida foi passar a selecionar pessoas, em vez de
famílias. Esta característica difere de outras PTR no Brasil. Esse aumento se deu
selecionando todas as pessoas das famílias que eram beneficiárias no BM e através de uma
busca ativa de cadastramento por novas pessoas e famílias para serem inseridas no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e, por conseguinte, para
serem beneficiários da RBC. Assim, a política tem sido extensiva na cobertura das famílias
pobres e extremamente pobres cadastradas residentes no município.
Desta forma, antes do final de 2019 a RBC passou a contemplar quase 40 mil pessoas no
município, abrangendo cerca de 1/4 da população local. Em meio à pandemia do Covid-19,
a cobertura da política aumentou um pouco e alcançou 42.501 pessoas, cerca de 26% da
população municipal, demandando R$13 milhões todo mês do orçamento da prefeitura. No
momento, não possibilidade de ampliação da cobertura, dado a limitação do perfil de
cadastrados no CadÚnico. Extrapolar beneficiários para além do CadÚnico pode incorrer em
improbidade administrativa.
Em 2020, a prefeitura efetuou uma nova ampliação qualitativa do benefício. Conforme
Pereira, Siqueira, Senra e Costa (2020), o Programa de Renda Básica de Cidadania também
é utilizado pela Prefeitura de Maricá como estratégia de promoção de Seguridade Social.
Em 2020, por meio de lei aprovada pela Câmara Municipal da Cidade, o valor do benefício
aumentou de 130 mumbucas (equivalente a R$ 130,00) para 300 mumbucas (equivalente a
R$ 300,00), como resposta aos efeitos da crise em decorrência da epidemia de Covid-19. O
aumento foi aprovado por três meses e prorrogado por mais três. Com isso, a prefeitura
proporcionou a circulação de um valor em torno de R$ 12.750.000,00 mensais no comércio
local, só com o Programa de Renda Básica de Cidadania. (p.176)
Além desse aumento, a prefeitura criou no âmbito da assistência social o Programa de
Amparo ao Trabalhador (PAT), beneficiando cerca de 23 mil autônomos informais,
microempreendedores individuais e profissionais liberais, bem como o Programa de Amparo
ao Emprego (PAE), transferindo um salário mínimo por funcionário da empresa com menos
de 50 trabalhadores (Silva & Silva & Waltenberg, 2020).
Em abril de 2021 ocorreu uma mudança nos valores transferidos. Enquanto o benefício
básico da RBC passou de 130 para 170 Mumbucas por pessoa, no PAT o valor caiu de
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R$1.045 para R$600. Assim, o governo municipal passou a privilegiar a RBC, política mais
consistente a longo prazo e de maior cobertura.
Um dado interessante dessa experiência em Maricá refere-se ao número de pessoas
trabalhando. Mesmo em período de pandemia, o município registrou um aumento na
quantidade de pessoas trabalhando, resultado diferente de municípios vizinhos que não tem
política de renda básica, por exemplo. Isso, de certa forma, contraria um argumento utilizado
por críticos da RB de que transferência de renda à população tende a causar o efeito preguiça,
ou seja, o cidadão deixa de trabalhar para sobreviver apenas com o benefício. Isso não
ocorreu com o Programa Bolsa Família (PBF) no Brasil, nem com o RBC em Maricá, se
considerarmos dados gerais para o município.
A RBC maricaense é incondicional, estando de acordo com o recomendado por Vanderborght
e Van Parijs (2006). Além disso, a transferência ocorre em dinheiro é feito em Mumbuca
, permitindo maior liberdade de escolha no consumo nos mais de 20 mil estabelecimentos
cadastrados no Banco Comunitário. Além disso, o pagamento é efetuado de forma regular
mensal , trazendo maior segurança aos beneficiários, visto que eles sabem que o fluxo de
renda será constante. Essa é mais uma característica da política alinhada com as
recomendações da literatura especializada em renda básica (Van Parijs, 2000). Por fim, cabe
mencionar a dificuldade de atender a redução da burocracia estadual da RBC frente às
políticas focalizadas, pois atualmente a RBC precisa atender uma série de cobranças
empenhadas no Bolsa Família, por exemplo.
O caso maricaense evidencia um uso positivo dos royalties do petróleo para financiar a
transferência mensal. Muitos municípios fluminenses investiram recursos dessa fonte em
obras e melhorias físicas, as quais nem sempre proporcionam benefícios a longo prazo.
Embelezam a cidade, mas não geram valor para a população, como um todo. Por outro lado,
os ganhos em capital humano tendem a ser considerados para toda a vida dos cidadãos.
Além disso, considerando a sustentabilidade financeira da RBC no município, a prefeitura
criou um fundo soberano para financiar a transferência mensal no futuro, seguindo o modelo
aplicado no Alasca, a experiência mais consolidada e bem-sucedida neste campo (Zelleke,
2012). Esse fundo é fundamental, dado que a previsão municipal é de crescimento do valor
recebido dos royalties até 2036. Assim, a continuidade da política tende a ser garantida,
proporcionando ainda mais segurança social aos beneficiários.
Avanços pela Renda Básica em Niterói
Niterói, município vizinho à Maricá e antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, possui o 3o
maior PIB estadual, o maior Índice de Desenvolvimento Humano do estado
(https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/niteroi/panorama) e, no momento, é o segundo município do
Brasil mais agraciado pelos royalties da exploração de petróleo (Giovanni, 2021. Assim
como sua vizinha, esses recursos representam uma fatia expressiva nas receitas do município,
constituindo 30,4% do orçamento de 2021, subsidiando investimentos públicos, programas
de assistência social e a criação de fundos destinados para garantir o desenvolvimento
sustentável.
Jimmy Medeiros, Amsatou Falilou Diop, Ian Vaz Araujo y Victor Pereira Lopes
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Niterói criou sua política de renda básica em 2020 como resposta aos efeitos negativos da
pandemia e como estímulo à manutenção do isolamento social. Dessa maneira, a política de
transferência de renda niteroiense é parte de uma ampla ação municipal ao enfrentamento da
covid19, com bloqueios nos acessos à cidade, distribuição de máscaras para a população,
testagem gratuita da covid19 em pontos estratégicos do município, restrição ao
funcionamento de shoppings e comércio de rua, bem como o impedimento de circulação de
pessoas em praias, parques e diversas áreas do município por muitos dias para estabelecer
um lockdown, por exemplo.
Em decorrência da pandemia, o município implementou de forma rápida a política Renda
Básica Temporária, iniciada em abril de 2020, um mês após a declaração de pandemia pela
OMS. A política transferia R$500,00 mensais às famílias do município que estavam inscritas
no Cadastro Único do Governo Federal ou às famílias de alunos matriculados em escolas da
rede municipal de ensino. Inicialmente, a política tinha seu funcionamento previsto até o final
do ano de 2020, porém com o prolongamento da pandemia, o Renda Básica Temporária teve
sua existência continuada, com aprovação da Câmara Municipal, até julho de 2021. A
expectativa do poder local era encerrar a RB com a vacinação em massa.
Logo em seguida, a política foi postergada novamente, desta vez, por mais dois meses, para
os cadastrados no CadÚnico. Essa segunda renovação manteve a continuidade do benefício
em uma fase da pandemia com queda na quantidade de óbitos e de internados no município.
Todavia, os beneficiários que não estão cadastrados no CadÚnico, mas têm filhos
matriculados na rede municipal de ensino tiveram a ampliação do benefício por apenas um
mês. Como complemento, este público recebeu cesta básica até o final do ano letivo de 2021.
Na prática, a prefeitura distribuiu os recursos por meio de cartão de débito para as famílias
beneficiárias e todo mês realizava a recarga de R$500,00 que permitia a aquisição de
produtos em qualquer estabelecimento comercial, conforme o interesse e escolha dos
beneficiários. Esse aspecto está atrelado ao receituário presente na literatura sobre renda
básica (Vanderborght & Van Parijs, 2006).
Enquanto em Maricá o recurso era transferido em Mumbucas, em Niterói a transferência
ocorria apenas em Reais, dado que o município não tinha, até aquele momento, uma moeda
social municipal. Existia apenas o Prevê, moeda social da favela do Preventório, localizada
no bairro de Charitas.
Além da Renda Básica Temporária, a prefeitura criou também o programa Busca Ativa que
transferia o mesmo valor às categorias de vendedores ambulantes, artesãos, trabalhadores da
economia solidária, quiosqueiros, permissionários de banca de jornal e pescadores artesanais.
Esse programa também foi renovado de janeiro a julho de 2021 e, posteriormente, por mais
dois meses. A prefeitura ainda foi além pagando um auxílio à Microempreendedores
Individuais (MEI), taxistas e motoristas de vans escolares também no valor de R$500,00 por
mês, contemplando cerca de 8800 trabalhadores. Esse benefício foi encerrado em julho de
2021, dado que muitos deles já tinham retornado ao trabalho de forma rotineira. Além disso,
o governo municipal criou o Programa Empresa Cidadã, cujo objetivo era preservar
empregos formais em empresas do município.
Um elemento importante, em 2019, portanto antes da pandemia, foi a criação do Fundo de
Equalização de Receita municipal, com recursos dos royalties do petróleo. Ele não foi
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concebido para uso de seus rendimentos diretamente em um programa de renda nima como
no Fundo Soberano de Maricá. No caso niteroiense, a proposta visa a ser um mecanismo de
sustentabilidade fiscal para o futuro do município, quando se encerrarem os repasses
derivados do petróleo. No entanto, o fundo foi fundamental para a realização dos programas
emergenciais necessários para se minimizar os impactos sociais e econômicos decorrentes da
pandemia no município. Dessa maneira, ele foi planejado antes da pandemia, mas seu uso
emergencial se deu no contexto delicado. No caso maricaense, o Fundo foi pensado para criar
salvaguardas futuras para a Renda Básica, como ocorre com a política de RB do Alasca
(ZELLEKE, 2012).
Quando colocada em perspectiva com outras iniciativas municipais e estaduais, Niterói se
destaca. Em geral, os programas dos outros locais o prezaram pela regularidade de seus
auxílios uma das características essenciais de uma renda básica. Enquanto os programas de
Manaus (AM), Goiânia (GO) e Vitória (ES) realizaram transferências de até R$300,00 por
família durante 6 meses, Louveira (SP), Brasília, São Paulo (SP), Macapá (AP), Recife (PE)
e os governos estaduais do Amazonas e Mato Grasso anunciaram programas com duração
entre 2 e 3 meses. Ainda existem os programas que transferem uma parcela única, como é o
caso do município do Rio de Janeiro, Pa e Minas Gerais. Além de Niterói e Maricá,
Salvador ofereceu um programa com duração acima de 12 meses de forma ininterrupta. Esse,
no entanto, paga R$270,00 a cerca de 20 mil trabalhadores afetados pela pandemia, não se
destinando às famílias mais vulneráveis inscritas no Cadastro Único. Já os programas “Bora
Belém” e o “Supera Rio do Estado do Rio de Janeiro tiveram início apenas no ano de
2021, sendo um dos poucos programas que pretendem perdurar até o final de 2021, ou até o
final da pandemia no caso do “Supera Rio”.
Outro ponto a se observar, para além da regularidade e valores dos programas, são as
diferentes formas de focalização. A grande maioria dos programas se valem do CadÚnico
para delimitar sua população elegível, evidenciando a importância dessa robusta base de
dados para a realização de políticas assistenciais locais (BARROS; CARVALHO;
MENDONÇA, 2019). Existem também os programas cuja população alvo são os
beneficiários do Bolsa Família, outros muitos que focam nos trabalhadores informais
afetados pela pandemia, os que exigem frequência em cursos de qualificação como no
programa Via Rápida do Estado de São Paulo.
Em Niterói, a prefeitura informou que o município transferiu, em média, R$ 797,57 por
habitante como Renda Básica Temporária, enquanto Manaus teria empenhado R$ 43,25, São
Paulo R$ 40,57, Goiânia R$ 28,32, Salvador R$ 22,86, e Rio de Janeiro R$ 14,82 por pessoa.
Tendo empenhado cerca de R$ 1 bilhão para mitigar os impactos da pandemia, a prefeitura
niteroiense estima que, considerando uma média de cinco pessoas por família, atendeu a
aproximadamente metade da população de Niterói com os programas Renda Básica
Temporária e Busca Ativa. Todavia, para efetivar uma ação pública mais efetiva é necessário
que o governo municipal torne permanente a ação temporária.
Neste sentido, a prefeitura de Niterói deu um importante incentivo, com forte inspiração em
Maricá, sancionando em julho de 2021 a Lei 3621/2021, que institui o Programa de
Economia Solidária, Combate à Pobreza e Desenvolvimento Econômico e Social do
Município de Niterói. Esse programa instaura a Moeda Social Araribóia, que servirá de
mecanismo para a realização do pagamento de uma renda mínima permanente às famílias em
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situação de pobreza ou extrema pobreza, e mulheres vítimas de violência doméstica em
situação de vulnerabilidade inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). Aprovado pelos
vereadores com apenas um voto contrário e dezenove favoráveis, o programa de transferência
de renda focalizada teve início em janeiro de 2022, e vai beneficiar cerca de 27 mil famílias
em situação de maior vulnerabilidade social.
O benefício vai variar, conforme o tamanho da família (podendo ter até seis pessoas), tendo
valor médio estimado em R$360,00 e alcançando R$540,00 no ximo. A política
niteroiense, seguindo os moldes da Renda Básica de Cidadania de Maricá, deve injetar cerca
de 70 milhões de Reais por ano na economia da cidade, promovendo, sobretudo, benefícios
à população vulnerável, ao comércio local cadastrado na política e estimulando a geração de
empregos. Toda essa ação municipal demandará um monitoramento como forma de apontar
possíveis correções e melhorias. Essa primeira ação pode ser um esforço para chegar na
Renda Básica, uma política que segundo Van Parijs (2014) tende a ser mais inclusiva,
equitativa e igualitária.
O pagamento do benefício será feito através de um cartão magnético, assim como o Bolsa
Família e a RBC maricaense. Os valores creditados poderão ser utilizados apenas no
município e em estabelecimentos previamente cadastrados, como em Maricá, garantindo que
o dinheiro circule dentro da própria comunidade, estimulando a retomada e o
desenvolvimento da economia local pós-pandemia. Espera-se que o programa incentive a
ampliação do cadastro formal dos empreendimentos comerciais e atue na redução das
desigualdades sociais no município. Cabe mencionar que, na Mensagem Executiva do
Projeto de Lei, o prefeito sinalizou que o programa pode apontar portas de saída aos
beneficiários, apesar de não detalhar como isso poderá ser feito. Essa argumentação de porta
de saída não condiz com a literatura sobre as políticas de renda básica, estando mais alinhadas
às políticas focalizadas que não pretendem manter os beneficiários por muito tempo
recebendo recursos públicos.
Tensões entre o Legislativo e o Executivo carioca
Na capital do estado fluminense, durante a pandemia da COVID-19, surgiu uma iniciativa de
criação de uma política social denominada Renda Básica Carioca. A política foi originada no
legislativo municipal, mobilizando, em sua autoria, trinta e sete dos cinquenta e cinco
vereadores de mandato. Em primeira votação, o projeto foi aprovado, sem votos contrários,
sendo quarenta e um votos SIM e duas abstenções, esperando dessa maneira ser discutido
novamente em uma segunda votação, que também teve resultado positivo. Contudo, em uma
votação mais apertada, em 2020 e segundo a ação contrária do executivo municipal, foram
registrados vinte e dois votos SIM frente os vinte votos NÃO, além das cinco abstenções.
Após ser aprovada pelos vereadores, a Renda Básica Carioca foi vetada pelo então prefeito
do município, Marcelo Crivella. Entretanto, o veto do prefeito foi derrubado, dias depois,
pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sendo vinte e nove votos favoráveis à derrubada
do veto, onze contrários e cinco abstenções. Assim, claramente, o legislativo municipal
defendia a ideia de instituir uma política de transferência de renda mais generosa para a
população em situação de vulnerabilidade. Esta ação era defendida por uma ampla coalização
de partidos políticos, de distintos perfis ideológico.
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A Renda Básica Carioca selecionaria famílias residentes na capital fluminense que recebiam
o Auxílio Emergencial do Governo Federal. Seria um mecanismo complementar e isso pode
ser uma falha no sistema de proteção social, dado que mantém sem benefícios àqueles que já
não recebem. Se por um lado ele complementa e gera sinergia entre as diferentes esferas de
governo, por outro lado, não inclui novos beneficiários em potencial (MEDEIROS, 2020).
Esse aspecto é negativo, dado que a fila de entrada no Bolsa Família tem crescido nos últimos
meses.
Apesar de usar a alcunha renda básica, a política difere parcialmente do conteúdo
recomendado para ser uma delas. Afinal, cumpre os requisitos de transferir recursos de forma
periódica e em espécie (em Reais), no entanto não atende ao critério de ser universal, pois a
lei municipal define a política como focalizada similar ao praticado em Maricá e Niterói
, além de exigir condicionalidades e, por fim, selecionou famílias, em detrimento da
recomendação de ser individual para promover maior autonomia dos cidadãos.
Mesmo com a aprovação do PL 1728/2020 da Renda Básica Carioca, em duas votações, e a
derrubada do veto do prefeito, a política não chegou a ser implementada. A gestão de Marcelo
Crivella, na época, alegou ilegalidades na criação da política e condenou a geração de mais
gastos públicos, sem comprovação da fonte da receita. Uma das justificativas para o veto era
que a competência para criação de tal programa seria do chefe do Poder Executivo
(MEDEIROS, 2020).
Assim, a gestão municipal da época não tinha interesse em promover maior bem-estar através
deste mecanismo à população afetada pelas consequências econômicas e sociais da
pandemia. Era evidente a iniciativa da Prefeitura em barrar a política, uma vez que a
implementação da Renda Básica Carioca mobilizaria recursos do orçamento impedindo sua
destinação para políticas de interesse da gestão.
Um ano depois a Renda Básica Carioca ressurgiu na pauta pública, com a mudança de grupo
político no executivo municipal. O atual prefeito, Eduardo Paes, começou a ser questionado
por vereadores e figuras públicas se ele não implementasse o projeto. Em suas redes sociais,
o prefeito foi questionado pelo ator e humorista, Gregório Duvivier
9
, que possui uma grande
influência nas mídias sociais e um número alto de seguidores e maior que a do próprio
prefeito, sobre a Renda Básica Carioca. Conforme a Figura 1, o ator questionou por que a
política, aprovada no legislativo, ainda não tinha sido implementada pelo executivo, um ano
após sua votação e tendo sido derrubado o veto. O questionamento feito pelo ator trouxe a
atenção de muitas pessoas para o debate, por vezes presente somente no ambiente político e
acadêmico, circulando pouco pela sociedade civil.
9
Duvivier, em 2020, fez um episódio específico sobre a Renda Básica no Brasil em seu programa televisivo.
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Figura 1 Resposta de Eduardo Paes ao ator Gregório Duvivier sobre a Renda Básica Carioca
Fonte: Extraído da rede social Twitter. https://twitter.com/gduvivier/status/1374434910631460876
Em resposta, o prefeito Eduardo Paes fez uma defesa do Cartão Família Carioca
10
, uma
política de transferência de renda focalizada com a imposição de condicionalidades
existente na capital fluminense e em detrimento da política de renda básica, que recebeu
pouca atenção do prefeito. O Cartão Família Carioca atendia famílias com a presença de
crianças e adolescentes de até 17 anos estudando na rede municipal que estavam em situação
de pobreza e que recebiam benefícios do Bolsa Família. Ou seja, é uma política
complementar ao Programa Bolsa Família. Conforme Medeiros (2020), o propósito geral da
política social é garantir maior igualdade de oportunidades para os jovens e as crianças
cariocas, buscando promover melhoria do desempenho escolar dos alunos das escolas
públicas, assim como de reduzir de forma mais intensa os níveis de pobreza e indigência.
Conforme o decreto, o objetivo era da melhoria da qualidade de vida das famílias que vivem
em situação de pobreza e de extrema pobreza, e condicionado ao cumprimento de
contrapartidas sociais. (p.134)
A escolha pela continuidade do CFC, em detrimento da Renda Básica, trata-se, antes de tudo,
de uma escolha política. Isso é irrefutável, quando Eduardo Paes, após ter o sucesso do
programa questionado, atribui a culpa de seu mau funcionamento ao seu antecessor, Marcelo
Crivella, à frente do palácio da cidade. Além disso, como o Cartão Família Carioca foi criado
durante a primeira gestão de Paes na prefeitura, a decisão privilegiou a retomada da política,
mantendo sua marca e legado político.
No entanto, para além da questão política, considerando que o prefeito é assessorado por uma
equipe técnica, objetivada em combater a pobreza e a desigualdade no município, devemos
questionar: por que políticos, governantes e policymakers tendem a optar por políticas
focalizadas e condicionais, mesmo quando se discute a eficácia desse modelo? Sua
preferência pelo CFC um programa de transferência focalizada e, principalmente, que
10
Ver o decreto n° 32.887, de 08 de outubro de 2010 e, para mais informações e detalhes, ver Medeiros (2020).
Incrementos e retrocessos das políticas de Renda Básica na Região Metropolitana fluminense em meio à
pandemia
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impõe uma série de condicionalidades viabiliza uma discussão teórica mais profunda sobre
modelos de distribuição de renda no Brasil.
De um lado, é compreensível que o custeio de uma política universal seja mais elevado, de
preferência, em um contexto em que a prefeitura tem suas fontes de receitas debilitadas, com
o fechamento de empresas e comércios por todo o município, por exemplo. De outro lado, a
criação da renda Básica Carioca poderia representar a oferta de melhores condições de vida
para a população de forma mais equânime, podendo aquecer a economia, o que se traduz em
maior arrecadação aos cofres públicos. Além disso, instituir uma renda básica no município
do Rio de Janeiro seria uma oportunidade de dar visibilidade para esta modalidade de política
pública e uma inovação no campo da assistência social brasileira, dado que a Lei 10.835/2004
não foi implementada e o Rio tem maior evidência midiática que Maricá e Niterói. Por
exemplo, a realização do Programa Bolsa Escola no Distrito Federal, considerando os
resultados econômicos e sociais, proporcionou maior apoio público para as políticas de
transferência de renda condicionadas, nos anos 1990 e, é possível imaginar que a realização
de uma política de Renda Básica na capital carioca permitiria gerar grande visibilidade aos
resultados da Renda Básica Carioca para o mundo.
De forma ilustrativa, a Renda Básica Carioca melhoraria tanto o valor transferido, quanto a
cobertura de beneficiários. O munícipio perdeu uma oportunidade de desenvolver uma ação
pública de impacto. A capital fluminense poderia ser um agente transformador do campo da
assistência social, conduzindo a discussão em defesa da Renda Básica para um nível diferente
do atual, destoando das decisões do governo federal.
Ação complementar feita pelo governo estadual
Em consonância com as iniciativas bem-sucedidas no estado do Rio de Janeiro, mencionadas
anteriormente, o governo estadual resolveu ampliar a ação pública para enfrentar as mazelas
causadas pela pandemia e buscou criar uma política de transferência de renda, também
empregando a denominação da Renda Básica, mesmo que o uso do termo seja errado,
segundo a perspectiva teórica.
O primeiro esforço em direção à criação de um programa de renda mínima no estado do Rio
de Janeiro ocorreu em fevereiro de 2021, quando a deputada estadual Renata Souza (PSOL)
apresentou o Projeto de Lei 2019/2023 que criava a Renda Básica Fluminense. Esta
deveria funcionar de forma complementar ao Programa Bolsa Família, ou seja, destinava-se
a famílias vivendo em situação de pobreza e extrema pobreza, bem como trabalhadores em
situações de vulnerabilidade. Pagaria um benefício de R$600,00 a até dois membros da
mesma família, maiores de 18 anos de idade, sem vínculo empregatício formal, cuja renda
familiar per capital mensal fosse de até meio salário mínimo ou a renda familiar total de até
três salários nimos, e que não tivessem recebido algum benefício previdenciário ou
assistencial (como o Auxílio Emergencial), com exceção do Bolsa Família.
Dada a cobertura do Auxílio Emergencial, a cobertura da RBC estadual seria bem diminuta
no Estado, mas preencheria uma lacuna de selecionar os cidadãos descobertos. Ou seja,
selecionaria a parcela da população não atendida pelas outras políticas.
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No entanto, o projeto não prosseguiu para aprovação, tendo a Assembleia Legislativa do
Estado, no mesmo mês, optado e aprovado de forma unânime o programa emergencial
chamado de Supera Rio. Este teria duração até o final do ano de 2021, ou enquanto durar
a pandemia. A política foi sancionada pelo governador do estado do Rio de Janeiro no mês
de março do mesmo ano.
O novo programa estabeleceu o pagamento de R$200,00 mensais com o adicional de
R$50,00 por filho menor de idade, limitado a dois filhos aos responsáveis por famílias
inscritas no CadÚnico que não estavam recebendo benefícios por qualquer outro programa
de transferência de renda (incluindo Auxílio Emergencial e o Bolsa Família); a trabalhadores
que tivessem perdido vínculo formal com salário inferior a R$1.501,00 durante a pandemia,
e para profissionais autônomos.
O interessante é que permitiria atender a população fluminense descoberta por outras
políticas sociais, porém, o baixo grau de conhecimento dela e a falta de uma ação ativa de
busca de beneficiários, dado a pouca divulgação, foi uma barreira para a entrada no Supera
Rio.
O programa tinha como previsão iniciar o pagamento do benefício em abril de 2021, mas
amargou com sucessivos adiamentos, tendo sido iniciado apenas em junho do mesmo ano,
com expectativa de beneficiar mais de 355 mil famílias 1,4 milhão de pessoas. No entanto,
em outubro, o governo alegou que 120 mil pessoas haviam recebido o benefício. Ainda no
mesmo mês, num contexto de aumento significativo do preço do gás, o programa foi
incrementado em R$80,00 referentes ao Vale Gás, passando o benefício mensal para
R$280,00. Além disso, a política foi renovada até o final de 2022.
O programa enfrentou alguns problemas para além do atraso do início da política.
Inicialmente, o beneficiário podia sacar o auxílio em espécie na boca do caixa. Isso foi
alterado em outubro de 2021, sendo o cartão do programa referente limitado e transformado
em um cartão de pagamentos. Além disso, para compensar os meses de atraso, sancionou-se
uma lei autorizando o pagamento de retroativos. Até o final de outubro, esse pagamento ainda
não havia ocorrido gerando frustrações e cobranças por parte dos beneficiários, enquanto o
governo alegava a falta de um estudo sobre o impacto financeiro para regulamentar essa lei.
Ainda nesse mesmo período, 21 mil inscritos ainda não haviam recebido o cartão. Houve
também alterações na data de recebimento do benefício, o que afetava o caráter da
previsibilidade de um benefício para famílias já em contexto de vulnerabilidade.
Esses problemas podem ter origem na falta de estrutura prévia em transferência de renda,
tendo ocorrido também na esfera federal com a implementação do Auxílio Emergencial.
Dificuldades dessa ordem não foram experimentadas em Maricá durante a pandemia,
indicando que uma estrutura previamente montada para a realização de uma renda básica
incondicional facilita a implementação de medidas emergenciais em circunstâncias que
demandam respostas e soluções imediatas (SILVA, 2020).
Talvez, uma ação articulada entre o governo estadual e as prefeituras pudessem dar maior
celeridade ao processo de inclusão de beneficiários, assim como em alcançar um público
maior. A experiência dos agentes municipais com as políticas federais permitiria uma
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articulação mais azeitada no âmbito da assistência social. Ao que aprece, os interesses
políticos-eleitorais foram mais fortes.
Considerações finais
Embora a Renda Básica de Cidadania tenha sido proposta e defendida no Brasil pelo senador
Eduardo Suplicy por anos a fio, sendo sancionada por Lei Federal em 2004, ela nunca foi
implementada de forma. E nas experiências municipais elas nunca conseguiram ser
universais. Quase duas décadas depois, a Lei de 2004 permanece como letra morta na esfera
federal, mas a ideia continua em amplo debate na agenda pública, bem como tem sido
experimentada e testada em pequena escala local.
O presente trabalho apresenta quatro percursos interessantes sobre a renda básica no estado
do Rio de Janeiro. Mostra a ampliação da política de transferência de renda em direção à RB,
em Maricá. Cresceu como política de transferência de renda com baixa cobertura e benefício
pequeno para famílias. Ampliou a cobertura para quase todo o CadÚnico no município,
tornou o benefício individual e ampliou o valor transferido. Em Niterói é possível verificar a
criação da política de RB em meio à pandemia de forma temporária e emergencial que acabou
sendo institucionalizada de forma permanente, configurando maior segurança e tranquilidade
aos beneficiários. A capital fluminense é cenário para a tentativa de criação de uma RB, por
iniciativa do Legislativo municipal, frustrada pelo desinteresse do poder executivo. E, por
fim, o governo do estado do Rio de Janeiro criou uma ação complementar ao Auxílio
Emergencial.
A experiência de renda básica de Maricá é a que mais se aproxima dos modelos propostos
por Van Parijs (2000) e Suplicy (2003), graças à transferência de renda em espécie,
individual, periódico e sem a exigência de condicionalidades. Porém, falha em atender ao
item da universalidade. Apesar disso, representa um grande avanço no campo da assistência
social brasileira, dado a elevada cobertura de famílias do CadÚnico. Além disso, durante a
pandemia, o valor mensal do benefício foi ampliado para oferecer maior segurança
econômica aos moradores do município.
Niterói, aproveitou a proximidade geográfica e política com Maricá para absorver a
experiência vizinha e implementar uma política de renda básica municipal, inicialmente tida
como emergencial durante a pandemia e logo progrediu para uma situação de permanência,
substituindo os programas transitórios. De início, os programas foram pensados para durar
até o fim de 2020 e ampliados, posteriormente, até a metade de 2021, prazo delimitado pela
prefeitura com base em um planejamento de aquisição de vacinas para toda a sua população.
Isso, no entanto, não se concretizou e as políticas emergenciais foram pontualmente
ampliadas ao mesmo tempo que a prefeitura criava em paralelo a permanente Moeda Social
Araribóia. A política niteroiense transfere uma renda mensal, configurando segurança
econômica e alimentar à população mais vulnerabilizada.
Na prática, as famílias beneficiárias serão as inscritas no CadÚnico, demonstrando a
importância deste mecanismo para o sistema de proteção social. Para o campo, é fundamental
a permanência da política e, caso os cofres da prefeitura não possam arcar com essa
renovação, o governo federal absorva os beneficiários, da mesma maneira como ele fez com
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as famílias atendidas pelo Cheque Cidadão do estado do Rio de Janeiro, em 2007 (Agência
Estado, 2007).
A Renda Básica Carioca na capital fluminense não obteve êxito em ser implementada. O
esforço dos vereadores foi intenso e valoroso, mas insuficiente para criar uma proteção
adicional aos cariocas mais vulnerabilizados. A política destoa da literatura acadêmica sobre
o tema, dado que além de ela ser focalizada, também exigiria condicionalidades aos
beneficiários. A manutenção do CFC é um alento em meio ao desinteresse pela RB, mas a
força do Legislativo deixou sua marca e uma nova retomada do debate político pode
favorecer a implementação da política social.
O governo do estado do Rio criou uma política reduzida, considerando o porte populacional
do Estado e as dificuldades econômicas que enfrenta. Apesar disso, serviu para
complementar a cobertura de políticas federais. Uma ação mais ambiciosa poderia ter
proporcionado maior bem-estar à população.
Este contexto pode ser um meio de sensibilizar governantes de toda a América Latina em
âmbito nacional, regional ou local a buscarem viabilizar a plena cidadania aos habitantes,
bem como de garantir um direito básico do ser humano, conforme a Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Junto aos serviços de educação, saúde, previdência, por exemplo, este
é um mecanismo fundamental para garantir o atendimento de um padrão digno de bem-estar
a todas as pessoas e famílias, incluindo alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos
e os serviços indispensáveis.
Os impactos sociais e econômicos da pandemia devem perdurar por um longo tempo na
região. A pobreza, fome, desemprego e desigualdade social que outrora já estavam em níveis
preocupantes, agora estão na centralidade do debate e na agenda dos principais desafios
políticos. Políticas públicas para enfrentar essas questões têm sido e serão cada vez mais
demandadas. Mas problemas estruturais, exigem soluções complexas e amplas.
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