96 Reseña bibliográfica
Revista Interdisciplinaria de Estudios Agrarios Nº 57 – 2do. semestre de 2022
ISSN 1853 399X - E-ISSN 2618 2475 - Páginas 92-97
Não sem razão, portanto, neste livro, a relação agricultura e alimentação
passa por outros crivos, ao destacar a dimensão política das hortas, dos quintais,
do espaço da cozinha e do ato de cozinhar. São questões que dão visibilidade à
criatividade, à resistência e ao papel central desempenhado pelas mulheres cam-
ponesas na segurança alimentar e na democratização do uso dos recursos hídricos
dos territórios rurais. Sánches, por exemplo, a partir de experiências agroecológicas
conduzidas por mulheres na Colômbia, salienta a importância feminina para a
segurança alimentar, inclusão social e sustentabilidade ecológica dentro de uma
ética feminina do cuidado. Situação semelhante é trazida por Andrade ao analisar,
na região da Patagônia argentina, o trabalho das mulheres agricultoras, no âmbito
dos sistemas de alimentação locais (SAL). Para essa autora, essas mulheres, com
base nos princípios da agroecologia, desempenham um papel essencial na dinami-
zação das hortas familiares, das feiras e dos coletivos sociais, contribuindo para o
aumento da soberania alimentar e para o fortalecimento dos laços sociais. Ainda
nessa na região da Patagônia, Bendini e Preda, apoiando-se na trajetória de uma
camponesa residente em Neuquén, destacam a importância das práticas sociais das
mulheres, sejam no âmbito da reprodução familiar ou da atividade produtiva ou
ainda da vida política-organizacional, para o desenvolvimento do meio rural den-
tro de uma dimensão sustentável e agroecológica.
As lutas políticas para garantir uma maior inserção representativa das
mulheres agricultoras no agreste meridional e no Sertão do Vale do São Francisco,
Estado de Pernambuco, também se sobressaem nas análises de Silva et.al. A agroe-
cologia é identificada pelos autores como a matriz articuladora das lutas. Outras
experiências que evocam o protagonismo das mulheres no âmbito da produção de
alimentos, da segurança alimentar e da participação em feiras agroecológicas são
trazidas por Andrade, Andrade e Moser. Tomando como referência o agreste per-
nambucano, os autores sublinham a importância da troca de alimentos, de semen-
tes e de mudas entre os participantes da feira agroecológica, favorecendo o empo-
deramento das mulheres e a ampliação de sua participação política.
Andrade analisa as especificidades dos processos migratórios em comuni-
dades do município de Surubim, no Agreste setentrional de Pernambuco, com a
chegada de micro e pequenas empresas dedicadas à confecção. A agricultura de
base familiar passa a coexistir com essas novas atividades, dentro de uma rede de
relações de reciprocidade. A emigração é situada como uma forma de manter a
unidade produtiva, e a produção agrícola, por sua vez, passa a ser um elemento
importante para a reprodução social e para a produção de confecção, dentro de um
contínuo rural-urbano.
Finalmente, as diversas análises aqui presentes mostram que a proposta des-
se livro está longe de se reduzir a simples denúncia dos impactos negativos da
globalização sobre a produção e circulação de mercadorias, bem como do caráter
predatório do agronegócio sobre o trabalho e sobre os territórios, o que, por si só,
diga-se de passagem, já representaria um grande mérito. Mas, como fora eviden-
ciado, os diversos pesquisadores não se furtam de anunciar, através dos seus rela-