Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 49 | 2do. Semestre de 2018
Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 49 - 2do semestre de 2018
Agronegocio y desarrollo:
contradicciones en el Brasil rural contemporáneo
Edmundo Hoppe Oderich
1
y Adalberto Floriano Greco Martins
2
.....
Resumen
El agronegocio desempeña un papel central en la economía brasi-
leña, cargando, al mismo tiempo, contradicciones frecuentemente
desplazadas a segundo plano. El ensayo trata de la acepción teóri-
ca de la idea de agronegocio, su papel y sus contradicciones en el
ciclo del Nuevo Desarrollismo. Se reanudan elementos históricos
para apuntar similitudes y diferencias entre la actual expansión del
agronegocio y el papel de la modernización de la agricultura en el
período nacional-desarrollista que ocurrió hasta fines de la década
de 1970. También se tiene en cuenta la importancia que tanto pers-
pectivas liberales como perspectivas keynesiano-desarrollistas han
relegado al agronegocio, aunque en modelos económicos distintos.
En seguida se presentan cinco dimensiones del agronegocio que, en
el entendimiento de los autores, plantean contradicciones del modelo
social-técnico-político por él conformado. Por último, se sugiere que
el conjunto de elementos presentados no puede ser desconsiderado
1 Estudiante de Doctorado en Desarrollo Rural. PGDR / Universidad Federal de Río
Grande do Sul.
2 Doctor en Geografía. Universidad Federal de Río Grande do Sul.
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en las discusiones sobre procesos de desarrollo rural en el Brasil con-
temporáneo.
Palabras clave: Agronegocio - desarrollo - contradicciones - Brasil
Summary
Agribusiness and development: contradictions in contemporary
rural Brazil
Agribusiness plays a central role in the Brazilian economy, at the
same time carrying contradictions often displaced in the back-
ground. The essay deals with the theoretical meaning of the idea of
agribusiness, its role and its contradictions in the New Developmen-
talism cycle. Historical elements are taken to point out similarities
and differences between agribusiness current expansion and the role
of the agriculture modernization in the national-developmental pe-
riod in force until the late 1970s. The essay also considers the impor-
tance that liberal perspectives as well as Keynesian-developmental
perspectives relegate to the agribusiness, albeit in different economic
models. Then, it presents five dimensions of agribusiness which, in
the authors’ view, give rise to contradictions of the social-technical-
political model that he has formed. Finally, it suggests that the set of
elements presented can not be left out from discussions about rural
development processes in contemporary Brazil.
Key words: Agribusiness - development - contradictions - Brazil
Resumo
Agronegócio e desenvolvimento: contradições no Brasil rural
contemporâneo
O agronegócio desempenha um papel central na economia brasileira,
carregando, ao mesmo tempo, contradições frequentemente deslo-
cadas a segundo plano. O ensaio trata da acepção teórica da ideia
de agronegócio, seu papel e suas contradições no ciclo do Novo De-
senvolvimentismo. São retomados elementos históricos para apontar
semelhanças e diferenças entre a atual expansão do agronegócio e
o papel da modernização da agricultura no período nacional-de-
senvolvimentista que vigorou até fins da década de 1970. Atenta-se
também para a importância que tanto perspectivas liberais quanto
perspectivas keynesiano-desenvolvimentistas têm relegado ao agro-
negócio, ainda que em modelos econômicos distintos. Em seguida
são apresentadas cinco dimenes do agronegócio que, no entendi-
mento dos autores, ensejam contradições do modelo social-técnico-
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-político por ele conformado. Por fim, sugere-se que o conjunto de
elementos apresentados não pode ser desconsiderado nas discussões
sobre processos de desenvolvimento rural no Brasil contemporâneo.
Palavras-chave: Agronegócio - desenvolvimento - contradições -
Brasil
Introdução
O papel da agricultura no desenvolvimento do Brasil é um tema
discutido e disputado no país há mais de um século. Questões como
acesso à terra e regime de trabalho na agricultura ocupam espaço em
debates de intelectuais e tomadores de decisão desde os tempos do Bra-
sil Império, a exemplo das discussões encarnadas já no século XIX por
José Bonifácio, Joaquim Nabuco, entre outros (Facó, 1961; Pádua, 2001).
Com seus atributos geográficos continentais e uma história econômica
fortemente centrada na agricultura e no extrativismo, as dimicas eco-
nômicas, sociais e políticas de seu espaço rural sempre foram determi-
nantes para os rumos percorridos pela nação.
Possivelmente, um dos processos que alterou tais dinâmicas de
forma mais profunda se deu na segunda metade do século passado,
quando o intenso êxodo rural desencadeado pela conjunção entre indus-
trialização e modernização conservadora da agricultura resultou no pro-
cesso de inversão demográfica, tornando o Brasil um país predominan-
temente urbano – o último censo demográfico do IBGE registrou 84% de
residentes em área urbana (Ibge, 2010). Contudo, a agricultura e o rural
brasileiro, em grande medida transformados após a implantação da Re-
volução Verde, continuaram a ocupar um papel expressivo.
De um ponto de vista macroeconômico, a exportação de produtos
pririos – que tem no agronegócio um de seus componentes centrais
– voltou a ser uma peça chave para o desempenho econômico do Brasil
desde a virada do milênio. No entanto, a estratégia vigente de produção/
extração e exportação de commodities tem consequências normalmente
relegadas a segundo plano.
O presente ensaio buscou explorar e conectar críticas relaciona-
das a diferentes dimensões do agronegócio, comumente apresentadas de
maneira isolada tanto no debate acadêmico quanto político em geral, su-
gerindo a existência de contradições próprias da reprodução do padrão
de agricultura dominante no país. A metodologia empregada consistiu
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na análise de literatura precedente e na revisão de indicadores macroe-
conômicos e de produção obtidos junto ao IBGE
3
e ao MDIC.
4
O ensaio está organizado em quatro seções, para além desta intro-
dução. A primeira e a segunda apresentam, respectivamente, a acepção
teórica da ideia de agronegócio e o papel central do setor pririo-ex-
portador na economia brasileira neste início do século XXI. Em seguida,
são apresentados aspectos referentes a cinco dimensões do padrão de
produção do agronegócio que parecem constituir-se como implicações
estruturais da estratégia de desenvolvimento vigente. Por fim, as consi-
derações finais sintetizam os pontos centrais do debate proposto e suas
perspectivas futuras.
Sobre a ideia de agronegócio
O termo agronegócio passou a ser utilizado com mais frequência
no Brasil a partir da década de 1990, traduzido do inglês agribusiness.
Utilizada nos Estados Unidos sem pretensões de categoria heustica des-
de meados do século passado, tratava-se, originalmente, de uma noção
puramente descritiva dos fenômenos referentes às etapas de prepara-
ção, produção, processamento e distribuição de produtos agropecuários,
abarcando toda a extensão de determinada cadeia produtiva em foco.
Contudo, tratar do agronegócio genericamente como negócios relaciona-
dos à agricultura, seja à montante seja à jusante do processo produtivo,
parece um desperdício do potencial de seu poder explicativo. Ainda que
se origine de um conceito apenas descritivo, a noção de agronegócio
transformou-se em um “conceito-síntese”, capaz de expressar mais do
que uma simples categoria empírica (Sauer, 2008).
Neste ensaio, a acepção teórica do termo se apoia na proposta de
Delgado (2012: 90), num esforço para “desvendar, desnudar e desen-
cobrir o sentido essencial das relações econômicas e sociais que se dão
no interior deste setor (do agronegócio). Para o autor, em semelhança
teórica à consolidação do pacto virtual entre cadeias agroindustriais,
grande propriedade fundiária e Estado que garantiu a inserção do capi-
tal financeiro na agricultura no ciclo de expansão da mesma durante o
período final do regime militar,
a articulação público privada da política agria e das estratégias
privadas de acumulação de K no espaço ampliado do setor agríco-
3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
4 Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Servos.
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la tradicional e dos complexos agroindustriais, perseguindo lucro
e renda da terra, constitui [...] novo pacto da economia política do
agronegócio” (Delgado, 2012: 109).
Note-se, portanto, que a adoção de um tratamento teórico para a
expressão, conferindo-lhe pretensão heurística, determina um sentido
comum às características constitutivas e de funcionamento deste setor.
Propõe-se, aqui, que a concepção de agronegócio enquanto categoria
teórico-analítica possibilita agrupar um conjunto certamente expressi-
vo de estabelecimentos rurais brasileiros (para se restringir à realidade
nacional) aos quais seria possível atribuir as seguintes práticas e pro-
cessos elementares de sua atividade agropecuária: produção de com-
modities agrícolas; integração em circuitos mercantis longos à jusante e
à montante; orientação primordial para o aumento do lucro; tendência
ao ganho de escala e à simplificação do sistema produtivo por meio da
uniformização dos itinerários técnicos. Tais características parecem ser
expressão empírica do “novo pacto da economia política do agrone-
cio, conferindo ao setor relativa homogeneidade em relação à essência
elementar que teriam seus estabelecimentos.
Nessa proposta, o tipo de mão de obra, a gestão do empreendi-
mento e a dimensão dos estabelecimentos não seriam em si elementos
fundantes da categoria, de modo que a noção de agronegócio não pode-
ria se restringir ao grupo “não-familiar, conforme sugerido com alguma
frequência na esfera política e mesmo na acadêmica, o que acaba con-
tribuindo para certa confusão teórica. Ainda que empiricamente exista
uma notável correlação, o caráter normativo da agricultura familiar (Lei
11.326 de 2006) e o tratamento teórico-analítico aqui apresentado para
o agronegócio trona pouco útil a tentativa de comparação entre ambos.
A predominância empírica de estabelecimentos de porte mais avantaja-
do, de mão de obra contratada e da gestão empresarial seriam apenas
condições sociotécnicas mais propícias para implementar práticas e pro-
cessos produtivos preconcebidos pelo agronegócio.
No mesmo sentido, Bühler, Guibert e Oliveira (2016) enfatizam:
O termo agronegócio é mais abrangente que o de agriculturas
empresariais. Envolve o conjunto dos atores do sistema produtivo
e distributivo dos produtos agropecuários, pois são considerados
como complementares e independentes. Como sistema voltado
para a maximização do lucro e industrializado, o agronegócio
pode perfeitamente incluir produtores agropecuários muito di-
versos (inclusive agricultores familiares) na medida em que se
inserem nessa dimica e são compatíveis com os objetivos de
acumulação e expansão dos agentes dominantes. Nesse sentido,
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no nosso entendimento, o agronegócio não predetermina o tipo
de produtores agropecrios a ele vinculados, nem os define.
(Bühler; Guibert; Oliveira, 2016: 7).
Em outras palavras, seria descabido definir o agronegócio como
uma categoria estanque, com critérios objetivos e mensuráveis que pu-
dessem demarcar seus limites de forma clara. Temos no agronegócio
uma categoria de fronteiras difusas que, do ponto de vista empírico,
possibilita análises apenas em termos de níveis de inserção em sua lógi-
ca de funcionamento e de graus de adoção de suas práticas elementares.
Conforme mencionado no preâmbulo, o setor primário e as di-
micas do meio rural sempre foram determinantes para o desempenho
econômico do país. Atualmente não é diferente, sendo o pacto do agro-
negócio componente fundamental tanto no cenário econômico vigente
quanto nas diferentes estratégias de desenvolvimento em disputa.
O papel do agronegócio na estratégia econômica
O setor primário exportador ocupa um papel central na economia
brasileira. A partir da virada do século, o estímulo interno concatenado
à demanda externa (com destaque para o mercado asiático) garantiu sig-
nificativo crescimento da produção e exportação de commodities, con-
tribuindo assim para a recorrente obtenção de superávits primários. O
contínuo saldo positivo na balança de comercial foi, sem dúvida, condi-
ção fundamental para o sucesso de diversas políticas adotadas no último
período, como, por exemplo, os programas de redução da pobreza que se
destacaram nas agendas governamentais a partir de 2003. Nesse senti-
do, é preciso reconhecer o papel fundamental das commodities agrícolas
e minerais como uma espécie de âncora da estratégia econômica capita-
neada com sucesso pelo Estado no referido período.
Compreender adequadamente o papel que a agricultura passou
a assumir na economia brasileira desde a última virada de século exige
que sejam retomados alguns elementos históricos do período anterior.
Nesse sentido, a década de 1980 representa o ponto de partida desta
breve revisão.
A crise cambial brasileira no início dos anos 1980 marcou o fim do
ciclo nacional-desenvolvimentista que vigorava no país desde a década
de 1930, conforme a classificação de Bresser-Pereira (2012). Observou-
-se, a partir de então, o progressivo enfraquecimento do Estado como
articulador de um projeto nacional de desenvolvimento. Para Delgado
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(2012), isso representou a desestruturação do projeto de modernização
conservadora da agricultura concomitantemente à consolidação do pac-
to virtual entre cadeias agroindustriais, grande propriedade fundiária
e Estado que garantiu a inserção do capital financeiro na agricultura a
partir do período final do regime militar.
Como resposta à crise, medidas de ajustamento econômico ex-
terno escalaram as commodities do setor pririo para tentar equali-
zar a balança comercial. Com os elevados investimentos na agricultura
realizados nas décadas anteriores e com o aumento da seletividade do
crédito rural para garantir o financiamento das principais commodities
agrícolas, tais medidas, que a princípio seriam conjunturais, permane-
ceram como solução emergencial até o início da década de 1990, como
mostrado por Delgado (2012).
No entanto, com a abertura comercial do país e, mais especifica-
mente, com a implantação do Plano Real em 1994, abandona-se a polí-
tica de promoção das exportações, com a crença de que a liberalização
comercial e financeira da economia resolveria pelo mercado o problema
crônico da dependência dos recursos externos (Delgado, 2012). Com a
significativa queda nos preços das commodities que se seguiu, o comér-
cio exterior do país passou de superavitário para deficitário. Note-se que
o Plano Real, ao sustentar artificialmente a taxa de câmbio no patamar
do dólar norte-americano, determinava a marginalidade dos estabeleci-
mentos agrícolas de grande porte no modelo econômico.
Somente a partir de 1999 o setor primário-exportador passou a
ser novamente escalado para equilibrar a balança de pagamentos. Para
Delgado (2012), a eliminação da sobrevalorização do real em 1999 e o
aumento da demanda internacional por commodities determinaram as
bases materiais para a conformação de uma nova aliança na economia
e política agrária, a qual o autor denomina “pacto do agronegócio”. Nos
governos que se seguiram, foram várias as medidas que progressiva-
mente reforçaram a prioridade da exportão de commodities agrícolas:
investimentos em infraestrutura; fortalecimento da Embrapa; afrouxa-
mento na regulação no mercado de terras; crédito rural cada vez mais
abundante (financiamentos com juros abaixo da inflação, garantia de
preço, formação de estoques, renegociação de dívidas, etc.); entre ou-
tras. Para Delgado, esse conjunto de medidas foi fundamental para dese-
nhar o novo ciclo de acumulação na agricultura que vigora desde então,
definido pelo autor como “economia do agronegócio” (Delgado, 2012).
Tal como no período nacional-desenvolvimentista, no ciclo histó-
rico mais recente, que Cordeiro (2014) definiu como Novo Desenvolvi-
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mentismo, a agricultura voltou a ser um setor indispensável. Contudo,
uma importante diferença em relação ao setor primário pode ser apon-
tada. No período anterior, a modificação da base técnica da agricultura
estava a serviço da estratégia prioritária de completar o processo de in-
dustrialização iniciado nos anos 1930. Note-se o papel chave do intenso
– e intencional – êxodo rural ocorrido a partir dos anos de 1960, em de-
corrência do aumento da motomecanização agrícola e da concentração
fundiária. Tal processo liberou um enorme contingente populacional
que do ponto de vista funcional, até a crise dos anos 1980, encontrou
pleno amparo no crescente ambiente fabril das grandes cidades.
Diferentemente, no ciclo mais recente a política cambial e os in-
centivos à agricultura de commodities figuram, em si, como parte central
da estratégia de exportação para equilíbrio da balança de pagamentos.
Trata-se de um cenário oposto, marcado pela estagnação e mesmo di-
minuição da atividade industrial do país, definido por Carvalho (2006)
como um típico quadro da “doença holandesa”, isto é, o declínio do setor
manufatureiro como resultado da priorização da exportação de matérias
primas ou recursos naturais.
Paralelamente, aprofunda-se a integração da agricultura no cir-
cuito financeiro. A simbiose que tem sido observada entre o mercado
de commodities agrícolas e o capital financeiro (De Paula; Santos; Pe-
reira, 2015) resulta num novo padrão de circulação de alimentos no
mundo que Goldfarb (2015) denomina Regime Alimentar Corporativo
Financeirizado, no qual se percebe uma autonomização do mercado fi-
nanceiro em relação à produção real. Mesmo considerando os limites da
estrutura técnico-produtiva das atividades agrícolas, a preeminência do
capital financeiro na agricultura torna-se cada vez mais evidente. Para
Dowbor (2014), a atuação das corporações financeiras internacionais
funciona como um sistema de pedágios no qual os consumidores finais
das commodities e os países de origem tem pouco ou nenhum poder de
negociação. Nessa ótica, a elevada demanda por commodities agrícolas e
minerais tem acentuado a divisão internacional do trabalho, pressionan-
do fortemente países com extensiva disponibilidade de recursos naturais
a ocupar o papel de exportadores de produtos primários.
Como resultado, perspectivas políticas e econômicas opostas
acabam enfatizando a imporncia da exportação de commodities na
geração de divisas para o equilíbrio das contas externas e para suas
estratégias de desenvolvimento. De uma perspectiva mais liberal, por
exemplo, Buainaim et al. (2013) consideram que o desenvolvimento de
setores da agropecuária brasileira no ciclo de desenvolvimento mais re-
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cente, apesar das inúmeras políticas erráticas, tem conseguido se manter
com desenvoltura econômica e produtiva – e, mais ainda, tem observado
espetacular crescimento de sua eficiência econômica, elevando com bri-
lhantismo sua produtividade total (Buainaim; Alves; Silveira; Navarro,
2013).
Segundo os autores, o setor vem correspondendo de forma bas-
tante satisfatória às funções da agricultura, destacando as oportunida-
des que ainda se abrirão, ainda que haja apenas “um grupo muito redu-
zido de produtores” (aquele vinculados ao agronegócio) preparado para
aproveitá-las (Buainaim et al., 2013: 114). Entre os principais desafios,
destacam o papel central das inovações na agricultura, bem como a ne-
cessidade de o Estado se retirar cada vez mais do setor, sustentando que
as soluções deverão partir da maior mobilização dos agentes privados.
Por outro lado, em uma perspectiva keynesiano-desenvolvimen-
tista, Bielschowsky (2012) aponta o papel central do Estado na dianteira
do processo de desenvolvimento do país. Para o autor, a expansão do
agronegócio está entre os principais “motores do investimento” da es-
tratégia econômica do país, desde que se prevenindo contra as seguintes
ameaças: i) a compra de terra e o consequente acesso à energia e a me-
tais por potências mundiais, sobretudo a China; ii) a pressão sobre os
ecossistemas e sua capacidade de sustentação; e iii) a absorção pelo setor
privado dos ganhos oriundos da valorização de bens e serviços baseados
em recursos naturais.
Ambas perspectivas – associadas aos diferentes blocos hegemôni-
cos que governaram o país nas últimas duas décadas – atribuem papel
central ao agronegócio, mostrando que a supremacia dos indicadores
econômicos associado ao pragmatismo do sistema político deixam pouco
espaço para críticas que o ponham em xeque.
Contradições
Caracterizada a imporncia do agronegócio na estratégia econô-
mica brasileira recente, bem como seu vínculo com a política macroe-
conômica nacional e com cenário internacional, trataremos aqui do que
percebemos como aspectos contraditórios do agronegócio.
Ao atentar para a estrutura empresarial e representativa ligada ao
agronegócio no Brasil é possível notar que seus principais atores estão
ramificados através de uma vasta rede de investimentos em instituições
públicas e privadas. Financiamentos eleitorais, convênios com univer-
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sidades e órgãos de pesquisa, parcerias com meios de comunicação de
massa, marketing e até mesmo patronio de escolas de samba garantem
uma difusão generalizada da imagem do agronegócio como ingrediente
indispensável ao desenvolvimento do país.
A despeito do amparo de tais práticas no atual regime jurídico-
-constitucional, o que permite sustenta-las enquanto dispositivos legais
e legítimos, fica claro que o poder político-ideológico que daí emana
ofusca críticas que apontem eventuais incoerências do padrão de produ-
ção apregoado. Porém, o fato do agronegócio ser cativo a diversas polê-
micas de cunho ambiental, fundiário, trabalhista, entre outras, torna-o
um tema emblemático que acaba suscitando debates e argumentos for-
temente balizados por disputas político-ideológicas, inclusive no meio
acadêmico.
No nosso entendimento, revisando as principais críticas, as cinco
dimensões do agronegócio apresentadas a seguir ensejam contradições
do modelo social-técnico-político por ele conformado. Trata-se, portanto,
de uma perspectiva situada no ceticismo às tendências dominantes da
agricultura, justificado pelas consequências socioeconômicas e ambien-
tais decorrentes do processo histórico de modernização agrícola no país.
Aspectos fundiários e produtivos
Uma das dimensões da questão agria clássica no Brasil diz res-
peito à estrutura fundiária do país.
5
Nas últimas décadas, no entanto, o
tema perdeu considerável espaço na cena política. A reforma agria é
apresentada por influentes ideólogos do agronegócio como tema do pas-
sado, um problema superado (Buainaim; Alves; Silveira; Navarro, 2013;
Graziano Neto, 1994). Para tais autores, não haveria mais necessidade
de uma reforma agria redistributiva, tendo em vista que: i) não existi-
ria mais demanda social significativa por políticas distributivas de terra
no país; ii) a modernização da agricultura alcançou patamares produ-
tivos bastante satisfatórios. Assim, a questão agria de outros tempos
estaria resolvida. De fato, ambas as assertivas fazem certo sentido, se
considerarmos a diminuição da pressão pela reforma agrária como um
sinal de declínio da demanda e que de fato tanto a área cultivada quanto
a produtividade aumentaram substancialmente desde a década de 1960.
5 O tema pautou acalorados debates nas décadas de 1960 e 1980. Em ambas as ocasi-
ões, uma reforma agria de caráter amplamente redistributivo chegou a ser vislum-
brada como possibilidade real no cenário político, mas fosse bloqueada pela articu-
lação das forças contrias. Para uma boa revisão sobre o tema, ver Miralha (2006).
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Entretanto, ao analisar as recentes dinâmicas fundiárias no país,
Delgado (2016) revela elementos que não podem ser desconsiderados
no tema da terra. Diferente do que poderia se esperar a partir da desva-
lorização do preço internacional das commodities agrícolas e minerais
desde 2013, o mercado de terras – que no período 2000-2013 cresceu em
taxas superiores às dos ativos financeiros mais valorizados – não decli-
nou. Segundo o autor, há um tríplice movimento, endógeno ao mercado
de terras, que adquire maior profundidade na atual conjuntura:
i) a completa “mercadorização” da terra, sendo esta tratada como
bem mercantil estrito (ainda que em desacordo com os princípios
jurídicos da constituição de 1988, que estabelecem a função social
e ambiental como limites de direito público);
ii) forte concentração fundiária em estrutura agrária altamente des-
igual, bem como evidências de um substancial aumento de grila-
gem associado a fraudes no crédito rural (analisados a partir da
inscrição de imóveis rurais no cadastro do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no período 2003-2014);
iii) tendência à internacionalização, principalmente nos ramos com
nexos interindustriais mais diretos, sobretudo através da fusão de
capitais no setor financeiro (Delgado, 2016).
Para o autor, tais elementos (em especial o anacronismo do pri-
meiro) impossibilitariam a afirmação de que não há mais uma questão
agrária a ser resolvida no Brasil, e que a questão agrária brasileira do
século XXI teria como cerne justamente a estrutura e as dimicas fun-
diárias.
Ademais, cabe questionar também a pretensa afirmação de que
a questão produtiva estaria resolvida. Não se trata, ao menos por hora,
de questionar os níveis de produção e produtividade do agronegócio,
conforme apresentado anteriormente de forma introdutória. Trata-se de
indagar as razões que justificam a opção pelos principais cultivos pro-
duzidos e exportados pelo agronegócio. É emblemático que o Brasil seja
o maior produtor e exportador de soja e carne e, concomitantemente,
necessite importar feijão, por exemplo (Sna, 2014). Nesse sentido, des-
taca-se a redução de 37%, 24% e 17% na área plantada de arroz, feijão
e mandioca entre 2001 e 2016, contrastando com o expressivo aumento
de 138% e 108% das áreas plantadas de soja e cana-de-açúcar no mesmo
período (Ibge, 2017).
Por mais intenso e abrangente que seja o processo de globaliza-
ção e sua capacidade de acelerar os fluxos no entorno do globo, não pa-
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rece razoável contar com a estabilidade do comércio internacional para
o abastecimento interno não consiste na mais segura das opções, sendo
particularmente intrigante num país tropical de dimensões continentais.
Veremos a seguir que tal vulnerabilidade não é só problemática em ter-
mos de segurança alimentar, mas também na perspectiva econômica.
Sustentação econômica
Observando a dimensão econômica, três aspectos merecem des-
taque. O primeiro está relacionado à impossibilidade de sustentação da
fórmula baseada na exportação de produtos pririos. Chama atenção
o fato de que quase 60% da pauta brasileira de exportações é constituída
por produtos primários, desperdiçando a possibilidade de agregação de
valor por meio de beneficiamento. No caso da soja, por exemplo, que em
2017 foi, pelo quarto ano consecutivo, o principal produto nas exporta-
ções, mais de 80% da produção foi exportada em forma de grão (Mdic,
2018).
Delgado (2012) atenta para os limites dessa estratégia de repri-
marização do comércio externo. Por um lado, o desempenho da exporta-
ção das commodities agrícola é um elemento chave na atração de recur-
sos estrangeiros ao país. Contudo, o fato das elevadas somas de capital
aqui aportadas não estarem vinculadas a contrapartidas líquidas, isto é,
a exportações pririas em si, evidencia o caráter conjuntural e econo-
micamente insustentável da estratégia adotada. Para o autor, o resultado
é uma crescente incapacidade de remuneração (sobretudo por meio de
juros e dividendos) do capital financeiro investido no país, ocasionando
um crescimento exacerbado do déficit da conta de serviços, incapaz de
ser sustentado em longo prazo através da mesma política. Como con-
sequência, o Estado é compelido a tomar medidas que, dentre outras
funções, devem garantir a rentabilidade e consequente manutenção dos
recursos estrangeiros alocados no país. Dentre tais medidas, pode-se
mencionar: a manutenção de uma elevada taxa de juros (com destaque
para o aumento de 7% para 10% em 2013); a crescente ampliação das
reservas cambiais (de US$ 30 bilhões, no início dos anos 2000, para US$
380 bilhões, em meados de 2017); e, mais recentemente, os expressivos
cortes no orçamento federal, expressando a intenção em garantir, a todo
custo, a obtenção de superávit primário.
Outro aspecto a ser discutido está relacionado à equalização dos
juros do crédito rural, que representa uma elevada (e crescente) soma
de recursos da União injetados anualmente no setor. Para se ter uma
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ideia, considerando que na safra 2015/16 o valor bruto da produção das
20 principais culturas foi R$ 321 bilhões, e que o crédito agrícola total
disponibilizado pelo Estado foi R$ 205 bilhões, para cada R$ 1,00 pro-
duzido na agricultura foram necessários R$ 0,63 de crédito. Adiciona-se
aí o recorrente perdão de dívidas, cujo exemplo mais recente consiste
nas tratativas para a obtenção de descontos em multas e para estender
prazos de pagamento de R$ 26 bilhões financiados a empresas e pro-
dutores rurais por meio do Funrural (Fsp, 2017). Salienta-se também
a isenção de impostos sobre produtos exportados (Lei Kandir), que em
2015 foi equivalente a R$ 48,2 bilhões descontados da arrecadação de
ICMS pelas unidades federativas, sendo apenas R$ 4,3 bilhões compen-
sados pela União (mara, 2017). Sob a justificativa de se configurarem
como fomento para a almejada elevação da capacidade produtiva, tais
medidas acabam se configurando como subsídio que disfarça o real de-
sempenho do setor.
Por fim, o fato do agronegócio ser fundamentalmente determi-
nado por dinâmicas do mercado externo (Cepea, 2014) implica em um
crescente grau de dependência. Ainda que goze da vantagem de se tratar
basicamente de gêneros de primeira necessidade, a vulnerabilidade de
tornar-se excessivamente dependente dos preços internacionais pode ter
efeitos nefastos.
Expansão, concentrão e violência
A partir de um recorte socioespacial, também podem ser identi-
ficadas tendências indesejáveis decorrentes do padrão de expansão do
agronegócio. Observando as dinâmicas em curso nas zonas de expansão
– com destaque para as fronteiras agrícolas da região centro-oeste e do
MATOPIBA
6
– dois fenômenos não podem ser ignorados.
O primeiro diz respeito às “desigualdades socioespaciais nas ci-
dades do agronegócio” – em referência direta ao trabalho de Elias e Pe-
queno (2007). Os autores apontam o intenso processo de fragmenta-
ção decorrente da “reestruturação agropecuária”, frisando que esta não
homogeneizou os espaços agrícolas nem os espaços urbanos que com
ela crescem. Pelo contrário: identificam-se vários municípios em que a
expansão do agronegócio acarreta num processo de franca urbanização
que se dá de forma social e espacialmente excludente. Para os autores,
6 Região do cerrado que compreende os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia, que tem surpreendido pela acelerada expansão da agricultura no período
recente.
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Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 49 | 2do. Semestre de 2018
este acirramento das desigualdades tem implicado em processos de fa-
velização nas cidades do agronegócio, decorrentes dos contingentes mi-
gratórios que aportam em tais cidades em busca de melhores condições
de vida.
O tema tem recebido atenção tanto de pesquisadores quanto da
sociedade em geral, como mostram Oliveira (2008) e Edisom (2016),
em estudo e reportagem sobre o crescimento das desigualdades e dos
bolsões de pobreza no Noroeste de Minas Gerais e no Mato Grosso, res-
pectivamente. Já Santos (2007) e Mondardo (2010) discorrem sobre o
aumento das desigualdades e sobre o processo paradoxal de geração de
pobreza ao tratar das implicações da territorialização do agronegócio no
oeste baiano.
Considerando que índices elevados de desigualdade e pobreza in-
viabilizam a sustentação da estratégia de desenvolvimento sugerida por
Bielschowsky (2012) mencionada anteriormente, as evidências aponta-
das por tais estudos indicam uma condição socialmente contraditória da
expansão do agronegócio. Para além dessa perspectiva funcional, enten-
demos a pobreza e a desigualdade, assim como o caráter essencialmente
violento das relações de trabalho de parte das atividades agroindustriais
vinculadas ao agronegócio que poderia ser aqui agregado (Firmiano,
2010), como condições substancialmente antagônicas a ideia de desen-
volvimento.
Implicações dos itinerários técnicos
Outra dimensão a ser considerada diz respeito às consequências
diretas e indiretas das práticas que compõem o itinerário técnico dos
sistemas de cultivo e criação do agronegócio. Como é sabido, tais itinerá-
rios foram formatados de modo a atender à lógica de simplificação e ho-
mogeneização da produção, o que de fato permitiu estrondosos ganhos
de escala. Por consequência, os sistemas de produção do agronegócio
baseiam-se em monocultivos altamente intensivos no uso de insumos
químicos sintéticos, bem como em mecanização de grande porte. Na
medida em que estes sistemas passaram a ser amplamente difundidos,
surgiu também uma série de efeitos indesejáveis. Erosão dos solos, epi-
demias de doenças e pragas, redução da biodiversidade, intoxicações
pelo uso de agrotóxicos, contaminação de alimentos, solos e águas por
agrotóxicos e fertilizantes são alguns dos problemas que entraram na
ordem do dia, em decorrência dos itinerários técnicos adotados.
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Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 49 | 2do. Semestre de 2018
Certamente o avanço tecnológico encontrou e seguirá encontran-
do métodos e técnicas para atenuar parte de tais problemas
7
. Algumas
das soluções apresentadas, no entanto, soam um tanto contraditórias. As
sementes transgênicas, por exemplo, foram incorporadas aos referidos
itinerários técnicos sob o argumento, entre outros, de que iriam redu-
zir o consumo de agrotóxicos. Tal argumento parece cair na invalidez
quando confrontado com pesquisas recentes que apontam justamente
o oposto (Pignati; Machado, 2011). Agrava-se ainda mais sua credibi-
lidade quando levado em consideração que determinadas empresas do
agronegócio obtiveram ganhos extraordirios ao associar sua nova tec-
nologia (comercializada com pagamento de royalties) ao uso de deter-
minado agrotóxico necessário em seu cultivo (produzido também pela
própria empresa).
Para além desta contundente crítica que questiona qual o senti-
do e quais os reais interesses por ts da produção de conhecimento e
do avanço tecnológico, o argumento principal da crítica aos itinerários
técnicos do agronegócio é outro. Consiste, sobretudo, no fato da lógica
de produção ser altamente dependente de recursos naturais não reno-
váveis, representando assim a incapacidade de sustentação de tais iti-
nerários em longo prazo. Para agravar o quadro, a redução da biodiver-
sidade, da fertilidade natural dos solos e alterações de regimes hídricos
decorrentes de sistemas intensivos de cultivo/criação são consequências
que dificultam ainda mais a renovação das condições físico-biológicas
necessárias para a produção agrícola – ainda que tal argumento possa
ser confrontado com a crença de que o avanço tecnológico será capaz de
solucionar tais problemas.
Ademais, os críticos apontam ainda para os efeitos indiretos dos
referidos itinerários técnicos, para além da esfera da agricultura e do
rural. Incluem-se aí desde impactos mais globais (como a emissão de
gases do efeito estufa) até efeitos mais específicos, como no caso dos
agrotóxicos, por exemplo, que, segundo Soares e Porto (2009), geram
elevados custos ao sistema de saúde em decorrência das intoxicações e
da exposição aos mesmos. Nesse sentido, também se destacam a extensa
compilação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva sobre impactos
relacionados ao uso de agrotóxicos (Abrasco, 2012) e os resultados do
7 Um exemplo que ilustra a capacidade (ainda que relativa) do avanço tecnológico
conter danos que ele mesmo causou na agricultura foi o surgimento da técnica do
plantio direto – que consiste na semeadura sobre os resíduos, sem revolvimento do
solo – para conter os problemas de erosão.
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Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 49 | 2do. Semestre de 2018
Programa de Alise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, lançado
em 2001 pela ANVISA.
Representação política
Por fim, cabe mencionar ainda a dimensão política do agronegó-
cio, cuja representatividade no Congresso Nacional sugere a indagação
sobre que interesses estão ali representados. A Frente Parlamentar da
Agropecria, uma das mais expressivas da instituição, é composta por
mais da metade do Congresso Nacional, tendo como objetivo explíci-
to o fortalecimento do agronegócio. Na composição de tal congregação,
destaca-se a elevada quantidade de recursos doados por empresas dire-
tamente vinculadas ao agronegócio, abrangendo praticamente todo o
espectro político do parlamento. Com efeito, sua atuação tem sido fun-
damental na proposição e aprovação de diversas medidas de “desentra-
ve” e estímulo à expansão do agronegócio.
A menção a esse elemento é importante por dois motivos. O pri-
meiro consiste em não ignorar a estreita e histórica relação entre pro-
priedade fundiária e poder político no Brasil, quadro cuja reprodução
secular torna difícil de ser alterado (Barcelos, Berriel, 2009). O segundo
motivo, por sua vez, é evitar armadilhas idealistas que releguem dema-
siada imporncia ao papel dos argumentos, ignorando a base econô-
mica/material que sustenta e determina a ação política. Partindo desse
pressuposto, considerar que a exposição de contradições inerentes ao
agronegócio teria, em si, capacidade de determinar a adoção de políticas
mais condizentes com o desenvolvimento seria atribuir demasiada im-
porncia ao plano imaterial das ideias no processo de convencimento
político.
Considerações nais
O agronegócio ocupa um papel central nas dimicas econômi-
cas, sociais e ambientais brasileiras. Entretanto, sua contribuição para o
desenvolvimento do país está longe de ser consensual, variando confor-
me as diferentes lentes que o analisam. Perspectivas centradas na econo-
mia tendem a considerar a produção de commodities agrícolas como um
componente-chave a ser priorizado nas estratégias de desenvolvimento
do o Brasil. Por outro lado, enfoques mais voltados para dinâmicas so-
cioespaciais permanecem atentos às implicações da expansão territorial
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Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 49 | 2do. Semestre de 2018
do agronegócio, enxergando com mais cautela e ceticismo as mudanças
introduzidas por este processo. Próximas a tal vertente – e mesclando-se
a ela – situam-se abordagens focadas nos recursos naturais e na incapa-
cidade de sustentação dos itinerários técnicos do agronegócio em longo
prazo.
As divergências se agravam quando as próximas décadas são co-
locadas em perspectiva. Há quem defenda que o tipo de agricultura di-
fundido pelo agronegócio consiste na única forma de produzir em escala
suficiente para garantir a alimentação das mais de nove bilhões de pes-
soas que em breve habitarão o globo. Essa vertente incluiria ideias mais
ou menos sombreadas de que: i) as externalidades negativas seriam
consequências inevitáveis que estariam para além da alçada da esfera
produtiva; ii) o avanço tecnológico será capaz de resolver ou dirimir tais
externalidades; iii) boa parte dos problemas elencados são “naturais
das sociedades humanas, alinhando-se a uma espécie de darwinismo
meritocrático que justificaria as diversas formas de privação de uma
parcela da sociedade. Por outro lado, há também quem afirme que uma
reestruturação da produção de conhecimento científico descompromis-
sada com interesses privados seria capaz de desenvolver modelos produ-
tivos satisfatórios e adequados às diferentes realidades socioambientais
espalhadas pelo mundo.
Parece coerente afirmar que os elementos apresentados neste en-
saio precisam ser apreciados em conjunto antes que se possa atestar a
atual inexistência de uma questão agria no Brasil. Espera-se que pes-
quisadores comprometidos com a produção de conhecimento, situados
politicamente onde quer que estejam, reconheçam as questões apresen-
tadas como parte da discussão sobre o rural brasileiro. Alguns sustenta-
rão a ideia de que boa parte dos problemas apontados poderá ser resolvi-
da através de ajustes e inovações no padrão vigente, enfatizando o papel
do mercado como propulsor para tais avanços.
8
Todavia, parece haver
uma incapacidade estrutural do agronegócio em evitar determinadas
externalidades inerentes a sua própria natureza. No entanto, condições
objetivas que determinariam uma mudança significativa nas estratégias
de desenvolvimento em voga parecem estar distantes do cenário atual.
Mesmo considerando o elevado grau de instabilidade política que o Bra-
sil vem recentemente enfrentando, a polarização entre um modelo mais
liberal e outro mais keynesiano-desenvolvimentista não parece colocar
em jogo o papel a ser ocupado pelo agronegócio.
8 Os entusiastas do mecanismo de comercialização de créditos de carbono são um
bom exemplo.
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